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Mercado sinaliza pressão adicional sobre a inflação
O discurso adotado pelo Banco Central de que pretende realizar uma normalização parcial da política monetária e o diagnóstico de que os choques inflacionários atuais são temporários não convenceram o mercado. Pelo contrário, somada aos riscos fiscais e ao cenário global de reflação, a comunicação da autoridade monetária ajudou a dar fôlego adicional à alta das taxas de inflação precificadas pelo mercado, que rondam os 5% em alguns prazos.
Alguns analistas ouvidos pelo Valor, inclusive, acreditam que o movimento está “exagerado”, mas destacam que o nível de prêmio de risco deve continuar elevado ao menos até que uma solução mais ampla para a questão fiscal seja observada pelo mercado. Há ainda quem aponte que o viés é de alta para as taxas embutidas nos títulos públicos diante das revisões para cima das expectativas de inflação.
O próprio BC tem se mostrado bastante atento ao comportamento das expectativas de inflação, coletadas no Boletim Focus, e também à precificação da inflação pelo mercado, a chamada inflação implícita. Grosso modo, as implícitas são obtidas pela diferença entre os juros futuros e as taxas das NTN-Bs, papéis atrelados ao IPCA, cuja demanda tem se mostrado resiliente na comparação com outros títulos públicos. Além disso, embora seja uma medida de mercado e cujas taxas embutem prêmio de risco, a inflação implícita indica a trajetória que o mercado enxerga para o comportamento dos preços.
No início do ano, a NTN-B com vencimento em maio de 2023 indicava uma inflação de 3,71%. Na terça-feira, essa taxa estava em 4,65%. Em prazos mais longos os avanços também têm sido bem expressivos. A inflação projetada nos preços da NTN-B para agosto de 2030 passou de 3,88% no início do ano para 4,95% na terça-feira, de segundo dados da Renascença DTVM.
Com as expectativas de inflação em alta, “o viés hoje é de compra”, avalia Marcos Mollica, gestor do Opportunity Total, ao acreditar, portanto, em aumento adicional da inflação precificada pelo mercado. O profissional aponta que, embora o fundo hoje esteja praticamente zerado no mercado de juros local, a possibilidade de manter uma posição comprada em inflação tem crescido recentemente.
“A expectativa de inflação [de 2021] está ficando perto do topo da meta e a inflação corrente já foi para o topo da banda. É difícil imaginar esse prêmio da implícita diminuindo agora com todos os riscos no radar do lado fiscal e do lado político”, afirma.
Mollica aponta, ainda, que a pandemia continua a ser o principal fator a guiar as perspectivas para a economia brasileira e que, por isso, tem fortes efeitos nos preços dos ativos. Assim, um programa acelerado de imunização em massa poderia diminuir o nível do prêmio de risco. “Tudo está ligado à pandemia. Se acelerarmos a vacinação e virmos um efeito de queda na curva de casos e internações, a pressão por gastos e a tensão na classe política terão alívio”, diz.
O gestor, inclusive, acredita que o atual prêmio embutido tanto no mercado de inflação quanto na curva de juros é “justo”, já que abarca uma enorme quantidade de riscos. Além disso, para ele, o BC depende da política fiscal para definir o tamanho do ciclo de elevação da taxa básica de juros.
Desde a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) de março, a inflação implícita medida pela NTN-B para maio de 2023 subiu 0,12 ponto percentual; a implícita para agosto de 2024 avançou 0,32 ponto; e a inflação medida pela NTN-B para maio de 2025 ganhou 0,33 ponto.
Para a economista Elisa Machado, da ARX Investimentos, há “um certo exagero” na aceleração da inflação nos preços do mercado devido à interpretação de alguns agentes do mercado de que um ajuste parcial da política monetária, como o Copom sinalizou, pode não ser suficiente diante dos elevados riscos fiscais, que têm nublado o cenário econômico brasileiro.
“Embora o mercado enxergue que o discurso do BC não foi tão incisivo por citar um ajuste parcial da política monetária e pelo diagnóstico de que há um choque inflacionário, é preciso observar que o BC está em um processo de mudança de discurso que começou ainda em 2020”, afirma. A economista da ARX faz uma recapitulação da comunicação da autoridade monetária ao lembrar que, na segunda metade do ano passado, o BC ainda adotava um discurso mais inclinado a estímulos e, no fim do ano, o tom passou a ser mais neutro. Na reunião de janeiro houve a retirada da prescrição futura e, em março, o aumento da Selic foi maior do que o esperado.
“O BC está em um processo de endurecimento do discurso e de observação dos dados e das expectativas, da evolução da própria doença para calibrar a comunicação”, avalia Machado. Para ela, inclusive, a indicação do BC de preocupação com as expectativas de inflação mostra que o prêmio contido nas implícitas pode arrefecer.
Para ela, “o mais importante é a questão fiscal”. Ela avalia que, nos níveis de hoje, com o mercado precificando inflação em torno de 5% nos próximos anos, “há um peso muito grande de um cenário de descontrole fiscal que me parece exagerado”. “O cobertor é curto e as questões políticas são relevantes, mas o risco fiscal que está sendo precificado é o de um cenário muito negativo.”
Cabe notar que a curva de juros futuros precifica uma Selic em torno de 9% no fim de 2022. Ontem, inclusive, as taxas futuras tiveram um novo dia de alta diante da renovada desconfiança em torno da trajetória da dívida pública. A taxa do DI para janeiro de 2027 subiu de 8,88% para 8,91% no fechamento e, nas máximas, foi a 8,99%.
O economista-chefe do MUFG Brasil, Carlos Pedroso, aponta que há “uma certa resistência” para uma acomodação da inflação precificada pelo mercado devido aos níveis do câmbio. Se houver uma apreciação da taxa de câmbio, “só aí daria para trabalhar com um cenário em que uma alta das commodities e dos preços administrados seriam suavizados”. O comportamento do câmbio, assim, é chave para o profissional.
Pedroso nota, ainda, a diferença crescente entre os níveis de inflação precificada pelo mercado e as expectativas de inflação dos economistas. “Você olha para as NTN-Bs e a inflação dali está perto do teto, sendo que os economistas no Focus estão vendo um IPCA mais comportado. É um descasamento compatível com o que a curva de juros precifica hoje para uma alta da Selic”, afirma.
Há, nos preços do mercado, possibilidade relevante de uma aceleração do ritmo de alta da taxa básica de juros. No fechamento de ontem, a curva precificava 68% de possibilidade de uma elevação de 1 ponto percentual da Selic na reunião de maio do Copom, mesmo após o presidente do BC, Roberto Campos Neto, ter reforçado o discurso de que o cenário básico contempla um aumento de 0,75 ponto.