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Crédito se aproxima de inflexão com retomada frágil e alta de juros

Fonte: Valor Econômico - 29/09/2021 às 11h09

O mercado de crédito, que vinha sendo um dos principais suportes da recuperação econômica, dá sinais de que pode estar em um momento de inflexão. Com o fim dos programas emergenciais implementados no ano passado, o ritmo do saldo de operações para empresas desacelera há sete meses seguidos. O estoque para famílias ainda cresce de forma robusta, mas com inflação e juros em alta e as projeções para a atividade perdendo força, analistas dizem que esse segmento também deve começar a perder força. 

A desaceleração do crédito não deve ser abrupta e não se fala em contração, mas é mais um elemento em um cenário que se mostra menos otimista.

Os juros cobrados pelos bancos atingiram em agosto o maior patamar em 16 meses, refletindo o aperto monetário promovido pelo Banco Central (BC), que aumentou o custo de captação das instituições financeiras. A taxa média nas operações chegou a 21,1% ao ano, com aumento tanto nos empréstimos a pessoas físicas quanto nas operações com empresas.

O spread bancário não subiu — até apresentou leve recuo, de 14,6% para 14,5% ao ano. Normalmente, as altas de juros pelo Banco Central também provocam aumento dos spreads, já que apertos monetários são acompanhados de desaceleração da economia e maior risco de inadimplência.

No crédito livre, em que os juros são livremente definidos pelo mercado, a taxa cobrada pelos bancos dos clientes teve um aumento de 1 ponto percentual, para 29,9% ao ano. O crédito livre reflete mais os ciclos de aperto monetário que o direcionado, cujas taxas avançaram de 7,6% ao ano para 7,9% ao ano entre julho e agosto.

“O aumento da taxa de juros cobradas pelos bancos é consistente com a evolução da taxa básica de juros da economia”, disse o chefe do departamento de estatísticas do Banco Central, Fernando Rocha. “O spread bancário total ficou estável, o que significa que os juros cobrados pelos bancos estão subindo na mesma proporção dos custos de captação.”

Em agosto, o custo médio de captação dos bancos subiu a 6,6% ao ano, ante 5,8% ao ano registrado em julho. No crédito livre, o custo de captação saltou de 7,2% ao ano para 8,2% ao ano.

Para Everton Gonçalves, superintendente da assessoria econômica da Associação Brasileira de Bancos (ABBC), a desaceleração no crédito deve se acentuar nos próximos meses, com a demanda da PF não sendo capaz de compensar a forte redução em PJ. “A expectativa é uma desaceleração firme do crédito no restante deste ano e que em 2022 seja ainda pior. O 

Na avaliação de Rubens Sardenberg, economista-chefe da Febraban, ainda não é possível falar de uma desaceleração acentuada do créditos, mas deve sim haver uma acomodação. “Vejo um cenário em que pode haver uma redução no ritmo de crescimento, mas ainda não é possível dizer que haverá uma desaceleração mais forte. Não dá para imaginar que o crédito 

Para um executivo de um banco de médio porte, é normal que, num momento de reajuste de preços pelos bancos, haja uma leve redução nas concessões, mas ainda não há uma sensação de que as empresas estão começando a rever planos de investimento. “Se a inflação continuar não comportada, aí as empresas podem pensar que os insumos estão ficando muito caros, que fica difícil viabilizar um projeto. Mas também há um efeito muito heterogêneo entre os setores. O agro continua indo muito bem. No varejo de PF, aí sim me preocupo mais um pouco com o cenário.” 

Das 21 linhas de crédito a pessoas jurídicas acompanhadas pelo BC, 17 tiveram alta nos juros em agosto e quatro tiveram estabilidade ou redução. Já entre pessoas físicas, a alta das taxas abarcou oito das dez linhas pesquisadas pela autoridade monetária. 

