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Crédito apresenta recuo em 9 de 27 setores da economia neste ano
Um terço dos segmentos da economia apresenta contração no estoque de crédito bancário neste ano. Mesmo assim, analistas consideram que os empréstimos vêm cumprindo o papel de apoiar a recuperação da economia. Por sua vez, o ciclo de altas da Selic já se reflete em alguns casos em elevação das taxas de juros para os tomadores de empréstimos, mas não deve ser suficiente para impedir o crescimento do crédito bancário.
Números mais recentes do Banco Central (BC), levantados pelo Valor, mostram que o saldo de empréstimos caiu em 9 de 27 setores no acumulado de janeiro a julho, em relação ao mesmo período de 2020. A análise leva em conta o desempenho da agropecuária como um todo e de todos os segmentos da indústria e dos serviços, mas descarta subdivisões específicas que estão dentro desses segmentos. Foi considerado, por exemplo, o desempenho dos transportes, mas não o dos transportes dutoviários especificamente.
Os resultados dos sete primeiros meses deste ano vêm depois de um crescimento praticamente disseminado em 2020, quando houve expansão do saldo de crédito bancário em quase todos os segmentos da economia.
“No ano passado, ninguém tinha como saber a duração da travessia durante a pandemia de coronavírus”, diz Nicola Tingas, economista-chefe da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi), dando a sua explicação sobre por que as empresas tomaram tantos empréstimos em 2020.
No caso dos serviços, setor com maior participação no Produto Interno Bruto (PIB) e um dos mais afetados pela pandemia, o saldo dos empréstimos bancários cresceu 4,5% em relação ao ano passado, para R$ 1,063 trilhão. Dos sete segmentos dos serviços, apenas em dois casos há queda dos empréstimos bancários: administração pública (0,6%) e demais serviços prestados às empresas, que inclui consultoria, apoio administrativo e vigilância, por exemplo (30,8%). Por sua vez, os destaques positivos são os serviços financeiros (42,4%) e o comércio (10%).
“É o crédito que sustenta o nosso crescimento”, diz Carlos Thadeu de Freitas, economista-chefe da divisão econômica da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Ele chama a atenção para os empréstimos que o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe) têm concedido para as menores companhias do setor.
Com a reabertura da economia, a tendência é que bares, hotéis e restaurantes, por exemplo, aumentem a demanda por crédito, segundo o economista. A CNC calcula altas de 5,8% e de 4,8% para os faturamentos de serviços e do comércio em 2021, respectivamente.
Para 2022, a Selic projetada pela CNC está entre 7,5% e 8% no fim ciclo de altas, o que deve tirar algum dinamismo do crédito para os serviços. Mas Freitas destaca positivamente o atual baixo patamar da taxa de juros neutra, calculada por ele em 3% em termos reais. Essa é a taxa que permite o máximo de crescimento da economia sem que a inflação acelere. Ou seja: mesmo com as atuais elevações, a Selic terminará o ciclo em patamar mais baixo do que em anos anteriores.
Já o estoque dos empréstimos bancários para a indústria tem queda de 0,3% em 2021, para R$ 724,7 bilhões. Dos 16 segmentos do setor, em 7 há recuo do crédito. O principal destaque positivo fica para alimentos (alta de 23%), enquanto petróleo, gás e álcool (queda de 37%) e automobilística (19,6%) têm baixa.
Ainda assim, Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), afirma que “não há sinal de escassez de recursos”. “O que há é uma acomodação para um dinamismo mais moderado”, diz.
Ele também chama a atenção para “transformações” pelas quais o financiamento do setor vem passando. Uma é a menor participação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Outra é a maior busca das grandes companhias por financiamento diretamente no mercado de capitais, impulsionado por sua vez pela queda dos juros e a procura dos investidores por rentabilidade maior.
Em sentido oposto, elevações da Selic podem “testar” a viabilidade desse modelo de empréstimos diretamente no mercado de capitais, ao diminuir o fluxo de recursos para financiar títulos corporativos de dívida, por exemplo. “Também já vemos efeitos do repasse das altas da taxa básica de juros para algumas linhas de crédito importantes”, afirma Cagnin, citando os descontos de duplicata e o financiamento à exportação. Mas ele diz que os efeitos de uma forma geral ainda não são “muito claros”, já que mudanças na taxa de juros demoram “pelo menos seis meses” para começarem a impactar a economia.
Tingas, da Acrefi, calcula que no fim das elevações a Selic estará em 8,5% ao ano, mas também lembra que esse patamar é menor do que em outros encerramentos de ciclos de aperto.
“Não me parece que esse nível de taxa de juros será tão prejudicial assim”, afirma, dizendo que as empresas têm “muitos custos”, além do financeiro, que podem atrapalhá-las. Ele chama a atenção, por exemplo, para os impactos que a crise hídrica deve ter sobre o preço da energia elétrica.
O BC calcula uma alta de 8% no saldo do crédito bancário para as empresas neste ano, contra expansão de 21,8% no ano passado. A projeção para 2021 foi divulgada no Relatório Trimestral de Inflação (RTI) de junho. No RTI que será divulgado no fim de setembro, a autoridade monetária poderá atualizar a sua estimativa.