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Mercado ignora maior crise militar em quase 45 anos e Bolsa sobe 1,23%
Os índices do mercado financeiro brasileiro não reagiram à maior crise militar desde 1977. Enquanto era anunciada a saída dos três comandantes das Forças Armadas por discordar do presidente da República, indicadores financeiros apontavam nesta terça-feira (30) uma redução de risco no Brasil.
Na manhã desta terça, Edson Leal Pujol (Exército), Ilques Barbosa (Marinha) e Antônio Carlos Bermudez (Aeronáutica) colocaram seus cargos à disposição do general da reserva Walter Braga Netto, novo ministro da Defesa, e reafirmaram que os militares não participarão de nenhuma aventura golpista. A pedido do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), foram demitidos.
O Ibovespa, principal índice da Bolsa brasileira, encerrou o pregão em alta de 1,23%, a 116.849,67 pontos. O dólar caiu 0,15%, a R$ 5,7580. O turismo está a R$ 5,93.
O real foi a moeda emergente que mais se valorizou no pregão desta terça.
Em um sinal de menor aversão a risco, os juros futuros cederam. Juros futuros são taxas de juros esperadas pelo mercado nos próximos meses e anos. São a principal referência para o custo de empréstimos que são liberados atualmente, mas cuja quitação ocorrerá no futuro.
O juro para julho 2026 foi de 8,718% na véspera para 8,53% nesta terça. A taxa para janeiro de 2033 foi de 9,44% para 9,34%.
Segundo André Perfeito, economista-chefe da Necton, a mudança nas Forças Armadas não implica grandes alterações de curto prazo, por isso o mercado não reage à notícia.
"Não dá para dizer que Bolsonaro perdeu sua influência sobre as Forças Armadas, e mesmo que tenha perdido, militar não tem voto no Congresso. O mercado está mais interessado em saber se vão ser aprovadas as reformas ou não, e aparentemente Bolsonaro se aproximou do centrão", disse.
Para analistas, a reforma ministerial promovida pelo presidente na segunda (29), com acenos ao centrão –como ao colocar uma deputada do grupo, Flávia Arruda (PL-DF), para comandar a Secretaria de Governo– aumenta a possibilidade de aprovação de reformas, que reduziriam o déficit fiscal.
“A governabilidade sem sombra de dúvida irá melhorar”, diz Antonio Van Moorsel, sócio da Acqua Investimentos.
"O Mercado está gostando das notícias recentes de troca de ministros e não está mudando preço por conta da mudança do comando dos militares", diz Daniel Miraglia, economista-chefe do Grupo Integral.
A interpretação de analistas é que os ativos de mercado refletiram uma melhora no desemprego e a expectativa de mudanças de Orçamento.
Fevereiro teve abertura líquida (contratações menos desligamentos) de 401,6 mil vagas, acima do registrado em janeiro e do mesmo período do ano passado, segundo dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), divulgados nesta terça. O número veio acima do esperado. A estimativa mediana de economistas consutados pela Bloomberg era de 257,5 mil vagas.
“Eu esperava que [a saída dos três comandantes das Forças Armadas] tivesse um impacto negativo semelhante ao da Petrobras. Talvez mercado esteja com tantas notícias para absorver, que esta teve repercussão menor”, afirma Van Moorsel.
O risco-país medido pelo CDS de cinco anos, por outro lado, sobe 1,9% nesta segunda, próximo ao fechamento do mercado, indo a 231,6 pontos, maior nível desde outubro de 2020.
O CDS funciona como um termômetro informal da confiança dos investidores em relação às economias dos países, especialmente emergentes. Se o indicador sobe, é um sinal de que os investidores temem o futuro financeiro do país; se ele cai, o recado é o inverso.
Entre emergentes de perfil semelhante, o CDS do Brasil é sensivelmente superior aos de México, Colômbia, Chile e Rússia —todos entre 60 pontos-base e 134 pontos-base— e está próximo ao da África do Sul (236 pontos-base) e abaixo do CDS turco (463 pontos-base).
Nesta terça, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), afirmou que o Congresso está aberto a discutir com o governo eventuais correções ao Orçamento de 2021, que foi aprovado priorizando emendas parlamentares.
O Ministério da Economia considera muito difícil Bolsonaro sancionar o Orçamento com o formato aprovado pelo Congresso, sob risco de o governo cometer crime de responsabilidade ao assinar o texto.
