Clipping
Em 4 meses, varejo vai do fundo do poço ao recorde da série histórica
O varejo do país voltou a surpreender positivamente os analistas em agosto e ampliou a percepção de uma recuperação em “V” no setor - caracterizada por forte queda, seguida de rápida retomada. A leitura reforçou ainda a expectativa de que a economia vai fechar o ano melhor do que previsto no início da pandemia da covid-19.
Analistas ouvidos pelo Valor esperam que as vendas do varejo continuem em alta nos próximos meses, puxando o desempenho da indústria. O ritmo das vendas, porém, tende se moderar nos próximos meses com a redução do valor do auxílio emergencial pago pelo governo federal para R$ 300 e a pressão da inflação dos alimentos, além da maior base de comparação.
Dados da Pesquisa Mensal do Comércio (PMC), divulgados ontem pelo IBGE, mostraram que as vendas do varejo restrito cresceram em agosto 3,4% em relação ao mês anterior, superando a mediana das projeções de analistas (+3,2%). O varejo ampliado (que inclui automóveis e material de construção) avançou 4,6% no mês, também acima do esperado (+4,1%).
Foi o quarto mês seguido de alta do varejo, após o choque inicial das medidas de isolamento social para enfrentamento da pandemia. Com o resultado do mês, as vendas do varejo restrito, em apenas quatro meses, foram do “fundo do poço” em abril para o maior nível da série histórica iniciada em 2000.
“Tudo o que temos visto de desempenho até agora corrobora a visão de que a economia não recuaria tanto. Temos visto dados de melhora de forma recorrente, e o resultado da PMC é mais um deles”, disse a economista Natalie Victal, da gestora de fundos Garde Asset.
Os principais destaques de agosto foram as vendas de tecidos, vestuário e calçados (30,5%) e outros artigos de uso pessoal e doméstico (10,4%), que inclui o varejo on-line e redes de magazine. Também chama atenção a alta de 8,8% das vendas de veículos e de 3,6% do material de construções, apoiado no crédito.
No lado das perdas, as vendas de hipermercados e supermercados encolheram em agosto 2,2% em relação a julho. Essa atividade responde pela metade do faturamento do varejo nacional e limitou o índice geral. Cristiano Santos, gerente da pesquisa do IBGE, disse que a inflação de alimentos “afugentou” consumidores.
Agosto foi um mês de pressão sobre os preços dos alimentos, que ficaram 1,15% mais caros pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial do país. Houve alta de produtos como tomate (12,98%), óleo de soja (9,48%), leite longa vida (4,84%) e as carnes (3,33%).
“A maior inflação de alimentos pode levar à redução da quantidade de produtos adquiridos pelos consumidores ou à substituição de produtos por marcas mais baratas”, explicou Santos, ao apresentar os resultados do mês. “Em ambos os casos, isso pode ter consequência sobre as vendas dos supermercados.”
Esse movimento pode se repetir em setembro. Para Ariana Zerbinatti, economista do Bradesco, o aumento de preços dos alimentos será um fator de moderação das vendas de supermercados e do varejo em geral, ao lado da redução do valor do benefício do auxílio emergencial para R$ 300. “Outro ponto importante para a moderação é o mercado de trabalho, que está em recuperação muito gradual, especialmente na área de serviços”, disse a economista, que prevê preliminarmente alta de 1% do varejo restrito em setembro, frente a agosto, com ajuste sazonal, número que pode ser revisto para cima.
Thiago Xavier, economista da Tendências, concorda com o cenário de perda de ritmo do varejo. Para ele, o setor se recupera em “V”, mas isso não pode ser estendido para a atividade econômica como um todo. Xavier vê uma retomada desigual entre os ramos da indústria, por exemplo, e o setor de serviços com “freio de mão” puxado. “A recuperação na indústria tem ocorrido em bens intermediários, com refino de petróleo ajudando”, disse Xavier, que ponderou a alta de 4,4% em setembro ante agosto da produção de automóveis divulgada pela Anfavea, a associação do setor. “O aumento foi acompanhado por crescimento de estoques.”
A reabertura das atividades nas cidades deve favorecer nos próximos meses, contudo, os segmentos que dependem mais da mobilidade das pessoas, analisa Carlos Lopes, economista do Banco BV. Para ele, setores que se beneficiavam do isolamento e do auxílio emergencial tinham até aqui desempenho melhor, como mercados e farmácias.
“Os que dependiam da mobilidade e da volta da circulação maior das pessoas, como shopping centers e eventos, estavam sofrendo mais. Mas essa é a cara de julho. Em agosto, já vimos melhora expressiva do setor têxtil, mas, no geral, desses setores que dependem mais de a mobilidade voltar ao normal.” “Fechamos a projeção para o varejo de setembro em +0,9% em relação a agosto no restrito”, complementa.
A MCM Consultores Associados prevê preliminarmente incremento de 2,7% no restrito e de 1,6% no varejo ampliado no próximo mês em relação ao mês anterior. Na Tendências, a previsão é de alta de 2% do varejo restrito em setembro, mas na comparação com o mesmo mês de 2019.