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Parcelado sem juros no cartão não é benefício, é empréstimo

Fonte: G1 - 10/02/2017 às 10h02

Finalmente recebemos a notícia mais esperada da atualidade: os juros do cartão de crédito estão caindo. Alento nenhum acompanha a novidade já que a taxa anual continua beirando o surrealismo no patamar de 450% ao ano. É muito difícil explicar porque diabos essa taxa precisa ser tão alta. A justificativa mais acionada é a inadimplência. A culpa é dos consumidores que não pagam e dividem a conta com todo resto. É claro que não é só isso.

 

Eu conversei com o economista Sérgio Werlang, um dos maiores estudiosos dos juros no Brasil. Ex-diretor do Banco Central, Sérgio foi um dos formuladores do sistema de metas para inflação e também autor do primeiro estudo sobre spread bancário feito pelo BC. Ele defende as medidas que Ilan Goldfajn e Henrique Meirelles estão tomando para conter o avanço dos juros estratosféricos do cartão mas defende que tem mais coisa para fazer. Algumas com efeitos mais rápidos, outras mais estruturais.

 

“Não dá para fazer nada radical, como tirar o parcelamento sem juros no cartão para corrigir as distorções que ele causa. O BC está com a faca e o queijo na mão para mexer nisso agora porque está fazendo uma redução estrutural dos juros. A hora é agora! O que é fácil mexer com efeito mais rápido é retirar o IOF das operações e liberar mais o compulsório dos bancos. Isso pode ajudar a levar os juros do cartão para mais perto da taxa do cheque especial”, ele disse.

 

Sérgio aponta outras medidas importantes que têm efeito direto no custo do crédito como o cadastro positivo e toda limpeza burocrática que o governo está liderando agora. “Em alguma medida, talvez a gente precise limitar essa ferramenta de parcelar sem juros”, ele me falou com cautela porque sabe o peso que esta modalidade tem como salvação de muitos consumidores. O economista concorda comigo sobre a discussão que quero entrar agora.

 

Em primeiro lugar há um engano sobre o conceito e a função do cartão de crédito. O nome poderia ser autoexplicativo, mas a euforia e a facilidade do dinheiro de plástico provocam ilusão. Toda vez que alguém paga com cartão de crédito, pode ser no posto de combustível, está tomando um crédito no banco. Sim, porque o dinheiro não sai da sua conta na hora não é mesmo? Ele fica transitando no mundo digital até cair no caixa do estabelecimento o mais rápido possível.

 

Se você só vai pagar a sua fatura daqui um mês, que dinheiro é esse que chega ao comércio? Dinheiro do banco. Que banco? Todos aqueles que oferecem o cartão como instrumento de pagamento. O que o cartão de CRÉDITO faz é lhe antecipar um dinheiro à vista até que você quite o pagamento.

 

E enquanto você não pagar a fatura, alguém tem que distribuir dinheiro na praça. E como nós todos sabemos, dinheiro não é de graça. A dúvida é se precisa custar 450% ao ano. A certeza é que esta é a pior modalidade de crédito que pode existir no planeta.

 

Há mais um grave mal-entendido sobre o cartão de crédito, especificamente no Brasil: a compra parcelada sem juros. A maioria das pessoas interpreta esta modalidade, ou possibilidade, como um benefício, uma promoção. Parcelar sem juros é tomar um empréstimo que vai durar o tempo que você escolheu para pagar a compra. Sem falar que não existe tamanha benevolência no mercado: dinheiro de graça.

 

O banco que lhe oferece esta possibilidade não sabe quem você é, não sabe se você está inadimplente em outros cartões. Ainda assim, quando você digita a senha, Puff! A compra foi autorizada e você leva o vestido novo para casa e só vai pagar depois de ter usado na festa. Se você parcelou R$ 1000,00 em 10 vezes sem juros – isto significa que você se endividou por dez meses. Enquanto você não liquidar esta fatura, alguém está pagando esta conta.

 

Se você entra no rotativo, não se engane. Sua divida não é apenas da parcela que ficou sem pagar, é e sempre foi de todo valor da compra. O desbalanço entre os que não conseguem pagar toda fatura do mês e aqueles que dão conta do recado provoca buracos no sistema – isso tudo sem que o dinheiro efetivamente gasto na hora do consumo deixe de chegar ao seu destino.

 

E enquanto milhares de pessoas estão devendo até o último fio de cabelo no cartão, outros milhares com mais segurança de renda, continuam comprando sem juros numa relação totalmente desequilibrada e cruel. E lá de longe, mas colado em todas as etapas desta engrenagem, está o banco. Para prestar este serviço de olhos fechados e a qualquer hora do dia ou da noite, ele cobra caro. Muito caro. Isto custa 450% ao ano.

 

Mesmo depois desta explicação nem eu me convenço de que este nível de juros é aceitável. Mas ele tem sido usado para cobrir todos riscos que rondam os milhares de operações feitas por minuto no Brasil. A falta de compreensão dos usuários, o desespero de muita gente usando vários cartões para dar conta das necessidades da família, o histórico de consumo reprimido de muitos brasileiros que chegaram há pouco tempo no mercado, tudo são ingredientes de um sistema que precisa ser controlado e renovado sem demora.

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