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Piora da pandemia dá início a onda de revisões para o PIB
O recrudescimento da pandemia, a possibilidade de restrições mais abrangentes à movimentação de pessoas e a retirada do auxílio emergencial podem prejudicar o crescimento da atividade neste ano, segundo economistas. O aumento das incertezas fez com que se iniciasse um movimento de revisão das estimativas mais positivas para o Produto Interno Bruto (PIB), enquanto casas que já esperavam um crescimento mais baixo mantiveram suas expectativas mais conservadoras.
Um bom número de analistas ainda espera crescimento entre 3,5% e 4% em 2021. No último relatório Focus, do Banco Central, a mediana das estimativas de cerca de 70 casas chegou até a subir, de 3,41% para 3,45%. Mas há espaço para revisões baixistas.
Com uma visão mais pessimista que o consenso de mercado para 2021 já há algum tempo, o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, diz que muitas instituições com números entre 4% e 5% já estão revendo as suas projeções, que tendem a ficar na faixa de 2% a 3% para o crescimento deste ano.
“Já tínhamos preocupações com o processo muito lento da vacina e com a pandemia, que já dava sinais de volta, e a situação política sempre trouxe sinais de estresse que não tendiam a acalmar. É um cenário ruim, principalmente para investimentos”, comenta Vale, que projeta expansão de 2,6% para o ano.
Essa estimativa embute uma leve retração da atividade no primeiro trimestre, mas é possível que o PIB recue também no segundo trimestre, aponta Vale, o que traria a economia brasileira de volta a um ciclo recessivo. Para ele, a única forma de evitar que isso ocorra é acelerar o cronograma de imunização — algo que considera pouco provável.
A consultoria Oxford Economics diz que dados de alta frequência mostram forte queda da atividade em dezembro e uma provável contração em janeiro, por causa da retirada do auxílio emergencial. A renda das famílias deve cair 17% no primeiro trimestre deste ano ante o pico registrado no terceiro trimestre do ano passado. Com isso, o PIB deve recuar 0,8% de janeiro a março na comparação com o quarto trimestre do ano passado.
José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, que defende a continuidade de algum tipo de auxílio, diz que os parlamentares têm dado sinais na direção de continuidade do programa. E mesmo o Executivo deve apoiar a medida. “Acho muito difícil o governo apostar na extinção do auxílio”, afirma. Principalmente porque atividade e emprego vão estar piores do que se imaginava, acrescenta. O Fator estima crescimento de 2,5% no PIB em 2021. A forma como a prorrogação será feita preocupa, diz Gonçalves, que aponta ser necessária uma “mudança ordenada” na questão, mas não vê isso acontecendo por falta de aptidão do governo.
Para Gonçalves, com ou sem auxílio, os preços da economia, como o dólar, serão pressionados, seja pelo ambiente político, seja por medidas populistas. “Minhas projeções nunca ficaram abaixo de R$ 5,50”, diz. A despeito disso, ele acredita que a inflação pode ir a 3%, por causa da fraqueza da atividade.
Silvio Campos Neto, economista sênior da Tendências Consultoria, que estima crescimento de 2,9%, diz que se restrições como o “lockdown” parcial em São Paulo forem abrangentes e duradouras, uma revisão desse número pode ser necessária. Quanto ao auxílio, ele acredita que alguma extensão vai ser adotada, até para fazer frente ao impacto do da pandememia na retomada do emprego e da renda.
O problema é de onde tirar os recursos sem romper o teto de gastos. “Nesse quadro, os ativos brasileiros devem permanecer pressionados e voláteis, em especial o câmbio. Não se pode descartar novos picos no curto prazo, ainda que para os próximos meses a expectativa seja de um real mais valorizado, num cenário de preservação das regras fiscais”.
Economista-chefe do banco Alfa, Luis Otávio de Souza Leal afirma esperar os resultados fechados dos índices de confiança deste mês para rever seu cenário econômico, que conta com alta de 0,5% para o PIB de janeiro a março. “Se você perguntar para qualquer economista sobre a visão que tinha para o crescimento do primeiro trimestre há um mês e essa visão agora, sem dúvida nenhuma o viés é de baixa."
Segundo Leal, a tendência é que a economia fique praticamente estagnada no primeiro trimestre. Isso reduziria a projeção do banco para o crescimento na média do ano, de 4,2%, para algo como 3,5%. Para o economista-chefe do Alfa, a perda de ritmo da atividade no começo do ano já está dada. Nem a aceleração no cronograma de vacinação estancaria o processo.
É difícil argumentar contra a volta do auxílio emergencial, tendo em vista o enorme impacto social que a doença está causando, mas o “coronavoucher” não cabe dentro do teto de gastos, afirma Leal. Por isso, uma solução seria aprovar a PEC Emergencial, que dispara os gatilhos do teto. “O problema é o ‘timing’ disso tudo. Mas dar auxílio estourando o teto vai piorar as condições financeiras".
Mais otimista, o economista-chefe do Banco BV, Roberto Padovani, mantém a expectativa de crescimento de 4% no PIB deste ano. O crescimento mundial e o aumento dos preços das commodities, no lado externo, e a taxa de juro real negativa, no interno, devem ajudar na expansão da atividade. O carregamento estatístico de 3% em 2020 deve fazer parte do trabalho.
Padovani parte da hipótese de que o teto de gastos será respeitado e que uma eventual prorrogação do auxílio seria feita por meio da realocação de despesas dentro do Orçamento. Ele diz que a atividade pode responder mais rapidamente no segundo semestre se a vacinação engrenar. “O setor de serviços voltaria mais rápido”.