"O cenário político está no momento mais delicado deste governo. Mais danças de cadeiras nos ministérios podem acontecer se não conseguirem abrigar todas as emendas e atender os interesses políticos do centrão", diz Camila Abdelmalack, economista-chefe da Veedha.
Ela também aponta as declarações do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, nesta terça como positivas para os ativos.
Em evento, ele reiterou que o Copom (Comitê de Política Monetária do BC) elevou a taxa básica de juros (Selic) em ritmo mais rápido que o esperado pelo mercado por entender que, com o movimento transitório de inflação em alta, dessa forma poderia entregar um orçamento menor de juros. Contudo, ele alertou que um fiscal descontrolado reduz a eficiência da política monetária.
Campos Neto comentou que, em conversas com outros banqueiros centrais nos últimos meses, percebeu leniência com a inflação, que antes do "reflation trade" parecia um problema distante. O chefe do BC disse que o Brasil, à sua maneira, importou o conceito de que a inflação estava "morta", mesmo num período de fiscal doméstico ainda preocupante.
O "reflation trade" é um fenômeno que ocorre quando investidores adotam estratégias voltadas a ativos que tendem a se valorizar em tempos de maior inflação na esteira de recuperação de crises.
"No caso do Brasil, com a nossa história, memória inflacionária recente, nós deveríamos mostrar um cuidado especial. O BC está muito atento à inflação, sempre com muita transparência."
Do lado fiscal, o presidente do BC citou que o Brasil só não é mais endividado entre países em desenvolvimento do que Angola e Líbia.
"É muito difícil você segurar o monetário quando o fiscal está descontrolado", afirmou. "Precisamos ter um pano de consolidação fiscal. Sempre digo que, nesse sentido, o BC não é o piloto, é o passageiro. Se a gente não conseguir achar equilíbrio fiscal, o lado monetário fica bem menos eficiente."
Para analistas, Campos Neto passou a mensagem de que o cilco de alta de juros vai será mais ameno.
Participantes do mercado também dizem perceber que o ritmo de vacinação da população tem ganhado corpo, o que explica o forte desempenho de papéis de aéreas, shopping centers na sessão. Cerca de 10,1%
da população adulta foi vacinada com a primeira dose no Brasil.
A maior alta do Ibovespa foi da Embraer, que disparou 9,3%. Gol avançou 8,56% e Azul, 6,94%. No mesmo grupo duramente afetado pela pandemia de Covid-19, CVC Brasil subiu 5,57%.
Já a EzTec avançou 6,48%, em dia de reação do setor imobiliário, com a queda nos juros futuros. Além disso, o JPMorgan elevou a recomendação para a ação e afirmou que permanece otimista com as construtoras, apesar da falta de gatilhos no curto prazo.
Lojas Renner subiu 5,86%, também na esteira do sentimento melhor em relação à reabertura da economia, o que ajudou a puxar o índice de consumo, que fechou em alta de 2,25%. Da mesma forma, shopping centers tiveram fortes altas –a Multiplan avançou 5,61%.
Banco do Brasil subiu 3,09%, puxando o desempenho dos grandes bancos. Bradesco teve alta de 1,67%, e Itaú, de 1,64%. BTG Pactual subiu 5,82%.
Nos Estados Unidos, os principais índices acionários tiveram ligeira queda, com investidores vendendo ações relacionadas à tecnologia após um aumento nos rendimentos do Tesouro dos EUA.
O rendimento do título dos EUA de dez anos atingiu 1,776% no início da terça, mas perdeu força para 1,717% no final desta tarde em Nova York.
O índice Dow Jones caiu 0,31%, o S&P 500 teve queda de 0,32%, e o Nasdaq Composite recuou 0,11%.
Na Zona do Euro, indicadores de confiança e de expectativa vieram melhor do que o esperado para março e o índice Stoxx Europe 600, que reúne as maiores empresas da região, subiu 0,71%.
Com a reabertura do Canal de Suez, os preços do petróleo recuaram nesta terça. O Brent (referência internacional) fechou em queda 1,3%, a US$ 64,14 por barril, enquanto o petróleo dos EUA (WTI) recuou 1,6%, para US$ 60,55 o barril.
"Os ganhos que se acumularam durante o bloqueio de Suez tiveram vida curta, como esperado, e agora estão sendo devolvidos com o retorno gradual do tráfego normal", disse Louise Dickson, analista de mercados de petróleo da Rystad Energy.