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Fintechs desbravam interior do País atrás de clientes ainda ‘sem banco’
Letícia Carolina Ribeiro Santos mora na Aldeia de Xandó, numa reserva de índios Pataxós, em Caraíva. Ali, distante 740 quilômetros da capital baiana, Salvador, a população sobrevive do turismo, da pesca e do comércio de artesanato indígena. O local não tem agência bancária, e a internet ainda é via rádio. Apesar disso, aos 19 anos, Letícia comemora a abertura de sua primeira conta corrente digital. Em menos de um dia, sem precisar ir a um banco, ela abriu a conta e já começou a usar.
“Antes era um transtorno. Meu salário era depositado na conta da minha mãe, e tinha de ir até Porto Seguro para pegar o dinheiro”, diz a indígena, que trabalha como barback – assistente de barman. Hoje, ela faz tudo por meio do aplicativo no celular. Muitos dos pagamentos são feitos por meio de Pix, diz Letícia, que conheceu o banco digital C6 por meio do irmão Paulo Ribeiro dos Santos, que também tem conta digital.
Como os irmãos Pataxós, moradores de pequenas cidades do interior estão aderindo aos bancos digitais para entrar no mercado bancário. Com o atrativo de tarifa zero e facilidades na abertura de contas, essas instituições estão criando novas estratégias para conquistar esse público, que ficou muito tempo à margem do sistema bancário.
Atualmente, 44% dos 5.570 municípios do Brasil não têm agência bancária. Esse número pode aumentar com a política de fechamento de agências pelos grandes bancos. Segundo dados do Sindicato dos Bancários de São Paulo, de dezembro de 2014 para cá, foram encerradas as atividades de 5.265 agências no País. E outros fechamentos devem vir pela frente, sobretudo após a pandemia e a maior familiaridade da população com o mundo online.
Calcula-se que hoje o País tenha mais de um smartphone por habitante e, ao mesmo tempo, cerca de 16 milhões de pessoas sem conta em banco. Outros 17,7 milhões têm acesso precário ao sistema bancário, segundo o Instituto Locomotiva. Juntos, eles movimentam cerca de R$ 347 bilhões por ano – um mercado que tem saltado aos olhos dos bancos digitais.
“Onde há pessoas com dificuldade de acesso aos serviços financeiros, há oportunidade de negócios”, diz Bruno Magrani, presidente da Zetta, associação de empresas de serviços financeiros digitais. Segundo ele, por ter uma estrutura enxuta, as fintechs conseguem atender até a população de baixa renda, já que não cobram tarifas. “Para uma parcela da população é caro pagar R$ 20 ou R$ 30 por mês de manutenção de conta e R$ 10 a R$ 15 em transferências.”
Para alcançar essa população, cada um tem adotado uma estratégia diferente. “Mas nenhum banco digital nasce sem alguns pontos básicos”, diz o sócio da PwC Brasil, Eduardo Alves. Esses itens, afirma ele, são a ausência de tarifas, cashback, programa de fidelidade, educação financeira e simplicidade. E ele tem razão. A estudante Selena Freitas, de 22 anos, foi atraída para o banco digital Neon pelos “mimos” dados ao atingir algumas metas.
“Eles têm alguns desafios. Quem fizer mais depósitos, por exemplo, e ficar entre os dez primeiros, ganha presentinhos, como camiseta, agenda, caneta e adesivos”, conta Selena, que até então não tinha conta. Ela foi indicada ao banco pelo namorado, que recebeu um cashback de R$ 20 pela apresentação.
Selena mora em Cachoeira Dourada (GO), cidade de 8 mil habitantes com uma agência bancária do Bradesco. Ela conta que conhece várias pessoas do município que estão optando pelas fintechs por causa do custo baixo. Em casa, por exemplo, ela conseguiu convencer os pais a virarem clientes digitais. “Meu pai manteve a conta tradicional, mas minha mãe abriu pela primeira vez e também gosta de participar dos desafios.”
Na avaliação de Sergio Costantini, diretor-geral da Mambu no Brasil – fintech alemã de soluções para o setor bancário -, a investida dos bancos digitais em pequenas cidades não fará só a inclusão financeira dessa população, mas também a inclusão digital. Portanto, é preciso melhorar o acesso à rede e ampliar a cobertura no País.
O pataxó Paulo Ribeiro Santos concorda. Atendido por conexão via rádio, em Caraíva, ele conta que a internet é boa enquanto o tempo está bom. “Basta chover que cai tudo”, diz ele. Apesar disso, está satisfeito com a conta digital e já indicou a opção para várias pessoas.
Segundo Costantini, se no passado o sinônimo de crescer no sistema bancário era abrir agências, hoje é ter mais tecnologia. Ou seja, antes a capilaridade de um banco vinha por meio de agências espalhadas pelo País. A partir de agora isso vai ocorrer pela inovação.
Para Magrani, da Zetta, além da internet, a questão cultural também é outra barreira aos bancos digitais. “Ainda tem gente que tem hábito de ir a uma agência bancária para resolver a vida financeira. Precisamos continuar investindo em comunicação para mostrar que muitos serviços já podem ser realizados de forma digital.”
Samira Mansur, moradora de Barão de Juparanã, no Rio, entendeu essas facilidades e, embora mantenha conta no banco tradicional, tem feito a maioria das transações pelo banco digital. “Uso a conta antiga para receber e também por causa do cheque. Aqui na cidade muita gente ainda usa essa forma de pagamento”, diz ela, destacando que paga R$ 40 de tarifa. Na cidade, de 5 mil habitantes, não há agência bancária nem Correios. Contadora e vendedora de semijoias, ela usa a conta digital para gerar boletos e fazer Pix. “O melhor: não pago nada.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.