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Mercado de capitais e inovações reduzem concentração no crédito

Fonte: Valor Econômico - 18/11/2021 às 12h11

Os cinco maiores bancos do país perderam participação no mercado de crédito nos últimos anos. Se no fim de 2016 Itaú Unibanco, Banco do Brasil (BB), Bradesco, Caixa e Santander representavam juntos 70,4% do estoque de empréstimos e financiamentos bancários do país, em junho deste ano a fatia somada dessas instituições financeiras era de 67,7%, segundo dados informados ao Banco Central (BC).
 
Ainda não há dados da Caixa relativos a setembro deste ano (o balanço será divulgado hoje). Excluído o banco estatal, a fatia das quatro maiores instituições financeiras listadas em bolsa somava 52,9% no fim do terceiro trimestre - abaixo dos 53,9% vistos em março de 2014, início da série histórica compilada pelo Valor.
 
A exposição de empresas brasileiras a títulos de dívida era equivalente a 9,6% do PIB em agosto deste ano
De lá para cá, a fatia desse grupo em empréstimos e financiamentos diminuiu, até estabilizar num patamar entre 50% e 52%. Houve uma exceção na primeira metade do ano passado, quando os bancos concederam um volume recorde de crédito e voltaram temporariamente para perto de 54%. O levantamento considera carteira de crédito classificada pelo BC, ou seja, não inclui operações como avais, fianças e títulos privados.
 
A redução de “market share” não significa que os grandes bancos tenham tirado o pé do acelerador. Ao contrário. No ano passado, as principais instituições financeiras do país aceleraram as concessões para enfrentar a pandemia. De acordo com a Febraban, entre março e dezembro de 2020 o sistema financeiro concedeu R$ 3,5 trilhões em empréstimos. A média mensal superou em 7,1% a do ano anterior.
 
O fator mais relevante para explicar essa tendência de desconcentração é o crescimento do mercado de capitais brasileiro. Os próprios bancos passaram a distribuir entre investidores ou mesmo encarteirar operações que, em outros tempos, teriam sido feitas na forma de empréstimos convencionais. Essa migração leva a um menor crescimento da carteira tradicional, mas consome menos capital e gera receitas de prestação de serviços.
 
A exposição de empresas brasileiras a títulos de dívida era equivalente a 9,6% do PIB em agosto deste ano, numa evolução quase contínua desde os 5,9% vistos no fim de 2016, segundo dados do Centro de Estudos de Mercados de Capitais (Cemec) da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe).
 
A soma móvel das captações corporativas líquidas nos três meses encerrados em agosto mostra que foram levantados R$ 37,7 bilhões em crédito bancário e R$ 74,3 bilhões em títulos no mercado de capitais, também de acordo com o Cemec. Neste ano até outubro, só as emissões de renda fixa somam R$ 181,7 bilhões.
 
“No histórico das companhias brasileiras, isso é uma novidade. Até há poucos anos, as empresas que mais tinham acesso ao mercado de capitais corriam atrás do BNDES e o investidor buscava os títulos públicos e não o crédito privado”, afirma Carlos Antonio Rocca, coordenador do Cemec.
 
Depois da recessão de 2016, que afetou muito o crédito às grandes empresas, os bancos também passaram a direcionar mais esforços aos segmentos de pessoas físicas e de micro, pequenas e médias empresas, que costumam ser mais rentáveis. “O crédito a pessoa jurídica tem spread mais baixo e ocupa o balanço, então foi sendo direcionado para o mercado de capitais”, observa Rubens Sardenberg, diretor de economia, regulação prudencial e riscos da Febraban.
 
A desconcentração do mercado de crédito também é reflexo de um aumento da competição. Inovações tecnológicas e regulatórias reduziram barreiras de entrada no setor e começam a provocar mudanças no cenário. As fintechs são a novidade mais badalada, mas até agora têm participação pequena no estoque de empréstimos do país. Por enquanto, a maior concorrência vem de cooperativas e de bancos que já estavam no mercado, mas que não faziam parte do “top 5”.
 
É o caso, por exemplo, do BTG Pactual. A carteira do banco cresceu 42,9% nos 12 meses encerrados em setembro, alcançando R$ 97,6 bilhões. No mesmo intervalo, o saldo de crédito do sistema financeiro nacional avançou 16%, para R$ 4,4 trilhões, e a carteira somada dos quatro maiores bancos de capital aberto teve expansão de 15,4%, para R$ 2,3 trilhões, sem considerar o critério ampliado.
 
“Vamos ver quase uma revolução no financiamento a pessoas jurídicas. A inovação regulatória vai aumentar a concorrência”, afirma Rocca, do Cemec, citando mudanças como duplicatas eletrônicas, open finance e cadastro positivo.
 
Houve ainda, nos últimos anos, o efeito da reestruturação dos bancos públicos após a expansão desenfreada de uma década atrás, impulsionada pelo governo. Caixa e BB se retraíram na gestão Temer e no início do governo Bolsonaro. Ambos já voltaram a crescer, mas redirecionaram o foco para linhas consideradas menos arriscadas.
 
O aumento da competição no crédito é um objetivo que passou a ser defendido abertamente pelo BC desde a gestão de Ilan Goldfajn. Essa agenda foi intensificada sob o comando de Roberto Campos Neto. Indicadores usados para medir a concentração bancária, como o IHHn, mostram queda desde 2018.
 
Com um cenário econômico mais difícil se desenhando para 2022, as projeções dos bancos para o crédito também começam a ser revistas. A expectativa coletada pela Febraban em outubro é de um crescimento de 7,3% no saldo de empréstimos e financiamentos no ano que vem. Na medição feita em agosto, esperava-se uma alta de 7,8%.
 
Ainda assim, o clima não é de todo pessimista, e isso ficou claro na divulgação de resultados do terceiro trimestre. Apesar da inflação e da alta das taxas de juros, o presidente do Bradesco, Octavio de Lazari Jr., afirmou que a reabertura da economia após a pandemia abre oportunidades. “A expectativa é que, com a economia totalmente reaberta, a gente tenha uma capacidade melhor de poder fazer negócios”, disse em evento com investidores.
 
O executivo também mencionou o aumento da base de clientes do banco tradicional e das operações digitais do Bradesco - sob as marcas next, Digio e Bitz - como uma chance para oferecer crédito a mais pessoas.
 
O presidente do Itaú Unibanco, Milton Maluhy Filho, mostrou-se menos animado com a retomada da economia, mas ainda assim também disse ver possibilidades de crescer no crédito, inclusive em linhas mais arriscadas. Segundo o executivo, o banco deixou de crescer em alguns segmentos no ano passado, e agora a estratégia é preencher essas lacunas. “Tivemos perda de produção, nosso ‘market share’ caiu de 11%, 12%, para 6%, 7% em alguns produtos”, afirmou. “Não mudamos o apetite de risco, estamos reocupando espaços.”
 
Os bancos preveem algum aumento da inadimplência no próximo ano, mas nada explosivo. Conforme projeções da Febraban, o indicador deve chegar a 3,7%, patamar ainda abaixo do índice de 3,8% visto antes da pandemia.

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