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BC está à espera da política fiscal de 2016
30/10/2015 às 12h12
Só quando tiver clareza da trajetória fiscal e da composição do ajuste para 2016 é que o Comitê de Política Monetária (Copom) vai fixar com maior precisão o ponto de chegada da inflação na meta de 4,5% em 2017. No momento, a inflação convergirá para a meta em dezembro daquele ano, mas pretende que seja antes.
Para 2016, a inflação terá que ficar na meta de 4,5% mais a margem de tolerância de dois pontos percentuais para cima ou para baixo. Ou seja, não poderá superar 6,5%, na avaliação de fontes oficiais.
Para a política monetária será pior o governo elevar a Cide sobre a gasolina do que se conseguir aprovar a CPMF. O impacto sobre a inflação seria menor com o imposto sobre o cheque. A expectativa é que o reajuste dos preços administrados fique no limite de 5,8%, conforme a ata divulgada ontem. Se for maior, o melhor é que seja um processo suavizado de preços, e não o choque que ocorreu este ano, quando só a tarifa de energia subiu 50%.
Ontem o Copom divulgou a ata da última reunião, que manteve a taxa Selic em 14,25%, e o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, teve um encontro com parlamentares da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara.
O país passa por três processos de ajustes, disse ele aos deputados: o externo, já mais avançado, o monetário para levar a inflação para a meta de 4,5% e o fiscal, para recuperar o abalo nas finanças públicas em 2014. Esse último tem se mostrado o mais difícil e, sem ele, fica mais complicado para o BC definir como vai administrar a taxa básica (Selic).
Os juros de 14,25% ao ano devem permanecer nesse patamar por um bom tempo, mas ninguém é capaz de garantir que o Copom não elevará a Selic daqui para o próximo ano.
O que é dito e repetido pela autoridade monetária é que o comitê não abdicará da prerrogativa de combater a inflação. Teve, porém, que desistir de cumprir a meta de 4,5% para o IPCA em 2016 depois das decisões de julho, quando o governo reviu o superávit primário de 1,1% do PIB para 0,5% do PIB, enviou um orçamento deficitário para o Congresso Nacional e a agência de rating Standard & Poor's tirou o grau de investimento da dívida soberana do país.
Apesar disso, nem tudo está perdido na questão fiscal, avaliam economistas do governo. Embora a dívida bruta este ano esteja 6,4 pontos percentuais acima de 2014 e atinja 65,3% do PIB, segundo dados de agosto, a dívida líquida restrita (a bruta abatida apenas das reservas cambiais) teve crescimento mais moderado, de 0,8 ponto percentual, para 41,7% do PIB.
Isso explicaria por que os investidores estrangeiros não estão buscando a porta de saída do país. Apesar de não acreditarem no indicador da dívida líquida mais amplo, eles confiam no conceito restrito, alegam fontes.
O fato, porém, é que o impacto das dissonâncias fiscais do governo resultou em um alto preço em taxa de juros. Um dia após a reunião do Copom que elevou a Selic para 14,25%, em julho, a curva de juros de médio e longo prazo era de 13%. No dia 23 de setembro, assimiladas as frustrações com o empenho no ajuste fiscal, a curva mostrava 17% de juros no médio e longo prazos (de dois a sete anos). "Isso só por conta do fiscal", lamentou uma fonte do governo. É certo que houve um pequeno recuo, mas ainda assim foi uma pancada.
Começou lá, também, a desancoragem das expectativas de inflação. Dados da pesquisa Focus mostram que em janeiro o mercado projetava 6,56% para o IPCA deste ano. Hoje estima 9,85%. A expectativa para 2016, que já estava em 5,4% na segunda quinzena de julho, é de 6,22%. E para 2017, que se encontrava praticamente na meta, com 4,6%, já subiu para 5%. Todo um esforço de aperto monetário foi jogado no lixo por decisões que representaram um afrouxamento fiscal.
O ajuste das contas externas é o que mais avançou. De meados de 2011 para cá, a desvalorização da taxa de cambio real efetiva é de 80,4%. O fim do ciclo das commodities em meados daquele ano produziu uma queda de 24,8% nos termos de troca. A desvalorização cambial reduziu em 34% o custo unitário do trabalho. Se por um lado isso significa o empobrecimento do país, por outro torna a economia mais competitiva frente os demais concorrentes no mercado externo, especialmente os chineses.
O ajuste externo se manifesta nas contas do balanço de pagamentos, cujo déficit em transações correntes caiu de US$ 104 bilhões em 2014 para US$ 65 bilhões este ano e há projeções que indicam que o país terá superávit na conta corrente em dois anos. É pela demanda externa que o governo espera reanimar a economia.
Aos parlamentares com quem esteve ontem, Tombini explicou que, a despeito de toda a frustração com a economia brasileira, não há fuga de capitais porque o regime é de câmbio flutuante e o BC vem, nas operações de "swap", fornecendo proteção cambial. Expôs, também, o balanço das operações cambiais, indicando que, se perde em "swaps", o país ganha na valorização das reservas cambiais.
Segundo fontes oficiais, o Banco Central poderá fazer leilão de linhas em dólares no fim do ano, tal como fez nos últimos anos. Tem havido um comportamento padrão dos investidores que retiram recursos do país no último trimestre e retornam no primeiro trimestre do ano seguinte, provavelmente para fechar seus balanços menos expostos a mercados emergentes.
Pelo menos metade dos R$ 25 bilhões de depósitos compulsórios liberados em maio para os bancos expandirem o crédito está nos próprios bancos. Se o sistema financeiro não está com disposição de emprestar, os seus clientes também não estão com vontade de tomar crédito para consumir ou investir.
Por essa razão, a proposta de Lula, de expandir o crédito de consumo para dinamizar a economia, não se sustenta.
Claudia Safatle é diretora adjunta de Redação e escreve às sextas-feiras
E-mail: claudia.safatle@valor.com.br
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