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Impeachnebt não é bala de prata para resolver crise
14/12/2015 às 12h33
O entusiasmo do mercado financeiro com a possibilidade de um impeachment da presidente Dilma Rousseff é "exagerado" e se baseia em um cenário ainda inconsistente. Essa é a visão do diretor para América Latina da consultoria de risco político Eurasia Group, João Augusto de Castro Neves. "Não estão prestando atenção no 'day after'. Estão pensando no impeachment como se fosse uma bala de prata para resolver os problemas, e não é", afirma. Para ele, as condições de um novo governo implementar as medidas esperadas pelo mercado continuarão limitadas pela Operação Lava-Jato e pelo quadro econômico fraco. "Muitos acham, erroneamente, que cai a Dilma, acabou Lava-Jato", diz. "Os mesmos fatores que hoje atrapalham o governo Dilma ainda estarão vivos num governo Temer."
O Eurasia atribui 40% de chance de a presidente sair do governo. Se ela sobreviver ao impeachment, o especialista não acredita que ela vá retomar políticas heterodoxas do primeiro mandato. "Acho que a única luz no fim de túnel nisso tudo é que não haverá uma guinada para aquelas políticas que geraram as distorções que estamos vendo hoje", afirma.
A seguir, os principais pontos da entrevista:
Valor: O mercado tem mostrado euforia às notícias que fortalecem as chances de um impeachment. Mas um processo como esse, carregado de incertezas, não deveria ser motivo de cautela?
João Augusto de Castro Neves: A grande razão do otimismo se deve às intenções que foram explicitadas naquele documento lançado no mês passado de um possível governo Temer. E também na qualidade das pessoas. Muitos sabem o que seria um governo PMDB/PSDB no que diz respeito à políticas macroeconômicas, pelo dado histórico dos dois partidos. A euforia se dá, então, pela crença de que essas medidas vão ser implementadas, depois de 12 anos de desgaste do PT, de fadiga de material. Mas, na nossa visão, isso é um pouco exagerado. Os mesmos fatores que hoje atrapalham o governo Dilma ainda estarão vivos num governo Temer: a Lava-Jato, que serve como uma sombra, afetando a coalizão PSDB x PMDB; e a economia, que ainda estará numa situação difícil.
Valor: O que o mercado não está conseguindo enxergar em termos de risco?
Castro Neves: As dificuldades que um governo Temer vai enfrentar, a começar pelas investigações da Lava-Jato, que podem implicar pessoas do PMDB. Muitos acham, erroneamente, que cai Dilma, acabou a Lava-Jato. O segundo ponto é a própria economia, cujos problemas são estruturais e vão demandar medidas duras, impopulares, como a reforma da Previdência. Não tem jeitinho para quem sentar na cadeira da Presidência da República, em um contexto em que a economia está em recessão, o desemprego deve alcançar dois dígitos. O grau de tolerância das ruas é muito pequeno. Não duvido que haverá um momento de lua de mel com o Temer, até das ruas. Mas acho que vai ser curto. Esse ciclo de recessão independe do que acontece no Palácio do Planalto no curto prazo. No mercado, não estão prestando atenção, então, no "day after". Estão pensando no impeachment como se fosse uma bala de prata para resolver os problemas, e não é. E com um risco adicional: digamos que o governo Temer assuma e não resolva os problemas. Eles podem ainda se desgastar para a eleição em 2018. Ou seja, pode ainda dar uma sobrevida a uma candidatura petista em 2018.
Valor: As ações de empresas estatais são as mais sensíveis ao noticiário político. Uma troca de governo para essas empresas será realmente uma boa notícia?
Castro Neves: Acredito que sim. Um governo Temer enfrentaria muitos problemas. Mas acho que algumas medidas ele poderia adotar sem muita dificuldade. Por exemplo, a mudança no regime do marco do pré-sal, que seria um grande alívio para a Petrobras. Porque a mão pesada do PT na economia foi mais sentida pelas estatais. Elas seriam as primeiras a se beneficiar.
Valor: Qual a probabilidade que o senhor atribui ao impeachment?
