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Comunicado indica desconforto do BC com a inflação
O desconforto do Banco Central com o comportamento atual da inflação ficou evidente no comunicado da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) divulgado ontem, avaliam os economistas ouvidos pelo Valor. Não bastasse a retirada do “forward guidance”, ou seja, a prescrição futura do rumo do juros, a autoridade enfatizou, em várias passagens, sinalizações de preocupação com pressões sobre preços, ainda que tenha também reiterado ver os choques recentes como temporários.
Para o estrategista-chefe da gestora WHG e ex-diretor do BC, Tony Volpon, ao salientar que o núcleo de inflação está acima do compatível apenas parágrafos depois de ressaltar que segue atento à evolução dessas métricas, o comitê passa um sinal de “impaciência”. “É como se reconhecessem que ainda esperam desaceleração da inflação, mas existe algo acontecendo e que isso já chegou a um patamar desconfortável”, pondera. Na avaliação de Volpon, “se havia certa dúvida sobre se uma primeira alta da taxa Selic poderia ocorrer em março ou em maio, o texto faz o primeiro ganhar força”.
O economista sênior da Tendências Silvio Campos Neto também interpretou o comunicado do Copom como uma sinalização de desconforto do BC. “A mensagem é de um cenário de muitas incertezas sobre a atividade e o rumo da inflação”, disse.
Na visão do economista, chamou a atenção no documento um tom mais preocupado do BC em relação ao contexto inflacionário, ainda que a autoridade tenha reiterado ver os choques de preços atuais como temporários.
A Tendências mantém a projeção que o Copom vai subir os juros a partir de setembro, mas, ressalva Campos, “há claramente um risco de antecipação desse ‘timing’”. A consultoria projeta uma Selic em 3,50% ao ano no fim de 2021. Na visão da casa, o BC manteria o aperto até o primeiro trimestre de 2022, quando a taxa básica alcançaria 5%. Depois faria uma pausa no ciclo e retomaria as altas em 2023, quando a Selic atingiria o nível de equilíbrio de 6,25% ao ano.
Na análise do economista do BTG Pactual, Álvaro Frasson, a autoridade monetária não deixou espaço grande para que a alta de juros venha já em março, mas, sem dúvida, há maior chance de isso ocorrer sem o forward guidance, a prescrição futura para as taxas.
“Eu particularmente entendo que pode ser um movimento equivocado” retirar o guidance, afirmou Frasson. “Porque, com isso, você aumenta a variância na possibilidade de posição de política monetária e joga volatilidade no mercado. Por exemplo, lá fora, já tem a perspectiva de estímulos nos EUA mexendo com o juro longo americano, que pode implicar prêmio de risco na nossa curva. O BC podia esperar o tamanho do pacote sair no Congresso dos EUA.” O BTG prevê a Selic a 3,75% ao fim do ano, com a normalização a partir de junho.
A economista-sênior da LCA, Thais Zara, interpretou ainda que o BC se mostrou preocupado com o nível elevado de incertezas. “O comunicado faz questão de sinalizar no começo que existe incerteza bastante grande, principalmente com aumento do número de casos de covid-19, e não sabemos como vai ser a reação da atividade no início do ano.”
A LCA projeta o início do novo ciclo de alta da Selic para agosto. “Mas a retirada do forward guidance indica que pode ser um pouco antes, em junho”, aponta. A consultoria projeta uma Selic de 3% no fim deste ano, “mas se o BC acabar se antecipando, podemos ter uma taxa de 3,25% quando 2021 terminar”. Para 2022, a LCA estima uma Selic de 4,75%, “mas isso vai depender do ritmo de retomada e pode ser que seja um pouco menos”.
Já o superintendente de pesquisas macroeconômicas do Santander, Maurício Oreng, acredita que a retirada do forward guidance, por ter um efeito ligeiramente “hawk” (inclinado à normalização), dá mais espaço aos dirigentes para observar os próximos passos da economia.
Oreng lembrou que o próprio BC, em seu relatório trimestral de inflação (RTI), calculou que a utilização da ferramenta representaria uma queda 0,25 ponto porcentual da Selic. “Isso ajuda a reduzir as chances de as expectativas se descolarem enquanto o BC ganha mais tempo”, diz. O Santander trabalha com um cenário de normalização a partir de outubro, mas Oreng admite que “está crescendo o risco de ocorrer antes do que imaginamos”.
Gustavo Arruda, economista-chefe para Brasil do BNP Paribas, salientou ver a opinião do BC sobre os níveis da inflação subjacente como informação “nova e bastante hawkish”. “Isso me surpreendeu mais do que a queda do forward guidance: é um ponto de alerta de que o BC está desconfortável com os núcleos da inflação.” O BNP projeta Selic a 4,5% no fim de 2021. Porém, o economista avalia que a alta tende a ocorrer apenas em junho.