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O ministro Levy e o Plano 123

22/10/2015 às 10h22


Em reiteradas ocasiões, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, deixou claro o seu plano de estabilização e retomada do crescimento da economia brasileira.


O plano tem três passos: o primeiro consiste em fazer um ajuste fiscal, comprimindo, de um lado, as despesas discricionárias e, de outro lado, elevando a carga tributária, ainda que temporariamente, para fazer frente à necessidade urgente de gerar um resultado fiscal superavitário. Concluído o primeiro passo, haveria naturalmente uma melhora da confiança dos agentes econômicos, resultando na retomada do crescimento. Os prêmios de risco baixariam e o câmbio ficaria mais estável ou até mesmo mais apreciado, sendo possível iniciar um ciclo de corte da taxa de juros, o que retroalimentaria o crescimento econômico. Por fim, o terceiro e último passo do ajuste é uma reforma estrutural do lado das despesas públicas obrigatórias, principalmente da Previdência Social. Com isso, seria possível desarmar a armadilha fiscal de longo prazo que é ter despesas crescentes em relação ao PIB.


O plano do ministro teria grandes chances de funcionar em condições normais. No entanto, houve um erro de cálculo no início do ano em relação ao tamanho do ajuste necessário. Acreditava-se que uma redução das despesas discricionárias, juntamente com algumas medidas para coibir excessos no seguro desemprego e no abono salarial, somadas ainda à reoneração da folha de pagamento das empresas, seria suficiente para produzir o ajuste. As propostas, contudo, sofreram modificações no Congresso, que reduziram seu ganho fiscal. Além disso, a atividade econômica simplesmente desabou. Não houve celeridade na tramitação do ajuste proposto e a confiança dos agentes econômicos continuou caindo, atingindo níveis mais baixos do que na crise financeira de 2008. Sendo assim, a arrecadação de impostos sofreu um verdadeiro colapso, o que enterrou de vez qualquer chance de cumprir as metas fiscais.


Diante disso, o governo se viu obrigado a revisar suas metas. A proposta original era fazer um superávit primário de 1,1% do PIB em 2015 e de 2,0% a partir de 2016, o que seria suficiente para estabilizar a relação dívida bruta/PIB. Em julho, o governo revisou o resultado primário de 2015 para 0,15% do PIB, alterando também as metas seguintes para 0,7% em 2016, 1,3% para 2017 e 2,0% em 2018. Nessa ocasião, foi explicado que o resultado de 2015 dependia de receitas extraordinárias que eram incertas. Caso não se concretizassem, o resultado deste ano poderia ser reduzido ainda mais para um déficit de 0,3% do PIB. Essa revisão causou perplexidade nos agentes econômicos, o que se refletiu na piora dos indicadores financeiros: houve forte desvalorização do real, queda na bolsa de valores e aumento do prêmio do seguro de crédito da dívida externa (CDS). Como se não bastasse, pouco mais de um mês depois, o governo remeteu ao Congresso um projeto de lei orçamentária prevendo déficit de 0,5% do PIB em 2016. Ato contínuo, a agência de classificação de risco S&P rebaixou a nota de crédito soberano, classificando o Brasil como "grau especulativo".


O projeto de lei orçamentária prevendo déficit em 2016 foi muito criticado no Congresso, de modo que o governo voltou atrás e anunciou um plano de entregar 0,7% de superávit primário. Para isso, lançou mão de mais um pacote de medidas que consistem, quase que exclusivamente, em aumentos de receitas. A principal fonte é a CPMF, que seria responsável pela arrecadação de R$ 32 bilhões. Além disso, há algumas reduções de benefícios tributários e uma tentativa de apropriação de parte das receitas do Sistema S (Sesi, Senai, Sebrae etc). Em entrevista a um jornal em setembro, o expor deputado Delfim Netto, que sempre manifestou simpatia pelos governos do PT, classificou o envio de um orçamento deficitário ao Congresso como "a maior barbeiragem política e econômica da história recente do Brasil".


No momento, as novas medidas de ajuste fiscal enviadas pelo governo estão paradas no Congresso. O ministro Levy já foi advertido por diversos políticos que a CPMF não será aprovada, mas segue apostando no seu Plano 123. Pedir ao Congresso para dar mais um cheque ao governo neste momento é quase uma ofensa. A carga tributária do país vem aumentando ao longo de décadas para financiar o sempre crescente gasto obrigatório. É hora de mudar as prioridades e começar pelo item 3 do Plano: atacar de frente as despesas estruturais. Os gastos não podem ser tratados como "obrigatórios", dando a isso uma conotação de que são imutáveis. Todos esses gastos podem e devem ser rediscutidos.


Por que o Brasil paga 12% do PIB de Previdência Social sendo um país jovem, enquanto países com a mesma estrutura etária pagam menos de 5% do PIB?


Por que as aposentadorias rurais, que não exigem contribuição, superam em muito a participação de trabalhadores desse setor no total da mão de obra empregada? Por que o gasto com seguro desemprego disparou enquanto a taxa de desemprego atingia recordes de baixa? Existem tantos pescadores profissionais no Brasil quanto os que se qualificaram para o seguro defeso?


Qual é a justificativa do abono salarial? Por que uma viúva jovem recebia até pouco tempo atrás uma pensão vitalícia? Enfim, são muitas perguntas sem resposta.


A verdade é que o Brasil chegou a um ponto que não dá mais para procrastinar o ajuste das despesas. O país simplesmente não pode pagar todos os benefícios propostos, muitos deles injustificados. Para atender alguns beneficiários, que nem sempre são os mais necessitados, todos se sacrificarão, inclusive os mais pobres. No entanto, alguns estão pedindo a cabeça do ministro da Fazenda, desejando um retorno às políticas desenvolvimentistas, leia-se populistas. Se nada for feito para coibir as despesas públicas, teremos uma volta ao passado, em que as opções são o calote da dívida ou a inflação generalizada, ou ambos como tivemos na década de 80. A situação é tão grave assim.


Fernando Rocha é economista-chefe da JGP Gestão de Recursos.


E-mail: jgp@jgpdtvm.com.br


Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações.



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