“O ciclo de rápido ajuste da Selic não está se refletindo, na mesma proporção, nos custos de crédito, indicando importante contração dos spreads bancários, e, potencialmente, ganhos alocativos derivados de mudanças microeconômicas ocorridas nos últimos anos, como mais competição e cadastro positivo”, diz em relatório para clientes a consultoria BRCG. 

O estoque de crédito na economia aumentou 1,5% em agosto, chegando a R$ 4,335 trilhões. As operações com pessoas físicas estão em aceleração, com um avanço de 1,9% no mês. O ritmo de crescimento em 12 meses na operações com as famílias subiu a 18,8%, um bom avanço em relação aos 10,9% observados em janeiro.

Já no caso das empresas está havendo uma desaceleração. Em agosto, as operações avançaram 1%. No período de 12 meses, a taxa de expansão chega a 12,2%, apresentando um crescimento real, considerando a inflação de 9,7% no período, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Mas, no começo do ano, o crédito às empresas crescia mais forte, com uma taxa de 23%. 

“Este pode ter sido um primeiro impacto sobre o ritmo de concessão da atual fase de elevação da taxa básica de juros promovida pela autoridade monetária, desde o final do primeiro trimestre de 2021, em resposta ao aumento da inflação. Vale mencionar que a partir de meados de junho, o BC intensificou a alta dos juros de 0,75 ponto porcentual. para 1% ponto a cada reunião do Copom”, diz em nota o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). “É um movimento que tende a desestimular a expansão do crédito nos próximos meses, especialmente no segmento livre, que vem mostrando maior dinamismo em 2021”, acrescenta. 

Rocha, do BC, diz que essa desaceleração no crédito para empresas se deve a dois motivos. Primeiro, estão saindo da base de cálculo os empréstimos tomados pelas empresas durante a pandemia. Grandes empresas tomaram grandes volumes de empréstimos para enfrentar um temido aperto de liquidez. Além disso, o governo criou novas linhas de crédito direcionado para manter as fontes de financiamento sobretudo para as empresas pequenas e médias. Outro motivo para o menor dinamismo no mercado de crédito bancário é que as grandes empresas, neste ano, voltaram a tomar financiamentos no mercado de capitais. As captações por meio de títulos de dívida aumentaram 23,1%. 

Um desdobramento disso é que, entre as grandes empresas, o crédito bancário cresceu apenas 3%. Já entre as micro, pequenas e médias, a taxa de expansão foi de 26,7%.

Já as concessões de crédito a empresas, ajustadas sazonalmente, registraram uma retração de 2,1% em agosto. Rocha explicou que a queda se deve ao incremento pontual de mais de 50% ocorrido em julho nas operações do Pronampe, uma linha direcionada a empresas de menor porte, na reabertura do programa. Em agosto, o crédito às empresas retornou a sua tendência anterior. 

Os analistas do Credit Suisse apontam que os bancos privados continuam a liderar a concessão de crédito e que a melhora no mix, com o avanço de linhas com juros maiores, começa a se refletir no spread. “É importante observar que a retomada das linhas rotativas do varejo já ajudou a compensar o impacto da quedas nos spreads de crédito direcionados (principalmente imobiliário)”. 

Enquanto isso, a inadimplência segue sob controle, mas com sinais de normalização. O indicado geral ficou estável em 2,3% pelo quarto mês consecutivo, mas em recursos livres para PF, na linha de cartão de crédito, o indicador sobe desde abril e já está em 4,2%. O birô de crédito Boa Vista chama atenção para o fim do auxílio emergencial. “Na avaliação dos economistas da Boa Vista, a inadimplência deve permanecer nessa tendência de alta daqui para a frente, já que alguns dos principais fatores condicionantes dela ainda estão deteriorados, sobretudo, quando se trata do mercado de trabalho. O auxílio emergencial, tanto o primeiro programa quanto o segundo, ajudou a segurar as contas num momento em que sobretudo a inflação pesava sobre o orçamento das famílias. O auxílio vai embora, a inflação, não.”

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