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Ajuste fiscal pode ser vítima do escândalo

26/11/2015 às 10h27


O cenário político ficou ainda mais nebuloso com a prisão do senador Delcídio do Amaral (PTMS), líder do governo no Senado, e a divulgação da conversa que ele teve com o filho do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, cujo teor é explosivo.


É cedo para avaliar os desdobramentos do caso, mas certamente o escândalo é de proporção gigantesca e criará dificuldades adicionais para o governo aprovar as medidas do ajuste fiscal e o próprio Orçamento de 2016, com a meta de superávit primário de 0,7% do Produto Interno Bruto (PIB). Não há dúvida de que a primeira vítima pode ser o ajuste.


O caso aconteceu no momento em que havia sinais de que o governo tinha conseguido recompor minimamente a sua base de sustentação política, mantendo a duras penas os vetos da presidente Dilma Rousseff à chamada "pauta bomba".


Mesmo essa recomposição era precária e não garantia a aprovação de todas as medidas do ajuste fiscal, principalmente a proposta de emenda constitucional que recria a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), considerada indispensável para garantir a meta fiscal.


Antes de mais nada, é preciso dizer que a meta de superávit de 0,7% do PIB para 2016 não é uma unanimidade dentro do governo e muito menos na base aliada.


No início deste mês, o relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), deputado Ricardo Teobaldo (PTBPE), propôs, em seu parecer, que o superávit primário pudesse ter um abatimento de até R$ 30 bilhões, por conta dos investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).


A proposta de abatimento da meta foi discutida pela Junta Orçamentária do governo e apenas o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, foi contrário. A presidente Dilma aceitou o desconto da meta e pediu ao ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, que comunicasse a decisão à presidente da Comissão Mista de Orçamento do Congresso, senadora Rose de Freitas (PMDBES).


Mesmo depois que isso aconteceu, Levy realizou gestões junto a parlamentares para mostrar a gravidade da decisão de reduzir a meta e que isso poderia contribuir para novos rebaixamentos da nota de crédito do Brasil por parte das agências internacionais de risco. Para Levy, é essencial que o Brasil garanta um superávit primário em 2016. Manter a metas indicará o compromisso do país em colocar as suas contas em ordem e fazer um superávit mínimo para manter sob controle a dívida pública.


Convencido de que o abatimento da meta seria um incentivo para que o Congresso não aprove as medidas do ajuste propostas pelo governo, uma espécie de autorização para o gasto, Levy foi à luta e venceu. A proposta do deputado Teobaldo foi derrotada na Comissão Mista de Orçamento. O problema é que o projeto da LDO para 2016, com a meta cheia, ainda não foi aprovado pelo plenário do Congresso e não há garantia, principalmente depois do agravamento da crise política, que o seja.


A obtenção da meta de superávit primário em 2016 esbarra também na decisão da presidente Dilma de preservar alguns gastos, que considera essenciais para o seu governo, como, por exemplo, os subsídios pagos no âmbito do programa Minha Casa, Minha Vida. O programa terá, inclusive, uma terceira etapa.


Delcídio era um dos principais articuladores a favor do ajuste fiscal. Ele liderava a pauta no Senado, que tinha, entre outros temas, a recriação da CPMF, a prorrogação do mecanismo de Desvinculação das Receitas da União (DRU) e o projeto de regularização de recursos enviados de forma ilegal ao exterior por brasileiros.


Ele defendeu a política do ministro Levy, quando ela estava sendo atacada por membros do governo e do PT. Mas, nas últimas semanas, de acordo com fontes do PT, Delcídio colocou-se ao lado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em defesa de um novo nome para ocupar o Ministério da Fazenda.


A prisão de Delcídio, confirmada em votação pelos senadores, deverá paralisar os trabalhos do Senado por algum tempo. O primeiro desafio da presidente Dilma será escolher outro líder do governo no Senado, que trabalhe pela volta à normalidade dos trabalhos na Casa e pela retomada da pauta do ajuste. Não será fácil, principalmente porque a conversa gravada pelo filho de Cerveró envolve outros senadores.


A Câmara está em uma situação ainda mais conflagrada, pois a oposição se nega a votar qualquer matéria enquanto o deputado Eduardo Cunha estiver na presidência da Casa. Abre exceção apenas para assuntos que julgar importantes para o país.


O cenário é ainda mais desafiador porque está claro para quem acompanha as contas públicas que a meta fiscal cheia no próximo ano só será alcançada se o governo adotar medidas mais duras e, por isso mesmo, politicamente mais difíceis de serem aprovadas. Apenas a recriação da CPMF não garantirá o superávit primário nos próximos anos. Técnicos do Legislativo apresentaram algumas alternativas ao ministro Levy, segundo ele mesmo informou ao Valor.


Entre elas está o adiamento do reajuste do salário mínimo e dos salários dos servidores. O aumento do mínimo passaria de janeiro para maio e o reajuste dos servidores, que já foi adiado para agosto, passaria para dezembro. A simples divulgação dessa proposta provocou imediata reação contrária de importantes líderes políticos, mostrando que, no momento, não há uma consciência dos políticos sobre a real situação fiscal em que está mergulhado o país.


O Brasil está em situação semelhante à da Grécia, que vive crise fiscal muito séria. O Brasil não consegue fazer superávit primário. É muito provável que o setor público brasileiro registre o terceiro déficit primário seguido em 2016.


Essa é uma realidade que todos os investidores estão observando e isso poderá levar o país a uma situação crítica, pois não é possível manter controle sobre a dívida pública realizando continuados déficits primários.



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