Banco topa um pouco mais de risco no crédito imobiliário
07/10/2013 às 00h00
Por Felipe Marques | De São Paulo
Lazari, da Abecip: regra do CMN diminui chance de deterioração do crédito
Desde agosto, o financiamento à aquisição da casa própria tornou-se a maior carteira de crédito à pessoa física e superou os empréstimos às famílias no sistema financeiro. A modalidade, hoje menina dos olhos dos bancos brasileiros, cresce mais do que a média do crédito total. Dados recentes divulgados pelo Banco Central mostram, porém, que as operações do segmento imobiliário têm mostrado, na média, um perfil mais arriscado, com prazos mais longos e menor exigência de entradas.
São três sinais que pedem um acompanhamento mais cuidadoso. O primeiro é uma queda no valor dado de entrada para o financiamento, o que provoca um aumento da fatia do valor do imóvel que é financiada. Essa proporção é apontada pelos bancos como uma das medidas mais importantes do risco de crédito do setor. Em segundo lugar, a inadimplência dos novos empréstimos teve leve piora e, por último, os prazos têm ficado cada vez mais longos.
Essa combinação ocorre em um cenário que o crédito imobiliário puxa o avanço das demais linhas. O estoque de financiamentos habitacionais aumentou 35,1% no acumulado dos 12 meses encerrado em agosto, registrando R$ 315 bilhões. Cresce largamente à frente da média do crédito às famílias como um todo, que avançou a um ritmo de 16,3%. Há de se notar, contudo, que o imobiliário já avançou mais, chegando a crescer mais de 50% ao ano em 2010, quando as instituições privadas começaram a demonstrar algum apetite pela modalidade.
Segundo o BC, no semestre encerrado em junho, a proporção do valor do imóvel que é financiada (LTV, na sigla em inglês) subiu de 68% em dezembro de 2012 para 71% em junho de 2013. Os números incluem os imóveis financiados tanto com recursos da poupança como do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) - caso do programa habitacional do governo, Minha Casa, Minha Vida, em que o subsídio do governo faz as vezes de uma entrada.
A própria autoridade monetária tomou uma medida importante para limitar o potencial de risco desses portfólios. Na mesma regra em que elevou de R$ 500 mil para R$ 750 mil o teto do valor de imóvel que pode ser financiado pelos bancos usando recursos da poupança, o Conselho Monetário Nacional (CMN) fixou uma exigência mínima de entrada para operações de crédito imobiliário. A resolução prevê que o empréstimo concedido e as despesas acessórias a ele não ultrapassem 80% do valor do imóvel, podendo chegar a 90% quando o contrato é regido pelo Sistema de Amortização Constante (SAC).
Bruno Gama, diretor-geral da CrediPronto, joint-venture do Itaú Unibanco e da imobiliária Lopes, calcula ser necessário pelo menos 20% de entrada no financiamento imobiliário. "A média de LTV do mercado em 70% é algo que vemos como razoável", afirma. "Temos estudos que mostram que 80% já é um nível mais perigoso, em que a volatilidade da inadimplência fica maior", diz, explicando que o tomador nesse caso é mais vulnerável a variações da economia e de seu endividamento pessoal.
"Ao colocar o limite na resolução, o regulador mata no ninho qualquer possibilidade de acontecer no Brasil o que aconteceu em outros países, em que o LTV saiu de controle", afirma o presidente da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), Octávio de Lazari Junior. "O comprometimento de capital próprio do tomador é um fator importante para manter a carteira de crédito saudável", diz. Segundo Lazari, que também é diretor no Bradesco, considerando apenas o crédito imobiliário com recursos da poupança, o LTV do mercado foi de 62% para 65% em um período de três anos.
A cota financiada do imóvel é uma das métricas determinantes para a probabilidade de inadimplência, afirma o diretor executivo de habitação da Caixa Econômica Federal, Teotonio Rezende. No banco público, em dezembro de 2008, essa relação era de 68% para empréstimos com recursos do FGTS e 61% no universo da poupança. Em agosto deste ano, havia subido para 74% e 71%, respectivamente. O executivo, porém, enxerga um limite informal para esse percentual entre 75% e 80%, independentemente da fonte do recurso.
O prazo médio também foi esticado e cravou 27,1 anos em agosto. No mesmo mês do ano passado, estava em 25,7 anos. Desde 2012, alguns dos grandes bancos da modalidade, como a Caixa Econômica Federal, passaram a aceitar operações em até 35 anos, ante os 30 anos feitos anteriormente. Embora o cliente costume quitar o crédito antes do prazo cheio do financiamento (em média em até dez anos, segundo executivos do mercado) esse aumento de prazo diminui a parcela mensal e habilita mais tomadores à modalidade.
"Nos nossos modelos de crédito, há uma baixa correlação entre aumento de prazos e inadimplência dos contratos de crédito imobiliário", afirma Rezende. Na experiência do banco oficial, os atrasos no crédito imobiliário se concentram nos primeiros três anos do contrato.
Lazari, da Abecip, afirma que o uso da tabela SAC no crédito imobiliário, que faz com que a prestação comece mais alta, mas vá caindo ao longo do contrato, atenua o risco do alongamento de prazos. "O salário, em geral, sobe enquanto a prestação cai, o que favorece a quitação antecipada", afirma o executivo.
A inadimplência é um terceiro fator que demanda atenção. Por enquanto, o indicador de créditos habitacionais com atraso superior a 90 dias no total do estoque fica em 2%, e tem se mantido estável. Só que olhando apenas os empréstimos concedidos mais recentemente, o calote teve leve aumento. Dados do BC mostram que dos empréstimos habitacionais concedidos em julho de 2012, 0,9% ficaram inadimplentes seis meses depois. É pouco, sem dúvida, mas cresceu na comparação com o crédito concedido em junho, em que a proporção dos inadimplentes seis meses depois era de 0,5%.
Nos empréstimos mais recentes concedidos no âmbito da poupança, Lazari afirma que os atrasos têm se mantido estáveis na média histórica de 1,4%. O que pode explicar o leve avanço na inadimplência são as operações do Minha Casa, Minha Vida, embora a Caixa já trabalhe para diminuí-la. (ver texto abaixo)
Embora os bancos afirmem categoricamente que têm originado carteiras de qualidade no crédito imobiliário, ainda há espaço para dúvidas. É o que afirma Ceres Lisboa, analista sênior para bancos brasileiros da agência Moody's, que questiona a falta de dados para uma avaliação mais precisa dos financiamentos imobiliários que têm sido concedidos em períodos recentes.
"Não é possível saber ao certo se as pessoas estão trocando outras dívidas pelo crédito imobiliário ou se elas estão o empilhando junto com outros compromissos", afirma. A analista pondera que a carteira de crédito imobiliário é pequena, o que mitiga os efeitos negativos que ela pode trazer ao sistema. |