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O labirinto em que se meteu o Brasil

01/10/2015 às 10h56

Nos últimos 22 anos, tivemos, grosso modo, dois processos de inclusão social. O primeiro deles foi a implementação exitosa do Plano Real, que controlou a inflação e por decorrência "devolveu" o imposto inflacionário para aquela parcela da população (a imensa maioria, diga-se de passagem) que simplesmente não tinha acesso a ferramentas financeiras que lhe dessem proteção para uma inflação de 10% ou 15% ao mês. O segundo processo de inclusão social ocorreu nos anos mais recentes, em função da combinação de um cenário externo amplamente favorável (com superávits expressivos em conta corrente abrindo espaço para uma forte expansão da absorção doméstica sem pressionar a taxa de câmbio) com a adoção de políticas públicas direcionadas a públicos bem específicos (como o Bolsa Família) ou para temas bem específicos (como o Fies, para financiamento estudantil).

Pois bem, aceitando por um momento a descrição acima, poderíamos agregar cinco condições de contorno neste exercício de interpretação da crise atual, a saber.

A primeira delas, a desigualdade de renda no Brasil alcança patamares elevados, ainda que no passado recente fruto dos dois processos acima descritos tenha se reduzido um tanto. Salvo engano da minha memória, o índice de Gini (uma das métricas para mensuração da desigualdade de renda), que chegou a 0,60, voltou para o patamar de 0,53, uma melhora sem dúvida, mas ainda a configuração de uma sociedade altamente desigual permanece.

Segunda, o nosso regime democrático convoca dois terços da população (o tamanho do nosso colégio eleitoral atual) a comparecer às urnas uma vez a cada dois anos. Apenas como referência histórica, nas eleições presidenciais de 1950, o colégio eleitoral equivalia a 16% da população.

Terceira, e sem qualquer juízo de valor, o espectro político-partidário apresenta-se extremamente fragmentado, o que tem dificultado a construção de alianças mais estáveis na relação Executivo-Legislativo (na esfera federal).

Quarta, e já tratamos disso em artigos anteriores, os desajustes macro e microeconômicos são profundos e todos os agentes apresentam um grau de alavancagem historicamente elevadíssimo, configurando a possibilidade de uma crise de crédito não trivial.

Quinta condição, o cenário externo se mostra mais adverso, particularmente no que diz respeito à China, onde o crescimento do PIB, na margem, dificilmente estaria "rodando" na faixa dos 7% ao ano. Tomando a produção de aço como uma "proxy" do crescimento, num exercício muito simples de estatística descritiva, a conclusão é que o crescimento do PIB chinês deve estar numa faixa entre 3% e 4% ao ano. As implicações disso para a nossa balança comercial dispensam maiores comentários. E ainda temos a "novela" da subida dos juros nos EUA que, se não atrapalhar, ajudar também não vai.

Se reunirmos todos os ingredientes acima, o que se apresenta como cenário prospectivo (esclareço que como gestor a minha preocupação é com evolução dos preços dos ativos financeiros)? Creio que aqueles dois processos de inclusão social não sejam passíveis de retrocesso profundo, dadas as condições de contorno numeradas como 1 e 2. Em outras palavras, a "saída inflacionária" seria claramente um suicídio político duplamente qualificado: motivo fútil e requinte de estupidez. A "saída pela redução significativa de benefícios sociais" (e aqui não estão incluídas mudanças que ultrapassaram o óbvio, como a reforma da Previdência) tampouco é tarefa política trivial. As duas abordagens dificilmente sobreviveriam ao teste bienal das urnas.

Dessa forma, o quadro impõe ao espectro político-partidário um enorme desafio que, até agora, não encontrou solução que atenda aos cálculos econômico, político e eleitoral de forma simultânea. Portanto, e dada a terceira condição de contorno, a construção de uma saída benigna há de tomar muito tempo.

Explicito esse quadro sumário, e talvez simplista mesmo, apenas para criar um contraponto a certo imaginário (evidentemente justo como qualquer desejo) que parece habitar os corações e as mentes de uma parcela do mercado: a existência de uma solução rápida para este imenso labirinto que foi criado.

É preciso um enorme cuidado na gestão porque, a meu ver, não existe a saída rápida e, mesmo que exista saída, ela não necessariamente será de caráter benigno: neste labirinto existem muitos Minotauros, poucos "Teseus" (e alguns centauros, se me permitem a liberdade poética).





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