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Análise: CMN evita alta da inadimplência, mas não garante oferta do crédito
As medidas anunciadas nesta manhã pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) devem evitar uma alta da inadimplência ligada à crise do coronavírus. Mas não são capazes de garantir a oferta do crédito enquanto persistirem incertezas no cenário econômico, a não ser que o governo faça um uso mais intensivo dos bancos públicos.
Os bancos, de forma geral, já estão com uma boa margem no seu capital principal em relação aos mínimos regulatórios. Em momentos de estresse, eles costumam procurar manter bons índices de capitalização para mostrar solidez.
As medidas anunciadas pelo CMN têm duas vertentes. De um lado, permitem que a renegociação de dívidas de famílias e empresas que tiverem dificuldades durante o surto do coronavírus não impacte os provisionamentos dos bancos. De outro, faz um alívio temporário no requerimento de capital de Basileia 3 para incentivar a continuidade do crédito.
O CMN suspendeu por seis meses uma regra que diz que os bancos devem fazer provisões se renegociarem uma operação de crédito com atraso de mais de 90 dias ou se, nessa repactuação, concederem descontos devido à fragilidade da capacidade de pagamento do devedor ou das garantias.
Essa suspensão teve efeito quase que imediato. A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) divulgou nota dizendo que os cinco maiores bancos do país estão abertos a atender pedidos de prorrogação, por 60 dias, de vencimentos de dívidas de pessoas físicas e pequenas empresas, limitados aos valores negociados.
A medida é muito importante, porque evita uma alta na inadimplência nos bancos, que mais adiante poderia levar a uma restrição mais severa de crédito, além de dar um alívio de caixa a pequenas empresas e famílias endividadas.
A outra medida anunciada pelo CMN reduz um dos adicionais de capital principal de Basileia – chamado de conservação – de 2,5% para 1,25% dos ativos ponderados pelo risco, pelo prazo de um ano. Depois, o percentual será recomposto gradualmente, até marco de 2022.
Esse adicional de capital foi criado por Basileia 3 depois da crise internacional de 2008 justamente com essa função: é um colchão de capital que os bancos acumulam nos momentos em que a economia cresce, para ser usado nos períodos de forte contração.
Quando os bancos caem abaixo do nível mínimo do capital conservação, são obrigados a parar de distribuir dividendos e a suspender bônus para os seus executivos.
A mudança na regra abre uma margem adicional de R$ 637 bilhões para novas operações, mas a questão é se os bancos brasileiros vão, mesmo, precisar desse colchão. Hoje, em geral eles estão muito bem capitalizados. Para os grandes, a exigência é um capital principal básico (4,5%), mas o adicional e conservação (2,5%) e uma camada extra para o risco sistêmico (1%). No total, dá uma exigência de 8%. A regra do CMN dá uma folga de 1,25 ponto nessa exigência.
Dados do Banco Central referentes a setembro de 2019 mostram que, no geral, os grandes bancos estão com índices ao redor de 13%. A exceção é o Banco do Brasil, com um índice de 10,24%, mas mesmo assim com uma folga em relação ao requerimento mínimo.
A outra questão é se os bancos vão querer expandir crédito. Há um debate entre especialistas sobre o quanto essas regras de Basileia 3 tornam os bancos ainda mais cautelosos, procurando mostrar que têm níveis de capital acima dos mínimos legais nos períodos de estresse– o que reduz custos de captação e afeta positivamente os resultados.
Crises anteriores mostram que, na verdade, não é necessariamente a falta de capital ou liquidez que faz os bancos se retraírem durante períodos de estresse econômico (a não ser pelas instituições de menor porte), mas sim uma aversão a assumir riscos expandindo a carteira num período de mais incerteza. Como diz o ditado, você pode levar o cavalo até a beira do rio, mas não tem como obrigá-lo a beber água.
É por isso que, em períodos de crise no passado, os bancos públicos assumiram o protagonismo na oferta de crédito à economia, operando de forma anticíclica.