Clipping
Juro e consolidação fiscal elevam investimento, diz SPE
A Secretaria de Política Econômica (SPE) do ministério da Economia finalizou análise sobre o comportamento do investimento em 2020, atribuindo a alta nesse indicador à combinação de juros baixos (que seria decorrente de um processo de consolidação fiscal iniciado em 2016) e um ambiente regulatório propício ao crédito privado de longo prazo. O documento foi antecipado ao Valor.
“Com a divulgação dos dados trimestrais do PIB, em 2020, confirmou-se que a formação bruta de capital fixo (FBCF) cresceu mais que o suficiente no quarto trimestre para superar o nível de igual trimestre de 2019. O crescimento interanual foi de 5%, o que antecipou em um trimestre a recuperação em relação a retomada observada na recessão de 2008/2009”, aponta. Para a SPE, a o indicador recuperou o nível anterior à pandemia.
O texto ressalta que, apesar da recessão de 2020 ter sido uma das piores em 120 anos, “a rápida recuperação do investimento no Brasil se relaciona com a taxa de juros em patamares baixos, melhorias estruturais no mercado de crédito e a expectativa de um ambiente econômico mais estável, fruto do processo da consolidação fiscal”.
Segundo o documento, em 2020 houve forte elevação do crédito, com destaque para os bancos privados e outras fontes, como emissão de títulos e o mercado acionário, em um ambiente de fortalecimento de garantias. “A desregulamentação e as inovações no mercado financeiro, aliadas à consolidação fiscal, permitiram a redução estrutural dos juros e mostram que, ao contrário da recessão de 2008-09, a rápida recuperação do investimento ocorre sem a massiva participação dos bancos públicos”, diz a SPE.
A secretaria explica que o canal da queda dos juros reais futuros seria decorrente do arcabouço fiscal que aponta para o controle de gastos a longo prazo. “O segundo canal é a melhora do ambiente econômico, em resposta às reformas estruturais. Desta forma, o cumprimento dos marcos fiscais, a continuidade da agenda de reformas e da consolidação fiscal darão suporte para que o investimento retorne em bases mais sólidas”.
O secretário de Política Econômica, Adolfo Sachsida, ressaltou que parte importante da agenda do ministério é criar condições para continuar tendo melhor aproveitamento das garantias e que o crédito privado seja cada vez mais robusto, auxiliando as empresas “a atravessar esse momento difícil e se prepararem para o momento da retomada”. “Nós temos hoje um investimento que está indo para onde o capital é mais eficiente, estamos aumentando a eficiência alocativa e a qualidade do crescimento de longo prazo”, disse.
Sachsida reconheceu que apesar de no início do ano o investimento ter continuado em alta, agora ele começa a perder fôlego por conta da piora no quadro da pandemia e as medidas de contenção. Mas ele diz acreditar que, com a vacinação, a retomada deve acontecer com bom ritmo no segundo semestre. Evitando projetar números, ele salientou que o importante é ter um ambiente de qualidade para um bom desempenho de longo prazo, com uma alocação mais eficiente de recursos.
Fabio Terra, professor da Universidade Federal do ABC e presidente da Associação Keynesiana Brasileira (AKB), reconhece a recuperação do investimento no segundo semestre do ano passado, mas tem uma interpretação diferente das causas desse fenômeno.
“Isso não foi conduzido de maneira nenhuma por medidas tomadas antes da crise e nem pela ausência do Estado”, disse. “Quando se olha especificamente para 2020, o saldo de crédito privado ainda é maior, mas a grande variação é de crédito direcionado, por conta dos vários programas que o governo fez para ajudar as empresas... O desembolso privado, em alguns casos, é mera intermediação, com fundos vindos do Tesouro”.
Ele explica que medidas como o auxílio emergencial, que injetou R$ 293 bilhões na economia, também tiveram papel importante na retomada do investimento. “O grande determinante do investimento é expectativa de retorno. A retomada do segundo trimestre por conta da dinâmica que o auxílio emergencial imprimiu”, disse Terra. O economista lembra que no agregado do ano o investimento caiu, apesar do nível do quarto trimestre ter ficado acima de 2019.
Terra apontou ainda que os demais instrumentos de crédito, como IPOs (abertura de capital) ainda tem um papel relativamente pequeno no total de financiamento na economia. Além disso, comentou, esse recurso captado pelas empresas demora para se tornar investimento efetivo. Ele também manifestou discordância sobre o papel da consolidação na retomada à frente. “A gente precisa de demanda, ficar à mercê de achar que sem auxílio, sem ajuda às empresas, que a gente vai conseguir criar expectativa que os leve a investir.”
O subsecretário de política macroeconômica do ministério, Fausto Vieira, rebate a tese e diz que o papel mais importante para a retomada dos investimentos foi dos juros baixos. “O preço, que é o juro, teve uma queda gigantesca e mexeu com todo o tipo de ativos e isso está relacionado com o processo de consolidação fiscal”, disse. “O setor público teve uma função de redução de incertezas, mas o grande papel foi a queda do juro real”, concluiu, lembrando que emissões de mercado de capitais, não.