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Perda de renda faz varejo ter o pior dezembro desde 2000

Fonte: Valor Econômico - 11/02/2021 às 03h02

A perda de renda disponível, fruto da redução do auxílio emergencial e do aumento da inflação no fim do ano, pesou sobre o consumo das famílias e provocou queda de 6,1% nas vendas do varejo em dezembro, na comparação com novembro, o pior resultado para o mês desde 2000, quando o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) iniciou a Pesquisa Mensal do Comércio (PMC). Esse recuo muito maior que o esperado por economistas levantou ainda mais dúvidas sobre o ritmo do consumo no início de 2021, com o fim das transferências de renda do governo.
 
Outro fator por trás desse desempenho pífio foi o agravamento da pandemia, que pode ter mantido os consumidores mais retraídos no período. No chamado varejo ampliado, que inclui veículos e material de construção, a queda no mês foi de 3,7%. Em dezembro, todas as dez atividades do varejo pesquisadas pelo IBGE ficaram no campo negativo.
 
Em 2020, o varejo restrito fechou com crescimento de 1,2%, menor taxa desde 2016, mas o ampliado recuou 1,5%, por causa da forte contração das vendas de veículos, motos e peças (-13,7%).
 
O gerente da PMC no IBGE, Cristiano Santos, afirma que, com a perda de dezembro, o varejo restrito praticamente zerou os ganhos dos meses anteriores, que compensavam a retração do período mais intenso da pandemia.
 
As vendas em hipermercados e supermercados, que vinham puxando a recuperação do comércio, caíram 0,3% em dezembro, frente a novembro. Apesar da variação pequena, o setor tem peso de 44% na pesquisa e grande influência no resultado final.
 
A pandemia provocou forte oscilação no desempenho do comércio em 2020. As vendas do restrito despencaram em março (2,3%) e abril (17,2%), na série com ajuste sazonal, e se recuperaram depois, chegando a atingir patamares superiores ao período pré-pandemia. Para Santos, essa base de comparação elevada também contribuiu para a queda do varejo em dezembro.
 
A pandemia mudou o padrão de desempenho do comércio, observa o técnico. “Os resultados da pesquisa costumam ter variações menores.”
 
Para a economista Lisandra Barbero, da XP Investimentos, a aproximação do fim do auxílio emergencial, foi o grande fator por trás da queda do comércio em dezembro. “Com receio do fim, o consumidor reduziu as compras. E o recrudescimento da pandemia afetou a confiança das pessoas para sair de casa e consumir”, afirma a economista, que também aponta a antecipação da compra de bens duráveis e semiduráveis, que reduziu o movimento típico de fim de ano.
 
De acordo com o índice de “momentum” da XP, o número de segmentos do varejo crescendo a um ritmo significativo caiu de 69,5% em novembro para 53,2% em dezembro. Vestuário, material de escritório e artigos de uso pessoal e doméstico foram as principais surpresas negativas no mês, na avaliação da XP.
 
O esgotamento dos programas federais, como o auxílio e o programa de sustentação do emprego, num contexto de aumento da inflação, em especial de alimentos, também é a hipótese levantada por Lucas Rocca, economista da LCA Consultores, que ainda acrescenta ao rol de motivos da queda do varejo uma possível mudança no mix de consumo da população, com mais servios e menos bens.
 
A despeito do recrudescimento da pandemia em dezembro, argumenta, os indicadores de mobilidade não apontaram queda na circulação de pessoas, o que levaria a crer num avanço do consumo de serviços. O que num momento de redução do poder de compra pode ter levado a uma demanda menor por bens, até porque alguns segmentos do varejo continuaram a rodar em seus níveis máximos históricos e um avanço adicional seria improvável, avalia o economista.
 
“Móveis e eletrodomésticos, artigos farmacêuticos, material de construção, outros artigos de uso pessoal e supermercados estão orbitando em torno de suas as máximas históricas, então é natural haver uma acomodação”, diz. Rocca chama atenção para o fato de que apenas 3,5% das empresas pesquisadas pelo IBGE relataram impacto na receita causado pelo isolamento social em dezembro, menor índice da pandemia.
 
Alberto Ramos, diretor do departamento de pesquisa econômica para a América Latina do Goldman Sachs, observa que, para alguns domicílios, a demanda por bens duráveis (móveis, eletrodomésticos, eletrônicos) e semiduráveis pode ter pode ter se esgotado no curto prazo, dado o aumento significativo nas vendas registrado entre maio e agosto, estimulado pelas transferências fiscais e crescimento do crédito. Foi um período em que houve uma demanda por produtos específicos para uso doméstico para facilitar o trabalho em casa, disse.
 
É consenso entre os economistas que o consumo deve ter uma desaceleração adicional nos primeiros três meses, que talvez se estenda até no segundo trimestre, mas com um segundo semestre do ano mais forte à medida que a vacinação contra a covid-19 avançar.
 
Para André Muller, economista-chefe da AZ Quest, a queda surpreendente das vendas levanta ainda mais dúvidas sobre o consumo no início de 2021. “Isso deve levar a algum questionamento sobre o ritmo de consumo ao longo do primeiro trimestre. Esse número não conversa com o conjunto de dados que tínhamos para a demanda em dezembro”, afirma o economista.
 
“Janeiro foi um mês em que caímos na realidade do novo momento da pandemia e há uma chance bastante significativa de queda na comparação com janeiro de 2020”, diz Fabio Bentes, economista sênior da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).
 
“Este começo de ano não aparenta ser um período positivo para o comércio. Teremos desaceleração nesses primeiros meses”, diz Lisandra, da XP, para quem o aumento da poupança por parte das famílias mais ricas e condições de crédito ainda positivas podem ajudar a preencher parcialmente a lacuna deixada pela perda de renda.
 
A expectativa de que haverá uma normalização gradual a partir do segundo trimestre, em especial do setor de serviços, por causa da vacinação contra a covid-19 também opera no lado positivo.
 
Segundo o Itaú, dados diários indicam um aumento das vendas tanto no conceito restrito quanto no ampliado em janeiro. Mas o cenário do banco trabalha com hipótese de quedas em fevereiro e março no setor.

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