Clipping
Aperto rápido da Selic ganha força
Às vésperas da reunião que deve sacramentar a primeira elevação da Selic em seis anos, o risco de as expectativas de inflação de 2022 se distanciarem do centro da meta tem feito com que o mercado aposte em um ciclo de aperto monetário bastante acelerado. Embora a ampla maioria dos economistas de mercado aponte para uma elevação de 0,50 ponto na taxa básica, a curva de juros precificava, no fechamento de ontem, 89% de chance de uma alta de 0,75 ponto percentual nesta semana e uma Selic ligeiramente acima de 6,5% no fim do ano.
No Boletim Focus divulgado ontem, a mediana das projeções do mercado para o IPCA no fim deste ano saltou de 3,98% para 4,60%, enquanto o ponto médio das estimativas para o IPCA em 2022 se manteve inalterado em 3,50%. Entre os que integram o grupo dos Top 5 de médio prazo, porém, a mediana das estimativas para o IPCA no fim de 2022 sofreu leve alteração e passou de 3,50% para 3,56%, enquanto a expectativa para a inflação neste ano já está próxima do topo da meta, ao subir de 4,04% para 4,96%.
No momento em que o ano-calendário de 2022 torna-se o principal no horizonte relevante do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central para a calibragem dos juros, o aumento da possibilidade de desancoragem das expectativas é um fator que ganha peso. Alguns economistas acreditam, inclusive, que isso deve levar à adoção de um tom mais duro pela autoridade monetária em sua comunicação nesta semana.
“Quando a gestão da política monetária tem credibilidade, é razoável que o Focus demore um pouco mais [a mostrar movimentos] porque o mercado acredita que o Banco Central fará mudanças com a intenção de fazer a inflação convergir para o centro da meta”, afirma o economista-chefe da Quantitas, Ivo Chermont. Para ele, apesar da alta forte das expectativas para o IPCA neste ano, em níveis bem superiores ao centro da meta, existe, no mercado, a avaliação de que a autoridade monetária fará o necessário para manter as expectativas de 2022 ancoradas.
Em seu cenário básico, porém, a Quantitas já contempla inflação acima da meta tanto neste ano quanto em 2022. Para a gestora, o IPCA encerrará 2021 em 5,1% e chegará a 3,8% no fim do ano que vem. Chermont, que na semana passada trabalhava com um cenário de alta de 0,5 ponto, diz que hoje está “bastante dividido” quanto ao movimento inicial do ciclo de normalização. Para ele, o BC deveria começar esse processo já com uma elevação de 0,75 ponto.
“Se o BC já tem consciência de que terá que elevar os juros em pelo menos 2 pontos percentuais, é razoável que ele vá mais rápido neste começo.” O economista da Quantitas argumenta que, de um mês para cá, o balanço de riscos está mais assimétrico, especialmente devido à variável fiscal, e que, portanto, é preciso maior agilidade para evitar que haja um descolamento das expectativas de inflação de 2022.
Não por acaso, o economista-chefe da Porto Seguro Investimentos, José Pena, acredita que é possível que o Copom do BC acelere o ritmo de elevação da Selic após a reunião desta semana para 0,75 ponto. “Vai depender, sobretudo, de como as expectativas, especialmente as de 2022, vão se comportar. Pode ser que vejamos gradualmente uma contaminação do número do IPCA de 2021 batendo na inflação esperada para 2022. Se o BC acelerar o ritmo não é porque ele está tentando salvar a meta deste ano, mas minorar um possível estrago que 2021 faça nas expectativas de 2022”, afirma.
No cenário da Porto Seguro, o IPCA deve terminar este ano em 4,7% e encerrar 2022 em 3,6%, após a Selic ser levada a 5,5% neste ano. “Se pegarmos a foto de algumas variáveis econômicas e financeiras antes da reunião de janeiro do Copom e compararmos com a foto de hoje, vamos ver um cenário que requer um ajuste mais intenso”, defende.
Pena cita como exemplo a alta da inflação corrente, com um choque de preços que tem sido persistente, e a dinâmica do câmbio, cuja depreciação se deu em um momento de alta das commodities.
O “combo” formado por commodities e câmbio, inclusive, é o principal fator a explicar a dinâmica da inflação no curto prazo e que tem superado a ociosidade da economia, aponta o economista-chefe da Novus Capital, Tomás Goulart. A gestora carioca acredita que o juro básico deve ser elevado já em 0,75 ponto nesta semana e que a Selic deve encerrar este ano em 6%.
“Tentamos ver como o câmbio vai reagir às determinações do BC”, afirma Goulart. “Acreditamos que, de alguma forma, uma alta de 0,75 ponto deveria ajudar a controlar a moeda e recompor parte da credibilidade que vem sendo perdida na condução da política econômica.” Em seu cenário básico, a Novus, que integra o grupo dos Top 5 de médio prazo do Focus para o IPCA, trabalha com a inflação em 3,7% no ano que vem. “Não é nada problemático. É a atuação do BC que impede que você tenha inflação mais alta em 2022”, afirma.
Se a projeção da Novus não se confirmar e o BC elevar em 0,5 ponto percentual a Selic nesta semana, os reflexos vão depender do tom do comunicado do Copom. “Ele pode dar 0,5 ponto e fazer uma comunicação ‘hawk’ [inclinada ao aperto monetário], de que vai atuar de todas as formas possíveis, sem restrições, para levar a inflação de volta à meta. Aí, de alguma forma, pode impedir uma deterioração das expectativas”, aponta Goulart.
Outro integrante do grupo dos Top 5 de médio prazo para o IPCA, a Somma Investimentos vê um ajuste na Selic que deve começar com 0,50 ponto nesta semana e acelerar para 0,75 ponto em maio. “O BC está em uma posição bastante complicada”, afirma a economista Eduarda Korzenowski, ao apontar para o ambiente de fragilidade da atividade diante da reimposição de medidas restritivas de circulação.
Apesar disso, a economista da Somma não acredita que a esperada queda da atividade impeça o processo de normalização devido às expectativas de inflação em alta, aos riscos fiscais e a um processo de vacinação que deve ganhar tração na segunda metade do ano.
Korzenowski projeta o IPCA em 5% no fim do ano e diz acreditar que o viés de alta nas expectativas de inflação de 2021 pode contaminar o número de 2022, especialmente no meio do ano, quando o IPCA deve se aproximar de 8% ao ano. “Se ainda houver um descasamento entre oferta e demanda, é possível haver uma contaminação mais forte das expectativas.”