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É preciso aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor
Fonte: CONJUR.COM - 08/06/2016 às 11h06Observando as lições das economias desenvolvidas de crédito, o Senado Federal nomeou uma comissão de juristas para atualizar o CDC nas temáticas do comércio eletrônico e superendividamento, expandindo os direitos e os princípios conquistados nos primeiros 20 anos do CDC.
O ministro Herman Benjamin, presidente da comissão de juristas, em seu discurso no ato de instalação da comissão, destacou a necessidade de atualização para melhor proteger os consumidores nas matérias que são, hoje, essenciais ao consumo, mas que não faziam parte da realidade em 1990:
"Depois de 20 anos de vigência, o CDC não deixa, como qualquer lei, de ser prisioneiro de seu tempo. Apesar das normas visionárias, não havia como prever em 1990 o crescimento exponencial das técnicas de contratação à distância, as transformações tecnológicas e o crescente comércio eletrônico de consumo assim como imaginar a democratização do crédito, fenômeno que amplia a facilidade de acesso a produtos e serviços, superando esquemas elitistas e popularizando sofisticados contratos financeiros e de crédito.Esta nova realidade brasileira coloca a necessidade de aperfeiçoar os mecanismos existentes de apoio aos consumidores, especialmente os preventivos, com o intuito de reduzir conflitos, sobretudo no terreno do superendividamento".
Hoje, não é exagero considerar o contrato de crédito como um "contrato existencial", uma vez que se tornou imprescindível na sociedade assim como o contrato de trabalho e o contrato de locação, todas relações de longa duração e vinculados à dignidade do consumidor, do trabalhador e do locatário. No entanto, se a democratização do crédito possibilitou a inclusão e a participação no mercado de consumo, de outro lado propiciou condições favoráveis para o superendividamento, fenômeno que agrava a vulnerabilidade de relações e consumidores e ganha visibilidade no Brasil somente após a década de 1990.
Na doutrina, o superendividamento é caracterizado pelas "situações em que o devedor se vê impossibilitado, de uma forma durável ou estrutural, de pagar o conjunto de suas dívidas, ou mesmo quando existe uma ameaça séria de que não o possa fazer no momento em que elas se tornarem exigíveis". Algumas causas são apontadas para esse fenômeno cada vez mais recorrente em todo o mundo, dentre elas a pulverização do crédito, a insuficiência de regulação do mercado, a redução das condições socioeconômicas, a concessão de crédito sem avaliação da capacidade de reembolso do consumidor, entre outras causas relacionadas à assimetria informativa e educação financeira, todas, sem dúvida resultantes de uma conjuntura econômica com a ampliação do aumento do endividamento das famílias segundo a lógica do novo capitalismo no plano estrutural.
Os poderes públicos preocupam-se, cada vez mais, com as repercussões negativas do superendividamento, pois ultrapassa a pessoa do devedor, atingindo a sua família e a sociedade. Tem como consequência a baixa na produtividade e dificuldade de reinserção no mercado de trabalho, estresse, problemas conjugais, problemas relacionados à saúde, além da exclusão econômica e social. Em situações extremas, pode levar ao comprometimento da subsistência da família.
Tratando-se de um fenômeno global, ganhou destaque internacional. Diretrizes da ONU, revisadas no ano de 2015, recomendam e incentivam a intervenção do poder público na proteção dos consumidores e crédito tendo em vista o risco de superendividamento. Para enfrentar a crise financeira mundial, o Banco Mundial recomenda, inclusive, a adoção de procedimentos para o tratamento do superendividamento porque proporcionaria aos credores maior reembolso das dívidas que as ações individuais de cobrança e execução, "aliviaria" a pressão dos credores sobre o devedor, incentivando-o a voltar para o trabalho formal, incentivaria os credores a assumir uma postura mais responsável na concessão de crédito, além de preservar o mínimo existencial dos devedores.
No cenário nacional não é diferente. A preocupação com o superendividamento vem se acentuando nos últimos tempos. As pesquisas sobre o crédito ao consumidor, iniciadas em 2003 na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, confirmaram que o acesso ao crédito nem sempre proporciona a inclusão social. O endividamento sem o aumento correspondente da renda, em ambiente de crise financeira, desemprego e crescimento da pobreza, entre outros fatores sociais e econômicos, pode levar ao indesejado superendividamento.
O Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon) teve importante participação no desenvolvimento científico do tema e da sua concretização no país na conjuntura da significativa expansão do crédito no Brasil.
No congresso do Brasilcon em comemoração aos 15 anos de vigência do CDC, o superendividamento foi um dos temas destacados a merecer complementação na lei protetiva. Cinco anos depois, ao comemorar 20 anos do CDC, o Brasilcon ofereceu ao público o Anteprojeto de Lei Acadêmico, dispondo sobre “a prevenção e o tratamento das situações de superendividamento dos consumidores, pessoas físicas e de boa-fé”. A proposta, fruto de pesquisas acadêmicas e práticas contribuiu, anos mais tarde, para a atualização do CDC.
Observando as lições das economias desenvolvidas de crédito, a comissão de juristas instituída no Senado Federal, em 2 de dezembro de 2010, foi encarregada do aperfeiçoamento legislativo no sentido de ampliar os direitos do consumidor. Com base no trabalho da comissão, o Projeto de Lei 283/2012 do Senado Federal propõe novas normas com a finalidade de prevenir o superendividamento, promover o acesso ao crédito responsável e o tratamento global em audiência. As regras propostas valorizaram a informação da parte vulnerável e focaram, sobretudo, na inclusão com medidas que visavam integração do consumidor na sociedade e o acesso igualitário aos bens e serviços.
E, para incluir os superendividados, adotou-se um “modelo social”, de regulação, capaz de reconhecer a presença de uma vulnerabilidade especial a merecer proteção, diferentemente do modelo europeu “liberal”, que tem como pressuposto um consumidor “racional”. Mais do que a vulnerabilidade técnica ou informativa, jurídica ou fática, sobressai a “vulnerabilidade existencial” dos superendividados que necessitam de proteção. Nesse particular, Bruno Miragem destaca que as dimensões que assume e potenciais efeitos pessoais, familiares e sociais que envolvem os contratos de crédito, a proteção do consumidor de crédito extravasa a finalidade protetiva meramente negocial — de proteção do contratante vulnerável em face de uma dada posição ou interesse econômico legítimo — para assumir caráter existencial. A vulnerabilidade agravada do consumidor de crédito e de sua família na realidade atual faz com que nas relações de consumo se observe a projeção do princípio da dignidade da pessoa humana, bem como de eficácia dos direitos fundamentais às relações privadas.
No XIII Congresso Brasileiro de Direito do Consumidor - Brasilcon, em comemoração aos 25 anos do CDC, recentemente em maio de 2016, foi aprovada moção de aprovação imediata dos projetos de Lei de Atualização do Código de Defesa do Consumidor, especialmente o do PLs 283/2012, para aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e dispor sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento do consumidor no Brasil.
Esperamos que, diante da urgência e necessidade social, o Poder Legislativo se sensibilize com a exclusão social causado pelo superendividamento, aprovando as normas que visam preveni-lo, porque só assim estaremos na vanguarda da defesa dos consumidores de crédito, concretizando “a função distributiva do CDC como instrumento de justiça social, de combate à exclusão e da pobreza no país”.