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Ata reforça visão de Selic nas mínimas até 2022, diz Garde
A taxa básica de juros deve permanecer na mínima histórica de 2% por um período bastante prolongado, com uma normalização da política monetária tendo início, possivelmente, somente em 2022. É o que aponta o economista-chefe da Garde, Daniel Weeks, com base no comunicado e na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC). Ele mantém as projeções de inflação abaixo da meta neste ano, em 2021 e também em 2022, diante da alta ociosidade presente na economia.
Em entrevista ao Valor, Weeks também nota que o cenário de incertezas relativo ao rumo das contas públicas brasileiras pode continuar a afetar os mercados, mas avalia que, no fim das contas, as discussões em torno do Renda Brasil e de programas de auxílio mais abrangentes devem ter resultado positivo.
“No curto prazo, estamos mais pessimistas. Acho que o Brasil vai à beira do precipício, mas não vai se jogar. No fim das contas, o resultado tende a ser bom: ou reformas mais profundas nos gastos serão feitas ou o Renda Brasil não será tão grande quanto se gostaria, mas o teto será mantido em vigor”, afirma o economista. Leia os principais trechos da entrevista.
Valor: Qual a sua avaliação sobre a ata do Copom?
Daniel Weeks: Se alguém esperava uma mudança de posição do BC por causa do mercado ou da inflação, a ata e o comunicado reforçam os sinais anteriores da autoridade monetária. Os dois não trouxeram grandes novidades, mas a ata veio com um ‘checklist’ em que mostra inflação significativamente abaixo da meta, manutenção do regime fiscal e expectativas ancoradas. São os três requisitos para a continuidade do ‘forward guidance’ [prescrição futura] e todos continuam em vigor.
Valor: As projeções de inflação do BC indicam um cenário bastante benigno para os preços no próximo ano. É o que o sr. enxerga também?
Weeks: O cenário do Copom é bem parecido com o nosso. Com essas pressões inflacionárias temporárias e localizadas na parte de alimentos, temos uma projeção de 2,3% para o IPCA neste ano, mas nossa expectativa é de inflação de 2,5% no ano que vem, porque o choque de alimentos vai ser desfeito. Apesar de termos alguma aceleração nos preços industriais e de serviços, o cenário ainda é muito tranquilo e o que gera isso é o hiato do produto, que continua bastante aberto. O ano de 2018 foi bastante educativo nesse sentido porque vimos o câmbio em depreciação e não houve inflação porque o hiato ficou bem aberto e amorteceu possíveis pressões cambiais. Nas nossas contas, o hiato do produto está, agora, duas vezes mais aberto do que em 2018 e, por isso, ele deve continuar absorvendo esse choque e limitando o repasse dos IGPs para o IPCA. Além disso, quando jogamos nossas projeções mais para a frente, vemos inflação de 3,2% em 2022, também abaixo da meta de 3,5%. O hiato só deve se fechar em meados de 2023. Por isso, tudo me faz crer que o BC só vai elevar os juros em 2022, quando estiver olhando para a meta de inflação do ano seguinte.
Valor: O Copom também aponta para incertezas quanto à velocidade de retomada da atividade...
Weeks: Como achamos que o hiato do produto vai demorar para fechar, projetamos uma queda de 4,8% do PIB neste ano, em um resultado amortecido pelos programas do governo e manutenção de renda, mas estamos mais pessimistas com o crescimento no ano que vem. O setor de serviços roda mais devagar e, então, gera uma recuperação mais lenta. É normal porque ainda não temos uma vacina e a retomada do contato social demora. O setor vai ser mais prejudicado mesmo. Além disso, varejo e indústria estão se recuperando melhor devido ao auxílio emergencial. Trabalhamos com um crescimento de 2,1% do PIB em 2021 e o crescimento mais fraco no médio prazo é mais um fator que reforça a tese de que a inflação deve continuar abaixo da meta nos próximos dois anos.
Valor: Como tem visto as discussões em torno de programas do governo e renda básica?
Weeks: O mercado ainda deve sofrer bastante estresse por causa da incerteza fiscal. Vemos uma demanda na classe política para se ter um programa social mais robusto, mas temos uma limitação muito grande dentro do teto de gastos. Dado isso, para se ter um Renda Brasil, ou o teto é flexibilizado ou reformas mais profundas são feitas. A maioria das mudanças propostas até agora de corte de gastos foi descartada pelo presidente. Sobram alguns penduricalhos, mas nenhuma medida economiza tanto por si só. Teria de haver uma cesta de pequenas medidas e eu acho difícil que isso permita a realização de um Renda Brasil muito robusto. Nós calculamos que teria de haver de R$ 30 bilhões a R$ 40 bilhões para se chegar a um benefício médio de R$ 300 a 20 milhões de famílias. É bem complicado fechar a conta e isso indica um pressão grande sobre o teto.
Valor: O mercado pode reagir mais negativamente a pressões sobre teto de gastos e regime fiscal?
Weeks: Não me parece que o mercado seja um mero espectador nessa questão, mas sim um participante ativo. Conforme as ideias mais irresponsáveis, de flexibilização do teto, surgirem, o mercado tende a piorar e ser um elemento educador para a classe política. Assim, quando vemos essa discussão, ainda tem muito pano para manga e a volatilidade e o estresse nos ativos deve continuar para que essas aventuras mais arriscadas sejam seguradas. No curto prazo, estamos mais pessimistas. Acho que o Brasil vai à beira do precipício, mas não vai se jogar. No fim das contas, o resultado tende a ser bom: ou reformas mais profundas nos gastos serão feitas ou o Renda Brasil não será tão grande quanto se gostaria, mas o teto será mantido em vigor. É verdade que os ativos brasileiros já incorporam esse estresse no lado fiscal e poderiam estressar ainda mais. Olhando pelo outro lado, se o mercado acreditar que o teto será mantido, pode gerar uma boa valorização para os ativos brasileiros, que estão muito descontados no momento.
Valor: Uma Selic em níveis mais elevados poderia ajudar na rolagem da dívida pelo Tesouro, como argumenta uma parte do mercado?
Weeks: O Tesouro enfrenta um problema que é de origem fiscal e a solução para isso é fiscal. O BC tem um problema que é inflação baixa e um hiato do produto aberto e a solução para isso é monetária. As coisas, claro, são interligadas, mas não consigo entender como elevar os juros poderia melhorar o problema da rolagem da dívida pelo Tesouro. Não compro esses argumentos. O déficit fiscal é enorme, o mercado pediu prêmio, mas a origem do problema é essencialmente fiscal. Se as reformas forem aprovadas e o teto for mantido e não houver um Renda Brasil super robusto, as condições para a rolagem da dívida tendem a se normalizar.