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Por emendas parlamentares, contabilidade criativa volta com força ao Orçamento
Em nome de arranjar espaço para mais emendas parlamentares, a contabilidade criativa voltou com força na votação do Orçamento deste ano. O Estadão/Broadcast identificou até agora pelo menos cinco ações adotadas na proposta de Orçamento que apresentam indícios de manobras artificiais para fugir das restrições do teto de gastos, a regra que limita o avanço das despesas à inflação. O objetivo dos parlamentares é garantir um total de R$ 46 bilhões para obras e outros gastos de seu interesse.
A primeira manobra prevê a mudança na forma de pagamento do auxílio-doença. Hoje, o benefício é pago pelo INSS, mas o relator do Orçamento, senador Marcio Bittar (MDB-AC), desenterrou uma proposta de repassar a responsabilidade às empresas, que recuperariam o valor abatendo sobre os tributos devidos. A medida abriria um espaço de ao menos R$ 4 bilhões no teto, mas o valor pode chegar a R$ 5 bilhões.
A proposta é apontada por técnicos experientes da área orçamentária como uma “pedalada” para burlar o teto, já que o Orçamento foi enviado com as despesas no limite, sem espaço para os congressistas remanejarem recursos para as ações que gostariam de apadrinhar.
Para evitar a pedalada, a recomendação técnica é que a mudança no pagamento do auxílio-doença seja acompanhada por um ajuste retroativo no próprio teto de gastos, para consertar a “quebra da cadeia”. Na prática, isso implicaria retirar os gastos com o benefício do valor que serviu de base para o cálculo do teto em 2016, quando a emenda constitucional que criou o limite foi aprovada. A despesa ficaria menor, e o teto também. Um movimento semelhante foi feito com o Fies, o programa de financiamento para alunos do ensino superior.
O atropelo na votação do projeto, aprovado na Comissão Mista de Orçamento (CMO) sem tempo para aprofundar o debate, fez com que os parlamentares aprovassem uma proposta de elevação das emendas com base em uma mudança ainda não aprovada no mecanismo do auxílio-doença. Na prática, o espaço para essas despesas não existe até o momento. Polêmica, a alteração já foi tentada no passado pelo Congresso, mas tem oposição do grupo mais fiscalista do Ministério da Economia.
Bittar também melhorou o resultado da Previdência com base em ações ainda não aprovadas e cálculos desconhecidos. Ele cancelou R$ 13 bilhões em despesas que são obrigatórias. Desse valor, R$ 5 bilhões seriam pagamentos de benefícios do INSS que, segundo ele, serão revertidos a partir de uma Medida Provisória com ações antifraude – que sequer foi editada e, portanto, não está em vigência.
A terceira manobra é o corte de despesas com o pagamento de subsídios do Pronaf, voltado à agricultura familiar. Após a condenação das “pedaladas fiscais” no governo Dilma Rousseff, o entendimento conjunto firmado com Tribunal de Contas da União (TCU) e Controladoria-Geral da União é o de que é preciso ter orçamento integral para pagar as despesas de subsídios na hora de aprovação da operação de crédito. Mesmo que o dinheiro destinado ao subsídio sobre ao final do ano, a aprovação do crédito depende da existência do orçamento para todo o ano, inclusive para bancar as despesas que ficam para períodos seguintes (os chamados restos a pagar). Por isso, o corte é visto com preocupação.
Outra manobra é a decisão do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat) de adiar o calendário do abono salarial, benefício pago a trabalhadores com carteira que ganham até dois salários mínimos. A medida liberou R$ 7,4 bilhões dentro do Orçamento de 2021, valores que foram totalmente abocanhados pelos parlamentares na distribuição das emendas.
A mudança no abono foi feita por recomendação da CGU, que viu problemas na forma de empenho da despesa (metade em um ano, metade em outro), dado que o calendário de pagamentos vai de julho a junho. A CGU orientou o governo a empenhar tudo no ano do reconhecimento do direito do trabalhador, o que obrigaria a equipe econômica a destinar agora R$ 20 bilhões à próxima rodada do benefício – R$ 12,7 bilhões a mais que o previsto.
Sem espaço no teto, o governo convocou reunião de emergência do Codefat e aprovou o adiamento. Técnicos de dentro e de fora do governo, porém, viram a manobra como a “pedalada clássica”: a postergação de uma despesa para trazer um alívio momentâneo, resultando em uma maquiagem das contas.
Há a preocupação inclusive com o custo desse adiamento. No calendário anterior, o governo pagaria a metade dos beneficiários o salário mínimo atual (R$ 1.100), e a outra metade receberia o valor previsto para 2022 (R$ 1.147). Como agora todos receberão no ano que vem, o governo gastará R$ 47 a mais com cerca de 11,5 milhões de trabalhadores.
Por último, a revisão para baixo nos gastos com seguro-desemprego (R$ 2,6 bilhões) é vista com grande desconfiança, sobretudo em um quadro de agravamento da pandemia de covid-19 e de piora da atividade econômica. A avaliação de técnicos é que a previsão desses gastos foi subestimada com base em informações do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), que teve metodologia alterada e tem sido alvo de críticas que apontam subnotificação de demissões pelas empresas.