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O Brasil na rota da dominância fiscal
18/11/2015 às 10h16
Um dos temas mais interessantes do debate neste momento, com uma forte carga de dramaticidade graças à situação em que se encontra a economia brasileira, é o da dominância fiscal. Em linhas gerais, esse fenômeno ocorre quando as condições fiscais, e não as monetárias, determinam a inflação.
Numa situação de dominância fiscal, o Banco Central (BC), em tese, não pode subir a taxa de juros, mesmo que a inflação esteja elevada, para não agravar a situação das contas públicas. Sendo assim, estaria a política econômica vivendo em regime de dominância fiscal?
Em recente apresentação no Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getulio Vargas, o professor Tiago Berriel, da PUC do Rio, explicou, segundo relato feito à coluna por Luiz Guilherme Schymura, que a acepção mais geral do conceito de dominância fiscal parte da ideia básica de que a restrição orçamentária do governo ao longo do tempo é uma condição de equilíbrio irrevogável. Isto significa que a dívida fiscal contraída será paga pelos fluxos de superávits a serem gerados. "Em outras palavras, quanto maior a dívida, mais o setor público terá que economizar para pagála", observa Schymura, que dirige o Ibre.
Esse raciocínio, de tão óbvio, parece sem importância, mas não é: no Brasil, ainda há formuladores de política econômica que acreditam que não há mal algum em elevar-se a dívida pública. Faltou dinheiro para bancar uma despesa supostamente de cunho social? Aumente-se a dívida!
A questão que se coloca é: o que ocorreria se os agentes econômicos acreditassem que o setor público não conseguiria gerar uma trajetória futura de superávits no orçamento suficiente para equilibrar a equação? Schymura explica que, no cenário em que a estabilidade fiscal é colocada em cheque, a solução do problema, dada a condição de equilíbrio irrevogável de que fala Berriel, pode vir de três formas:
1) diminuição da dívida pública nominal por meio do não pagamento de sua totalidade;
2) ocorrência de eventos imprevistos como a senhoriagem decorrente do aumento da inflação e o não pagamento de compromissos estabelecidos por lei ou contrato que elevam as receitas ou diminuem gastos futuros do setor público;
3) forte elevação dos preços, provocando a redução da dívida pública real e das despesas reais do governo.
"Em outras palavras, as saídas teriam que vir por meio de calote explícito ou inflação, que operaria como um calote disfarçado", diz Schymura. Não se trata de nada que o Brasil já não tenha experimentado, com consequências perversas sobre o desenvolvimento do país e seus níveis de pobreza e desigualdade.
No caso do ajuste realizado por meio da inflação, ele seria realizado independentemente da política de juros adotada pelo BC. "Neste contexto o nível de preços desempenha o papel de variável de ajuste da restrição orçamentária pública. A esta situação dá-se o nome de dominância fiscal", ensina Schymura, insistindo que o fenômeno não decorre de decisões das autoridades; na prática, é um mecanismo autônomo de correção da dinâmica insustentável da dívida pública, ou seja, ele provoca a inflação necessária para estabilizar a dívida.
"Fica claro que o fenômeno não surge da decisão do BC de 'acomodar' a inflação. Caracteriza-se uma situação em que a autoridade monetária não só perde o seu principal instrumento a fixação da taxa básica de juros (Selic) , como também o seu uso convencional torna-se contraproducente", assinala o economista, que trata do tema na Carta do Ibre que será divulgada nesta quarta-feira. Schymura não acredita, como alguns analistas, que a dominância fiscal seja a antessala da hiperinflação ou de que provoque, de forma inexorável, crises financeiras explosivas. "Se o governo tiver uma posição credora líquida em dólares, como é o caso do Brasil, isso pode moderar a alta da inflação que estabiliza a dívida pública, já que a depreciação, que causa inflação, melhora a posição patrimonial do setor público. No caso inverso, de uma posição devedora em dólares, a dominância pode assumir um caráter mais explosivo", compara.
O Brasil levou, desde a crise da dívida em 1982, quando quebrou no rastro da segunda crise do petróleo e da elevação da taxa de juros nos Estados Unidos, 26 anos para reorganizar minimamente a situação fiscal e instaurar a estabilidade de preços. Em 2008, conquistou o grau de investimento das agências de classificação de risco, depois de um esforço razoável de redução da dívida pública como proporção do PIB.
Apenas sete anos depois, graças ao experimento criminoso conhecido como Nova Matriz Econômica, as conquistas foram jogadas na lata de lixo. A dívida bruta, que em 2014 estava abaixo de 55% do PIB, pode passar de 80% do PIB em 2018. Especialistas calculam que, para estabilizar essa dívida, o superávit primário anual necessário seja de 3% do PIB. Esse número dá uma ideia da encrenca em que estamos metidos: neste e no próximo ano a batalha de Brasília é evitar a elevação de déficits primários já contratados.
"Com o atual conjunto de evidências, e devido à própria natureza do fenômeno, é impossível afirmar ou descartar que o Brasil esteja em dominância fiscal ou próximo a ela. Mas dá para asseverar que este é um risco que deve ser levado em conta pela autoridade monetária. Não se pode esquecer tampouco de que, quanto maior for a taxa de juro, mais debilitada estará a situação fiscal do setor público, independentemente de haver ou não dominância fiscal", argumenta Schymura, sugerindo que, mesmo diante da piora das expectativas inflacionárias, o BC interrompa o ciclo de alta da taxa Selic.
Diante desse quadro tenebroso, indaga o diretor do Ibre, o sistema político brasileiro será capaz de reagir à altura do imenso desafio fiscal? Tudo indica que não, ainda mais quando se sabe que a presidente Dilma Rousseff, por absoluta ausência de pragmatismo e instinto de sobrevivência, segue resistente a realizar o ajuste fiscal necessário.
Para Schymura, uma clara determinação política para restabelecer a solidez fiscal retiraria do ambiente a percepção de que o país estivesse diante de um problema insolúvel. "Seja qual for o sentido empregado, a dominância fiscal é um conceito essencialmente ligado às expectativas", comenta o diretor do Ibre.
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