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Com demanda fraca, estímulos têm impacto limitado no crédito
15/12/2015 às 11h33
Medidas adotadas pelo governo como a criação de linhas especiais e liberação de compulsórios foram insuficientes para alavancar os financiamentos imobiliários e para a cadeia automotiva. O resultado das ações sugere que o ambiente econômico desfavorável limitou mais o interesse dos clientes do que a disposição dos bancos em ofertar crédito, mesmo que em condições mais restritivas.
Tal quadro refuta uma tese levantada recentemente de que o governo deveria estimular o crédito, como em outros momentos, para tentar dar ânimo à atividade econômica.
Uma mostra disso é que quase quatro meses depois de seu lançamento feito em tom de urgência pela Caixa Econômica Federal, uma linha de crédito de R$ 5 bilhões para beneficiar a cadeia automotiva e preservar empregos no país chega ao fim do ano com menos de um quinto dos recursos desembolsados.
Outro exemplo do efeito limitado foi o remanejamento de depósitos compulsórios parcela de recursos que os bancos são obrigados a manter no Banco Central (BC) aprovado em maio pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) para estimular o crédito imobiliário e o rural. A medida permitiria a injeção de R$ 25 bilhões nas duas modalidades e atenderia principalmente a Caixa, que poderia ampliar seus empréstimos em R$ 10,2 bilhões. Na prática, o banco público liberou apenas a metade desse valor.
A mudança de compulsório tem validade até 23 de junho de 2017 e, até o momento, segundo apurou o Valor, os bancos utilizaram cerca de R$ 12 bilhões no segmento imobiliário de um total de R$ 22 bilhões do potencial de dedução.
Segundo uma fonte, a Caixa adotou como estratégia a liberação gradativa para "não ficar sem dinheiro" para operar com financiamentos imobiliários num cenário de elevados saques na caderneta de poupança. Essa fonte explica que o remanejamento dos compulsórios teve como objetivo dar um alívio ao mercado diante de um quadro dramático de fonte de funding mais barato para empréstimos para aquisição de imóveis. A caderneta de poupança acumula saque líquido recorde de R$ 58,357 bilhões em 2015 até novembro.
"As medidas adotadas pelo CMN, no primeiro semestre deste ano, liberaram para a Caixa R$ 10,2 bilhões de depósitos compulsórios para serem aplicados de julho de 2015 a junho de 2017. A Caixa optou por fazer utilização gradativa, de forma a evitar uma redução do volume de aplicações", informou o banco por meio de nota.
Além disso, foram liberados R$ 5 bilhões para a linha pró-cotista (FGTS), valor que, segundo a Caixa, já está quase integralmente aplicado. Outra ação de estímulo ao crédito foi a liberação de R$ 1,2 bilhão para financiar a produção de imóveis com valor de até R$ 300 mil. Neste caso, os recursos não foram ainda integralmente aplicados pois dependem de ajustes de projetos por parte das construtoras.
"As medidas adotadas, tanto pelo CMN quanto pelo CCFGTS [Conselho Curador do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço], foram de grande importância para manter a atividade do setor da construção civil", acrescentou a Caixa.
A falta de apetite por empréstimos é vista também no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), em que há crédito com juros subsidiados pelo Tesouro Nacional. A procura pelo banco de fomento caiu praticamente pela metade neste ano. De janeiro a outubro, as empresas fizeram consultas ao banco que geraram R$ 108,5 bilhões em pedidos valor 46% menor do que um ano antes.
Levantamento do BC mostra que a carteira de crédito do BNDES cresceu 10,1%, somando R$ 623,3 bilhões, em 12 meses encerrados em outubro (dado mais recente). Esse é o menor ritmo de expansão desde o começo da série disponibilizada pelo BC, que começa em março de 2007. Em meados de 2009, o banco de fomento mostrava taxas de expansão de quase 50% de sua carteira, nas medições em 12 meses.
Números da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) apontam que há uma diminuição generalizada no ritmo do crédito neste ano. A variação em 12 meses do saldo das operações, por exemplo, estava em 12,1% em outubro de 2014 e, em outubro deste ano, desacelerou para 8,1%.
Na avaliação de representantes do setor financeiro, não há necessidade de liberar mais recursos aos bancos, pois eles já dispõem de liquidez suficiente.
Sugestões aventadas por políticos e economistas de viés heterodoxo, como uma eventual diminuição no nível dos compulsórios, trariam poucos efeitos, na visão das instituições.
"A concessão de crédito depende de, primeiro, haver recursos. E, segundo, de um ambiente onde há disposição de emprestar", afirma um porta-voz do setor bancário. "Às vezes, há uma disposição grande, mas ausência de funding. Resolvendo isso, você pode dinamizar a economia. Mas, se há um cenário de incerteza muito grande, não adianta liberar recursos", diz.
A interpretação de agências de classificação de risco é que, apesar das pressões econômicas, os bancos continuam dispondo de uma boa carteira de captação de recursos. "O sistema bancário brasileiro tem um mix de captação de recursos adequado com uma base de depósitos de clientes estável e acesso satisfatório aos mercados nacional e internacional de capitais. Além disso, a dependência dos bancos do funding externo é relativamente baixa ", avaliou a Standard & Poor's em relatório recente.
Para os bancos, o cenário de baixo volume de crédito tem duas explicações: baixa procura e aumento da rigidez das instituições devido às incertezas econômicas. Apesar da liquidez, os bancos estão selecionando melhor a carteira para se proteger da crise. Depois de um surto de inadimplência em 2012, os bancos mudaram os padrões de concessão e isso se evidencia agora.
A taxa de calotes sobe, mas a média geral do sistema é de 3,2% a maior desde julho de 2013, mas ainda longe dos patamares de cerca de 7% vistos em 2012.
Uma continuidade da alta da inadimplência por conta do ciclo econômico já está na conta do BC, conforme o chefe-adjunto do Departamento Econômico da instituição, Fernando Rocha, em entrevista recente. Mas ele ponderou que "esse moderado crescimento da inadimplência encontra um sistema financeiro capitalizado e provisionado, sem que traga impactos em termos de solidez e estabilidade do sistema financeiro".
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