Castro Neves: A nossa visão é que ela [a presidente Dilma] sobrevive ao impeachment. E a gente também não acha que o impeachment seja bom: o impeachment não é uma solução para a crise. Há algum tempo achamos que a chance de saída de Dilma do governo é de 40%, e isso não mudou recentemente. Esse risco é dela não terminar o mandato, o que inclui também a chance de renúncia e de anulação das eleições.
Valor: O que pode alterar esse placar?
Castro Neves: A gente já vinha alertando clientes que a crise política e econômica vai piorar em 2016, e a presidente Dilma vai ficando vulnerável a essas questões. O fator de risco para ela é ficar estendendo o processo. Se é para começar um processo de impeachment, melhor começar logo. Porque senão dá tempo de haver mobilização das ruas, de a Lava-Jato descobrir mais coisas, de haver coordenação melhor no Congresso para tirá-la. É uma corrida contra o tempo. Qual pode ser a gota d'água para virar essa equação?
Protestos mais intensos e muito mais barulhentos, com mais gente pressionando o Congresso. E também alguma nova bomba da Lava-Jato, com alguma prova mais contundente próxima ao governo.
Valor: Qual o potencial de um governo liderado pelo PMDB, algo que não ocorre no âmbito federal desde 1990?
Castro Neves: O PMDB tem a seu favor o tamanho. É o maior partido no país, no Congresso, nas prefeituras e governos estaduais. Mas sozinho não resolve, vai ter que compor. E terá que ser mais à direita, com o PSDB ou com partidos que fazem oposição hoje. Porque o PT "morrendo de morte matada", e não de "morte morrida", vai ser o PT radical no Congresso. Não vai ter diálogo. Vai ser o PT pré" Lulinha pazeamor", não vai ter diálogo. Imagine o governo Temer sem poder dialogar com a esquerda raivosa do Congresso, tendo que negociar com uma direita meio que receosa de fazer uma aliança incondicional. Acho que o PSDB tem incentivo para cooperar com o PMDB, mas isso vai depender muito do andar da carruagem. Se houver mais provas de corrupção contra o PMDB, muitas facções do PSDB não vão querer se sujar. E a gente sabe que o PSDB tem diferentes facções. Dizem que a liderada pelo Serra tem mais interesse em cooperar, mas que para o Aécio e o Alckmin interessa menos. Em resumo, essa coalizão PSDB/PMDB não é tão estável assim por causa da Lava-Jato. E mesmo um partido grande como o PMDB não governa sozinho. O PMDB tem poucos deputados a mais do que o PT.
Valor: Se a presidente Dilma ficar, haverá risco de ela retomar a política econômica do primeiro governo?
Castro Neves: Acho que, ela ganhando, continua tudo como está. Até porque haverá o risco de outros processos. Acho que a única luz no fim de túnel nisso tudo é que não haverá uma guinada para aquelas políticas que geraram as distorções que estamos vendo hoje. Por mais que tenha sido uma mudança movida mais por necessidade do que por convicção, o fato é que ela demitiu o [Guido] Mantega e contratou o [ministro da Fazenda, Joaquim] Levy. Bem ou mal, ela bancou muitas coisas que o Levy botou lá, medidas impopulares. Se ela sobreviver ao impeachment, ela ganha fôlego, torna o desafio de retirá-la mais difícil, mas não deve mudar muito a forma de governar.
Valor: E se o Temer também for impedido?
Castro Neves: Acho que o grande fator surpresa nisso tudo é a chapa cair, seja pelo impeachment, seja pelo TSE, anulando a eleição. Isso vai criar uma incerteza inicial, mas talvez seja a coisa mais próxima que a gente tem para a solução da crise, que é a eleição direta. Isso só pode ocorrer se o TSE decidir impugnar a chapa até o fim do ano que vem, que é metade do mandato. Aí, haveria 90 dias para fazer eleição direta. Se for depois, então é eleição indireta, o Congresso elege. Só que o curioso disso tudo é que, se for feito isso agora, quem assume por 90 dias é o Eduardo Cunha o que, politicamente, é inviável. Acho que isso não vai acontecer agora. Mas é um fator que muitos não estão prestando atenção.
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