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Golpismo de Bolsonaro prejudica retomada da economia e crise pode se acentuar; entenda
O discurso de caráter golpista do presidente Jair Bolsonaro nas manifestações de 7 de setembro eleva o grau de incerteza na economia a um novo patamar, dizem analistas ouvidos pelo G1 nesta quarta-feira (8).
A avaliação é de que o presidente deixou de lado a agenda econômica, perdeu o poder político para encaminhar medidas importantes no Congresso Nacional e ofusca os poucos ganhos que a atividade econômica teve nos últimos meses, como a retomada dos serviços com vacinação contra a Covid-19.
As ameaças ao Supremo Tribunal Federal (STF) e a integrantes da Corte, em especial ao ministro Alexandre de Moraes, repercutiram no mundo político e devem minar o apoio a Bolsonaro em Brasília.
O enfraquecimento se traduz em dificuldades para manejar questões importantes para a agenda do ministro da Economia, Paulo Guedes, como o parcelamento de precatórios e a criação de um novo programa social que substituiria o Bolsa Família.
"Com frequência, diante da reação do mercado e de interlocutores, Bolsonaro recuava. O que vemos agora é que decidiu dobrar a aposta", diz a economista Zeina Latif.
Incertezas
Zeina Latif afirma que o discurso do presidente despeja incerteza nos agentes econômicos em um momento que seria desafiador o suficiente para uma plena recuperação econômica. A principal referência é o controle de inflação, que tem sido afetado especialmente pelo câmbio e pela crise hídrica do país.
O acirramento dos ânimos, diz ela, alimenta a combinação de mais inflação e menor crescimento, porque afugenta o investimento estrangeiro – fazendo o real se desvalorizar – e retrai o empresário brasileiro a ampliar os negócios.
"O estrago na economia está aí. As empresas estão em época de planejamento e tomada de decisão. Como defender mais investimentos no Brasil?", afirma Zeina.
Como mostrou reportagem do G1 neste mês, há ao menos 10 riscos evidentes para a retomada da economia brasileira. A escalada da tensão política é um deles, mas despeja complicações em todos os demais: a inflação segue colhendo efeitos do câmbio, juros continuam subindo para tentar colocar o aumento de preços dentro da meta, o desarranjo nas contas públicas permanece sem solução e assim por diante.
Mercados sofrem efeitos
Os primeiros reflexos ficaram evidentes no mercado financeiro. O Ibovespa, principal índice de ações da bolsa de valores de São Paulo, a B3, fechou em queda de 3,78% nesta quarta-feira. Já o dólar disparou a R$ 5,32.
Para o economista Gesner Oliveira, sócio da GO Associados, a apreensão dos mercados se explica em razão da percepção de que a crise institucional terá reflexos também na situação fiscal do país e no ritmo de retomada da economia.
“Você tem uma série de grandes projetos que ficam em banho-maria neste momento. E o mercado é frio e pragmático”, diz.
O economista diz ainda que as declarações "absolutamente incompatíveis com a ordem jurídica" são percebidas pelos analistas e empresários como uma "pressão em praça pública" contra um juiz que analisa processos contra o presidente e seus familiares. É mais um ponto de atrito na estabilidade do país.
“Foi um comício com elementos claríssimos de confrontação. Quando o presidente da República fala que não vai cumprir o que o ministro fulano de tal decidir, diz frases do tipo ‘Pede para sair’, isso é uma afronta direta. Criou-se um impasse institucional”, afirma.
"Se o presidente já era refém de uma base parlamentar que cobra a cada votação, isso aumentou exponencialmente", acrescenta.
Estagflação
Segundo o economista Alvaro Bandeira, economista-chefe do banco digital Modalmais, o acirramento da crise institucional é um passo a mais no risco de estagflação em 2022 – ou seja, uma aceleração do índice de preços sem crescimento da economia.
Ele lembra que as projeções de mercado vem sendo revisadas para baixo e parte dos analistas já apontam para uma alta de menos de 1,5% do PIB no ano que vem, com risco de juros mais altos para colocar o IPCA dentro da meta.
“Esse clima de incerteza institucional, se vai proliferar ou não a possibilidade de impeachment, como é que fica o presidente, os seus apoiadores, tudo isso mexe com a economia no geral e consequentemente piora tudo”, afirma.
“Vamos ter que aguardar para ver como as instituições vão reagir. Se no meio do caminho vamos ter ou não um bombeiro tentando apagar esses incêndios provocados por um presidente beligerante, ou se a tensão vai se acirrar ainda mais”, acrescenta.
Ainda dentro das projeções, Bandeira diz que é "bem provável" que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) encerre o ano acima de 8%, o que coloca mais pressão sobre a taxa básica de juros (Selic).
“Se estamos falando de taxas de juros crescendo, obrigatoriamente temos que falar de PIB caindo e de menos tomadores de crédito”, destaca.
O economista lembra ainda que a agenda de aprovação de reformas no Congresso tem um elemento a mais de atraso: a proximidade do calendário eleitoral. “Se não tivermos reforma até novembro, esquece. Não tem mais reforma”, avalia.