Clipping
Risco fiscal detona novo dia de tensão nos mercados
Fonte: Valor Econômico - 21/08/2020 às 12h08
As incertezas relacionadas com o futuro das contas públicas no Brasil voltaram a chacoalhar os mercados locais ontem. Logo pela manhã, o dólar disparou e o Ibovespa sofreu dura queda em um movimento claro de aversão ao risco após o Senado derrubar o veto presidencial ao reajuste salarial de servidores públicos. Uma possível reversão da medida, que poderia custar cerca de R$ 120 bilhões aos cofres públicos, caberia apenas à Câmara dos Deputados - em uma sessão que se estendeu depois do fechamento. Com isso, a tensão estava instaurada entre os investidores.
Em uma evidência do nervosismo, o Banco Central teve de intervir duas vezes com venda de moedas no mercado à vista para conter a busca por segurança. Esta foi a primeira vez que a autoridade monetária entrou no mercado à vista desde 30 de junho. Até então, vinha reagindo ao estresse do mercado com pequenos leilões de swap cambial.
O que garantiu algum respiro para os ativos, entretanto, foi a atuação do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que se comprometeu em trabalhar pela manutenção do veto. Até o fim do pregão, os deputados ainda não tinham iniciado a votação, mas um certo clima de otimismo cauteloso começava a aparecer nos ativos.
No mercado de moedas, o dólar comercial foi devolvendo a alta ao longo da tarde e terminou perto das mínimas do dia depois de tocar a marca de R$ 5,6730 (mais 2,61%) no fim da manhã. No encerramento do pregão, a moeda americana era negociada em alta de 0,43%, a R$ 5,5522.
Além da atuação de Maia e do Banco Central no câmbio, houve também alguma ajuda do exterior, onde o clima negativo para a tomada de risco foi diminuindo ao longo do dia. Assim, o Ibovespa fechou em alta de 0,61%, aos 101.468 pontos. Entre as mínimas e as máximas, o índice foi dos 99.131 pontos (-1,71%) aos 101.749 (0,89%), dando dimensão da volatilidade do dia. O giro financeiro total foi de R$ 22 bilhões, um pouco acima da média dos pregões deste ano, que é de R$ 20,6 bilhões.
A votação na Câmara sobre o veto ao reajuste dos servidores públicos teve início apenas depois do fechamento dos mercados. Com 316 votos a favor e 165 contra, os deputados mantiveram o veto. Independentemente do placar, o clima deve continuar tenso nas próximas semanas, à espera da discussão do Orçamento e, em paralelo, da tentativa de unificar as PECs dos gatilhos do teto de gastos. “A situação é bem desconfortável, não há motivos para o mercado apostar que tudo dará certo”, alerta o economista Silvio Campos Neto, da Tendências.
Para o analista, só com um Orçamento comprometido com o teto em 2021 e a percepção de viabilidade de medidas para isso que o mercado, finalmente, conseguirá ter mais alívio. “Por ora nós mantemos o cenário de sobrevivência do teto, mas os riscos à alguma flexibilização existem”, acrescenta.
A discussão sobre uma prorrogação dos estímulos fiscais e a percepção de gastos públicos adicionais elevam a preocupação quanto à sustentabilidade das contas públicas, em um momento de paralisação da agenda de reformas. É o que afirma Alberto Ramos, diretor de pesquisa econômica para América Latina do Goldman Sachs. “Vejo as questões recentes com preocupação. O Congresso não tem inclinação fiscalista, muito pelo contrário, e as reformas deveriam avançar um pouco mais rápido.”
Ramos nota que o Brasil está atrasado nesse processo e diz que seria importante uma sinalização ao mercado quanto ao andamento da agenda de reformas estruturais, passados os efeitos mais adversos gerados pela pandemia. “Vejo com preocupação o não andamento das reformas e o risco ao teto de gastos. Essa é uma responsabilidade compartilhada entre Executivo e Legislativo. É preciso reduzir o prêmio fiscal de médio e de longo prazo”, afirma.
Ontem, no mercado de juros, as taxas dos contratos de Depósito Interfinanceiro (DI) de longo prazo - mais sensíveis a questões estruturais - tiveram forte alta no começo do dia que foi sendo devolvida ao longo da sessão. A taxa do DI para janeiro de 2027, por exemplo, saiu de 6,92% para 6,79%, depois de tocar 7,20% na máxima do pregão.
Para os analistas do ASA Investments, é fundamental que se retome a agenda de contenção do gasto obrigatório, garantindo a manutenção do teto de gastos e a sustentabilidade fiscal. Caso contrário, o país tende a viver “sob pena de repetirmos os erros que geraram a crise passada, acarretando o aperto das condições financeiras, o que impedirá a recuperação da economia e redução do desemprego”.