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Mais que gastão, Brasil é um pobre generoso
15/09/2015 às 11h10Estou perto de completar cinco anos de casado. Mas essa curta experiência acumulada já foi suficiente para me ensinar que somente quando a situação aperta é que surge "disposição" para se discutir qualquer coisa sobre orçamento familiar. Essa realidade me faz colocar pouca fé sempre que leio ou ouço o discurso de economistas liberais defendendo que os governos devem aproveitar os tempos de vacas gordas para economizar, a fim de criar espaço de endividamento para gastar com políticas anticíclicas somente durante as crises. Tarefa inglória. A dificuldade se assemelha à da pregação dos planejadores financeiros que se esforçam para ensinar as pessoas físicas a poupar mais dinheiro quando tiverem um aumento de salário. Pode até ser a coisa "certa" a se fazer do ponto de vista racional e financeiro. Mas a chance de êxito é tão menor quanto maiores forem as carências dos países ou pessoas envolvidas. Vai dizer para um trabalhador que acaba de ser promovido que, em vez de usar o dinheiro extra para viajar nas férias com a família ou comprar o primeiro carro, ele deve abrir um plano de previdência e continuar passando o mês de folga vendo TV e usando ônibus para ir ao serviço. A mesma lógica se aplica para um governante no Brasil, ao ver a população sem moradia, com educação de baixa qualidade, saúde precária e infraestrutura atrasada. É difícil conter a alta das despesas quando as demandas estão por toda parte e a arrecadação lhe dá espaço para atende-las. A responsabilidade fiscal só surge quando o calo aperta. E se algo de bom pode ser tirado da perda do grau de investimento pela Standard & Poor's é a obrigação de que a sociedade brasileira finalmente deixe de adiar esse debate e tente se livrar da esquizofrenia que se criou sobre o tema. A universalização de direitos trazida pela Constituição de 1988 não nasceu no vácuo. Bem diferente do americano liberal, o brasileiro, na média, acha que o Estado deve prover inúmeros serviços de forma ampla, gratuita e com qualidade. Mas ao mesmo tempo reclama da carga tributária e parece ter chegado ao limite de tolerância a alta de impostos. Contudo, para discutir receitas e gastos compartilhados, sejam referentes ao orçamento público ou familiar, é preciso ter clareza no diagnóstico, disposição para sacrifícios e seriedade. Se você quiser sentar com seu cônjuge para tratar de equilíbrio no orçamento e ele sugerir que a conversa ocorra no Fasano e propuser a compra de uma casa na praia, você terá certeza de que o papo não é sério. E esse tem sido o comportamento de alguns no debate sobre as contas públicas. Empresários exigem corte de gastos, mas não aceitam abrir mão de nenhum incentivo que recebem (renúncia fiscal também sai do orçamento), inclusive os que não tiveram os efeitos desejados. Congressistas também falam em redução de despesas, mas recentemente aprovaram reajuste gigantesco para servidores do Judiciário, uma reforma da previdência que amplia os dispêndios e estão perto de votar mais "pautas bomba". Quando não por oportunismo político, parte dessa visão se justifica por um diagnóstico errado do problema. Ganha cada vez mais força o discurso de que a carga tributária brasileira está entre as mais altas do mundo, o que seria uma evidência de que o governo já arrecada bastante. De acordo com essa visão, basta o governo aumentar a eficiência no gasto público e acabar com a corrupção que haverá dinheiro de sobra para prover serviços de qualidade para a população, no mesmo padrão de países ricos. Essa construção, apesar de apoiada em dados verdadeiros, tem conclusão falsa. Como proporção do PIB, a carga tributária brasileira, de 35%, é alta. Ficaria em 14º lugar quando comparada àquela praticada em 35 países da OCDE (uma espécie de clube dos ricos) em 2013, pouco atrás da Holanda e Alemanha. Também é fato que existem desperdícios e corrupção. Mas sobre esse segundo ponto, dois esclarecimentos: 1 Não é cortando gasto com clipes e papel sulfite que as contas do governo voltarão para o azul. A Fazenda é chefiada hoje por um dos técnicos mais qualificados do país e já ficou claro, depois de oito meses de trabalho, que não é simples como parece cortar gastos. A contenção já afetou programas como seguro-desemprego, Fies, Pronatec, Minha Casa Minha Vida. É disso que se fala quando se defende mais cortes de gastos. 2 Muitos também citam as cifras desviadas em esquemas de corrupção para encontrar espaço no orçamento. A Petrobras calculou pouco mais de R$ 6 bilhões em pagamento de propina entre 2004 e 2012. Para ser generoso, vamos multiplicar esse valor por cinco e chegamos a R$ 30 bilhões. Esse valor, se fosse todo recuperado, seria suficiente para zerar o déficit no orçamento de 2016. E nos anos seguintes? Mas e os 39 ministérios e as mordomias de juízes e parlamentares? De fato, sempre vai haver espaço para cortes. Mas por aí não se chegará aos R$ 64 bilhões necessários para fechar a conta, sem falar na necessidade de mudar a legislação. Este Congresso está disposto a encarar o desafio? Por fim, mesmo admitindo que o governo consiga fazer o ajuste todo do lado das despesas, é preciso ter em mente que o Brasil vai continuar a não ter o nível de serviço público dos países ricos. Isso porque educação, saúde e segurança custam dinheiro, e não percentual do PIB. Se você e seu amigo milionário gastam 50% da renda para custear moradia e supermercado, pode ter certeza que ele vai morar e comer melhor do que você. Quando medida em dólares ajustados por paridade do poder de compra, a carga tributária brasileira per capita foi de US$ 5 mil por pessoa em 2013. Por esse critério, o Brasil fica em 32º naquela lista da OCDE, pouco à frente de Turquia, Chile (que não tem previdência pública) e México. Bem distante dos US$ 27 mil da Noruega, dos US$ 22 mil da Dinamarca e dos US$ 16 mil de Holanda e Alemanha. Se sua família tem um terço ou menos da renda do vizinho, você terá que se acostumar a uma vida de restrições e escolhas, por mais eficiente que seja na gestão. Mais do que gastão, o Brasil é um país pobre, com uma sociedade generosa.
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