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Bancos veem crédito mais forte mesmo com aumento dos juros
O avanço da vacinação e a melhora da economia impulsionam o crédito, enquanto a inadimplência se mantém muito próxima das mínimas históricas. Os bancos veem um segundo semestre ainda mais forte que a primeira metade do ano, quando a carteira combinada de Itaú Unibanco, Banco do Brasil (BB), Bradesco e Santander cresceu 10,3%, para R$ 2,9 trilhões. A expectativa no setor é que a demanda se mantenha aquecida mesmo diante de uma alta mais forte da taxa Selic - que as instituições financeiras já avisaram que será repassada aos produtos.
O desafio é fazer a margem financeira reagir. O aumento do volume de operações até junho se deu sem que esse indicador - que é o que o banco apura com sua atividade principal, ou seja, emprestar dinheiro - avançasse na mesma magnitude. Quando a taxa básica de juros da economia sobe, como agora, o custo de captação das instituições financeiras aumenta instantaneamente, mas o repasse desse custo para as linhas de crédito demora a aparecer na receita porque os contratos são, em geral, prefixados. No cenário atual, há ainda uma pressão extra decorrente do aumento da competição de fintechs.
"É com uma combinação entre volume de crédito e linhas mais rentáveis que esperam recuperar as margens"
Nos últimos dias, os presidentes dos bancos disseram que o aumento da taxa Selic será repassado aos clientes. Ontem, o Itaú já anunciou o aumento da taxa da linha habitacional mais tradicional de 6,9% para 7,3% ao ano. Foi uma reação à decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, que na quarta-feira elevou os juros básicos da economia em 1 ponto percentual, para 5,25% ao ano, e anunciou que esse movimento continuará até um patamar restritivo da atividade econômica.
O vice-presidente de gestão financeira do BB, José Forni, lembrou que no começo do ano o mercado trabalhava com uma Selic chegando a 3,5% ao ano no fim deste ano, e agora essa previsão já está em 7% ou mais. “No segundo semestre continuaremos com essa trajetória de reprecificação do custo de funding, com a margem sendo comprimida por isso.”
Ainda assim, as instituições financeiras estão otimistas com a expansão do crédito, especialmente para pessoa física e pequenas e médias empresas (PMEs), passada a fase mais crítica da pandemia. Como o risco diminuiu, os bancos também começam a pisar no acelerador em produtos que rendem juros maiores, como o cheque especial e o rotativo do cartão de crédito. Desde o início da crise, eles vinham priorizando linhas com garantia, como financiamento imobiliário e consignado (empréstimo com desconto em folha).
É com essa combinação entre volume e linhas mais rentáveis que esperam, daqui para a frente, recuperar as margens. O lucro ajustado somado dos quatro grandes bancos totalizou R$ 28,4 bilhões no primeiro semestre, com expansão anual de 54,2%. A margem financeira avançou apenas 2,6% no período, para R$ 124,5 bilhões. As receitas de tarifas, que respondem mais rapidamente à melhora na economia, avançaram 4,2%. Enquanto isso, os bancos seguem fazendo um rígido controle de gastos para tentar manter os resultados em alta. As despesas cresceram apenas 0,2%, bem menos que a inflação, que atingiu 8,35% em junho, no acumulado em 12 meses.
“A perspectiva para a margem é muito positiva para o segundo semestre”, afirmou o presidente do Itaú, Milton Maluhy Filho. O banco revisou suas projeções para a carteira de crédito, e agora espera um crescimento de 12,5% a 15,5% neste ano. Antes, o intervalo era de 8,5% a 12,5%. De acordo com o executivo, no ano passado o segmento de atacado cresceu muito mais que o de varejo. Isso começou a mudar no fim de 2020, mas ganhou força no início deste ano, com o avanço de linhas com garantia para pessoa física, com financiamento imobiliário e crédito para veículos. No fim do segundo trimestre começaram a crescer de maneira mais forte as linhas sem garantia, que têm juros maiores.
Para os analistas do Credit Suisse, os riscos para suas projeções sobre o Itaú são de alta. “O forte crescimento do crédito em todas as linhas de consumo e em PMEs, juntamente com o início do retorno de linhas rotativas, nos tornam ainda mais confiantes sobre um forte ambiente de receita para o banco”, disseram.
