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Analistas divergem do BC e veem ociosidade maior da economia

Fonte: Valor Econômico - 12/04/2021 às 11h04

Os números divulgados pelo Banco Central sobre o hiato do produto e a avaliação otimista adotada sobre a atividade econômica provocaram questionamentos de alguns economistas. A visão sobre o mercado de trabalho da autoridade monetária, em particular, é vista com ressalvas, no momento em que indicadores de emprego têm mostrado cenários opostos sobre a dinâmica da economia. Nesse sentido, analistas apontam, em particular, que o nível de ociosidade pode ser maior do que o estimado pelo BC e que essa avaliação teria impacto, portanto, nos rumos da política monetária.

“O BC usa informações que dão uma ideia de que a retomada está vindo forte, quando, na verdade, sabemos que vem um cenário de atividade fraca pela frente”, avalia o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, que trabalha com expansão de 2,6% para o PIB neste ano e de 1,8% em 2022. O principal ponto de discordância, em sua avaliação, está no mercado de trabalho, onde as divergências entre os números do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, têm aumentado.

Enquanto o saldo acumulado em 12 meses do Caged mostra abertura de quase 260 mil postos de trabalho com carteira assinada até janeiro de 2021, a Pnad indica que a população ocupada no mercado formal diminuiu em 3,9 milhões em igual intervalo, observa o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale. Em sua visão, a nova série do indicador perdeu relação com a realidade econômica do país. “O BC não pode chegar e falar que o Caged tem problemas, mas poderia usar outras estatísticas mais coerentes.”

Segundo Vale, é possível que a retomada da economia ganhe fôlego no segundo semestre, mas não é o Caged que vai dizer se isso vai acontecer. E um problema adicional de o BC usar esse dado, que mostra um mercado de trabalho aquecido, para dar base à análise sobre atividade, é que isso pode passar ao mercado uma mensagem de preocupação ainda maior com a inflação, acrescenta o economista da MB. “A inflação está subindo e o BC precisa lidar com ela, mas não é por pressão de demanda”, diz.

Na ata da reunião do Copom de março, o colegiado apontou que os dados de atividade e do mercado de trabalho formal “sugerem que a ociosidade da economia como um todo se reduziu mais rapidamente do que o previsto, apesar do aumento da taxa de desemprego”. Ao participar de “live” na semana passada, o diretor de Política Monetária do BC, Bruno Serra Fernandes, apontou que o Copom tem dado mais foco ao Caged, que parece ser mais consistente com o ritmo atual da economia.

Vale acredita que o BC agiu corretamente ao elevar a Selic de forma mais célere diante de um choque do câmbio e dos preços das commodities, que deve levar a inflação em 12 meses acumulada no IPCA a se aproximar de 8% na metade do ano. No entanto, para ele, os argumentos usados pelo BC para dar base à decisão precisariam ser outros.

“O BC tomou decisão com um cenário base que tem uma postura bastante otimista com a atividade”, afirma Ricardo Barboza, professor colaborador da Coppead/UFRJ. “Minha leitura é de que a projeção de inflação do BC está muito para cima. Quando colocamos no modelo do BC uma ociosidade menor, um crescimento do PIB menor e uma taxa de câmbio um pouco mais apreciada, a inflação fica abaixo da meta de 3,5% em 2022, que já era o principal ano-calendário no horizonte relevante do BC.”
 
Barboza lembra que, no Relatório de Inflação (RI) de dezembro, o BC revelou que sua medida para o hiato estava negativa em 3,9% no fim do quarto trimestre de 2020. Esse número, aponta o economista, é mais otimista do que outros cálculos disponíveis. Barboza diz gostar de observar o hiato por meio de uma média das estimativas da LCA Consultores, do Instituto Fiscal Independente (IFI) e do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV. Essa média apontava para um hiato de -4,5% no fim de 2020.

Barboza lembram ainda, que a estimativa do BC para o hiato no fim do primeiro trimestre deste ano era de -3,0% no RI de dezembro. “O curioso é que no RI de março, o BC fez uma comunicação no sentido de que os dados de atividade e do mercado de trabalho formal sugeriam que a ociosidade se reduziu mais rapidamente do que o previsto, mas ele revelou que a estimativa de hiato para o primeiro trimestre estava em -3,2%, ou seja, a ociosidade se reduziu menos do que o previsto.”
 
Economista sênior da LCA Consultores e pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), Bráulio Borges lembra que a lei já aprovada e sancionada que ampliou a autonomia do BC estabeleceu um mandato dual à autoridade monetária: sem prejuízo para a meta inflacionária, agora, a instituição também precisa suavizar flutuações econômicas com o objetivo de promover o pleno emprego. Contudo, destaca Borges, mais de um mês após a mudança, o site oficial do BC ainda não atualizou a missão do órgão, que segue descrita como “assegurar a estabilidade do poder de compra da moeda e um sistema financeiro sólido e eficiente.”

“É como se nada tivesse acontecido”, diz o economista, que também nota que o último RI não abordou o novo mandato em nenhuma seção. “Se antes o BC tinha que analisar a atividade pelos efeitos dela sobre a inflação, com o novo mandato ele precisa olhar concretamente para as duas variáveis”, afirma Borges. Ele pondera que a autoridade monetária tem divulgado sua própria estimativa de hiato, mas sem conciliá-la com a estratégia de política monetária no momento.
 
“Os próprios números do BC mostram uma ociosidade menor que o fundo do poço do fim do ano passado, mas muito maior do que no início da pandemia, que era de -2,0%”, menciona o pesquisador, que aponta, ainda, a ênfase grande dada a indicadores do último trimestre do ano passado e a projeção de crescimento de 3,6% para o PIB em 2021 como outros pontos que mostram que o BC pode estar superestimando a atividade.

Segundo Borges, com a piora da pandemia cobrando seu preço em termos de atividade e elevada probabilidade de que a economia volte a entrar em recessão técnica - quando o PIB cai por dois trimestres seguidos - no primeiro semestre, o BC parece estar “atrás” da curva em sua avaliação sobre a atividade. Por isso, preocupa a possibilidade de que a normalização da política monetária ocorra em ritmo mais rápido, afirma ele. “Se o BC for demais nesse aperto, ele pode levar a inflação de 2022, que já deveria ser o foco, para um nível abaixo da meta [3,5%]”, alerta.

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