Os índices de inflação têm apresentado uma alta de preços “comportada” nos últimos meses, fruto de uma clara retração econômica causada pelo isolamento social. Hoje, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulga o IPCA de agosto e, até julho, a inflação acumulada pelo índice em 2020 é de 0,46%. No Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI), divulgado ontem pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), o Índice de Preços ao Consumidor acumula alta de 1,58% no ano até agosto.
Mas essa faceta “comportada” não vem sendo notada por muitos consumidores. Fatores como o avanço de preços de produtos mais consumidos na pandemia, como os alimentos, e a queda de preços de produtos menos consumidos ou até mesmo não consumidos devido ao isolamento social – como passagens aéreas – têm causado um descasamento entre os índices de inflação e a percepção do consumidor, que hoje compra alimentos 10,1% mais caros que há um ano.
Para Eduardo Zilberman, professor da PUC-Rio, a atual distância entre as prateleiras e os índices de preços está diretamente relacionada com mudanças de hábitos de consumo durante a pandemia. Segundo ele, bens mais demandados sofreram aumento de preços nas últimas semanas por diferentes fatores. “As famílias passaram a consumir mais alimentos dentro de casa na pandemia. Mas esse peso maior no orçamento das famílias não é acompanhado nos índices de preços, que são formados a partir de cestas de consumo de anos anteriores.”
O IPCA, a inflação oficial do país, é medida com base na cesta de consumo das famílias de 2017/2018. Essa cesta é atualizada apenas a cada cinco a dez anos e continua, portanto, sendo a referência para o IPCA durante a pandemia. Se no “mundo real” os alimentos comprados no supermercado passaram a ser mais consumidos pelas famílias, eles ainda respondiam 13,5% no IPCA de julho, praticamente o mesmo do que o registrado em fevereiro (14,1%).
“Essa sensação de alta dos preços pelos consumidores é, portanto, completamente explicável por causa da covid-19”, diz Zilberman. “Com a reabertura da economia, vamos precisar acompanhar como os preços passam a se comportar, principalmente os de serviços”, acrescenta o professor.
Para André Braz, coordenador do IPC do Ibre/FGV, itens como habitação e vestuário estão com taxas de inflação muito baixas em 2020 e muitos serviços livres praticamente não têm subido. Em todos os casos, a queda de consumo durante a pandemia é responsável por segurar os preços. “Esses itens servem de âncora para a inflação”, diz ele. Em compensação lembra, os preços de alimentação no domicílio avançam na casa dos 10% em 12 meses. “E a inflação percebida é muito ligada a alimentos”, acrescenta.
Braz afirma que a pandemia levou a uma perda maciça de empregos, o que reduziu a diversificação de cestas de consumo, principalmente das classes mais empobrecidas, deixando os gastos muito concentrados em alimentos, “para garantir o sustento da família”. “Muita coisa que caiu de preço não faz parte da realidade dos mais humildes e exatamente o que está na realidade dos mais pobres é o que mais avançou”, ressalta.
Braz lembra ainda que, no caso da classe média, também há a percepção de aumento dos produtos consumidos, mas a renda antes destinada para atividades como viagens e outras formas de lazer acaba sendo apropriada como poupança. Ele destaca que a taxa de captação de poupança aumentou bastante porque o dinheiro que era destinado a despesa com lazer
e consumo com duráveis acabou virando poupança. “Isso porque a classe média não sabe exatamente quais serão os efeitos da pandemia em sua própria atividade, porque muita gente não perdeu o emprego, mas ainda pode perder. Então o indivíduo acumula um pouco exatamente para driblar melhor os desafios dos meses à frente.”
Na semana passada, o IBGE mostrou, durante a divulgação do Produto Interno Bruto (PIB) do segundo trimestre, que a taxa de poupança bruta subiu para 15,5% do PIB entre abril e junho, frente a 13,7% do PIB em igual período de 2019. Foi a primeira vez que a taxa subiu num segundo trimestre desde 2013. O avanço levou a poupança a ultrapassar a taxa de investimento, que ficou em 15% do PIB entre abril e junho. Foi a primeira vez que a taxa de poupança superou a de investimento desde o segundo trimestre de 2017 e, antes disso, só em 2008.
Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, acrescenta que produtos eletrônicos também acabaram com preços pressionados durante o período de isolamento social. Segundo ele, é um efeito combinado de maior demanda dos consumidores com encarecimento do câmbio.
Dados do IPCA-15, prévia da inflação, mostram aumento de 10,68% no preço do televisor no acumulado do ano até agosto. No caso do computador pessoal, esse aumento foi de 15,74%.
Como são compras mais pontuais, porém, a percepção dos consumidores sobre a flutuação desses preços pode ser menos nítida. “Gastos que as famílias tinham com serviços e viagens, por exemplo, foram reduzidos e acabaram sendo direcionados para esses itens, necessários duramente o isolamento social”, diz o economista, acrescentando que parte do aumento desses preços pode ter a ver a com a renda do auxílio emergencial.
saulo.braine