O Banco do Brasil manteve a estimativa para a carteira total inalterada, mas com uma mudança na composição. O financiamento para empresas deve crescer menos (de 3% a 7%), já que no ano passado os programas emergenciais inflaram os volumes para pequenas companhias. Agora, essas linhas cessaram e muitas das grandes corporações estão preferindo acessar os mercados de capitais. Já no crédito rural o BB elevou a estimativa (11% a 15%), em meio ao bom momento do setor - com a alta das commodities e do dólar.
O Bradesco destacou que, no segundo trimestre, a originação média diária com pessoas físicas evoluiu cerca de 40% em comparação com o segundo trimestre de 2020, impulsionada, principalmente, pela elevada produção de financiamento imobiliário. O presidente do banco, Octavio de Lazari Jr, afirmou que, excluindo a área de seguros, os resultados deste ano já superaram os níveis pré-pandemia e as perspectivas para o ano que vem são ainda melhores, com a economia mais forte e a Selic mais alta ajudando na margem financeira. “Temos todas as premissas para apresentar resultados em 2022 melhores do que em 2021, em que pese o cenário político que se avizinha”, afirmou.
No Santander, o spread recuou para 10,2% no segundo trimestre, ante 10,6% no primeiro trimestre e 10,9% no segundo trimestre do ano passado. Mas o movimento foi compensado pelo volume de operações de crédito. A carteira teve alta de 14,9% em um ano, para R$ 434,797 bilhões, com destaque para pessoa física e pequenas e médias empresas, o que deve continuar nos próximos trimestres. O presidente da instituição, Sergio Rial, afirmou que o Santander está conquistando 600 mil novos clientes por mês, o que representa uma alta de 50% sobre as adições do ano passado. “Este ano vai se caracterizar como ano de crescimento da base de clientes”.
Um dos fatores para que as perspectivas dos bancos para o crescimento do volume de crédito se mantenham positivas é que a inadimplência está muito perto das mínimas históricas. Isso acontece tanto porque os bancos flexibilizaram as condições para boa parte da base de clientes no ano passado quanto pelo fato de a pandemia ter levado outra parcela da população a fazer uma poupança forçada, já que não tinha como gastar com lazer e outras atividades.
As instituições também levam em conta os sinais de alguma recuperação do mercado de trabalho, com o Caged mostrando a criação de 1,536 milhão de postos neste ano, ainda que o desemprego se mantenha elevado. E, embora o endividamento das famílias esteja elevado para padrões históricos, o comprometimento de renda está relativamente estável.
Na visão do analista do setor financeiro da XP, Marcel Campos, neste ano, a postura mais dura adotada pelo Banco Central não deve afetar as expectativas positivas para o crédito. Segundo ele, essa intensidade de aumento da Selic está abordada nas estimativas das principais instituições financeiras. “Não vejo risco de alteração devido a essa taxa apenas", disse.
Na opinião dele, os maiores desafios no curto prazo para os grandes bancos são a competição e as novidades na regulação trazidas pelo open banking (sistema de compartilhamento de informações financeiras entre instituições), que está em processo de implementação.
Um tema que permeou o balanço de todos os bancos foi a reforma tributária. As propostas são de fim dos juros sobre capital próprio (JCP) e compensação com uma redução da alíquota de imposto de renda para pessoa jurídica. Entretanto, isso levaria os bancos a realizarem uma revisão dos seus estoques de crédito tributário, com um impacto negativo no capital de quase R$ 50 bilhões para o sistema financeiro como um todo. Considerando a capacidade de alavancagem dos bancos, a estimativa é que poderia haver uma redução de R$ 500 bilhões em crédito, justamente no momento em que a economia está ganhando tração.
Os presidentes dos bancos explicaram que estão conversando com congressistas, Banco Central e Receita Federal para tentar encontrar uma forma de tornar esse impacto no capital gradual. “Tem de se pensar em modelos de transição, porque sair de um modelo para o outro de forma abrupta gera impacto”, disse Maluhy, do Itaú. “O estoque de crédito tributário não é uma ‘jabuticaba’ brasileira, porque jabuticaba é gostosa, isso é uma maçã bem podre. Só prejudica o patrimônio das empresas, e dos bancos em especial”, afirmou Lazari, do Bradesco.