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'Nenhuma fintech dá crédito como a Casas Bahia', diz presidente da Via

Fonte: Folha de S. Paulo - 08/11/2021 às 02h11

Vender parcelado para quem não pode pagar à vista. A estratégia criada nos anos 1950 pela Casas Bahia para atender quem traz dinheiro contado no bolso continua atual.
 
A cada parcela paga, o consumidor de baixa renda se sente mais confiante em fazer uma nova compra e, assim, ajudar a movimentar um negócio que faturou mais de R$ 34 bilhões em 2020.
 
O negócio hoje se chama Via e reúne as lojas de Casas Bahia e Ponto (antiga Ponto Frio), formando uma das maiores varejistas de móveis e eletrodomésticos do Brasil. O mote do "compre agora, pague depois" ganhou cada vez mais força desde 1957, quando foi inaugurada a primeira Casas Bahia em São Caetano do Sul, região metropolitana de São Paulo. ?
 
Dos antigos carnês que fidelizaram a clientela, a Via começa agora a oferecer dinheiro vivo a quem mais precisa: em julho, a empresa foi autorizada pelo Banco Central a operar a sua plataforma financeira digital, a BNQI Sociedade de Crédito, sob a bandeira do banco digital BanQi.
 
Desde então, vem oferecendo empréstimo mesmo a quem não é cliente.
 
"Hoje existe um monte de fintech, mas quem dá crédito? Cerca de 40% dos brasileiros não têm conta financeira, não têm histórico de relação financeira, não têm cartão de crédito. Uma grande massa de brasileiros não tem emprego fixo. Está no nosso DNA dar crédito para esse público", diz Roberto Fulcherberguer, presidente da Via.
 
"Não é simples. Quem tentou, andou tendo problemas sérios de inadimplência. Mas nós temos mais de 60 anos de experiência embarcados em modelos de crédito para a baixa renda."
 
Segundo Fulcherberguer, a empresa começou a fazer empréstimo pessoal desatrelado da compra de produtos. "É empréstimo pessoal puro, mesmo. Está sendo um sucesso", diz ele, que está ansioso em começar a oferecer crédito também aos vendedores do marketplace da Via, os "sellers".
 
"Quando o consumidor for comprar online um item que esteja em diversos marketplaces, no nosso ele vai contar com um diferencial: se não tiver cartão de crédito ou tiver um limite baixo, vai poder pagar no crediário. Esta talvez seja uma venda que o seller não conseguiria fazer em outros locais, mas vai conseguir conosco. É um facilitador gigantesco", afirma o executivo, lembrando que 2021 tem sido "o ano do marketplace na Via".
 
A empresa conquistou em setembro 100 mil sellers na sua plataforma, um salto em relação aos 10 mil que somava em janeiro. Todo o interesse nas vendas digitais tem um motivo: o online já representa 60% do faturamento da Via, que foi de R$ 18,1 bilhões no primeiro semestre do ano.
 
A entrevista foi concedida antes da empresa entrar em período de silêncio, em 18 de outubro, devido à divulgação do balanço do terceiro trimestre.

?Como está o retorno dos consumidores às lojas físicas, à medida que as restrições contra a pandemia são relaxadas? Não vemos as lojas com a mesma intensidade que a gente via, quando houve a reabertura no ano passado. Ainda não dá para saber se é um retrato do momento, ou se é uma tendência, está muito cedo ainda. Mas seguimos com crescimento acelerado, capturando participação de mercado. O digital continua forte, mesmo com a reabertura. Cada vez vai ficar mais difícil entender a origem das vendas. O vendedor está fisicamente na loja, mas fazendo uma venda online, por exemplo.
 
Assim que a pandemia começou e as lojas fecharam, equipamos todos os nossos vendedores, que hoje somam 23 mil, com um novo canal de vendas pelo celular, o "Me Chama no Zap", de vendas pelo WhatsApp. No segundo trimestre deste ano, o vendedor online respondeu por R$ 2,1 bilhões de GMV [volume bruto de mercadoria, indicador de vendas online]. Do total do canal, 30% são de novos clientes, que nunca haviam tido contato com a nossa plataforma. Outros 30% são clientes que estavam na nossa base de 97 milhões de consumidores como inativos, e foram reativados.
 
Mas a grande maioria do Brasil ainda não compra online, as vendas na internet representam só 11% das vendas do varejo. Para nós, porém, elas já são 65% do total.
 
A disputa deixou de estar focada nas lojas e migrou para o digital? É o que explica o fato de a Via ter fechado cerca de cem lojas entre o terceiro trimestre de 2020 e o primeiro trimestre deste ano? Existia muita sobreposição de lojas, mais de uma na mesma rua ou até no mesmo quarteirão. Era a maneira que o varejo crescia antigamente, quanto mais pontos, melhor. Nós continuamos com bons pontos e eles são fundamentais dentro dessa nova realidade do consumidor multicanal. Eles funcionam como hubs [centros] logísticos e, ao mesmo tempo, um espaço de relacionamento com o cliente e como exposição do nosso mix de produtos.
 
Ao final do segundo trimestre, somamos 1.009 pontos de venda. Temos também 1,1 milhão de metros quadrados de CDs [centros de distribuição]. Mas isso não resolve a minha logística, porque não é a última milha, não chega próximo ao cliente. Daí o fato de as lojas terem importância estratégica. O cliente pode comprar online e buscar na loja, ou receber em casa, a partir do estoque da loja mais próxima.
 
Temos muita capilaridade. Entregamos no mesmo dia em 500 cidades do país. Aliás, dos 5.570 municípios do Brasil, existem apenas três para os quais ainda não vendemos, ainda não chegou produto nosso: Itamarati (AM), Uiramutá (RR) e São Félix do Tocantins (TO). Mas vamos fazer uma ação de telemarketing para resolver isso [risos].
 
Qual será o perfil do consumidor da Casas Bahia e do Ponto dentro de dez anos? O consumidor vai comprar quando, onde e como quiser. Começar o processo na loja, por exemplo, e finalizar no online. Cada vez mais o centro da estratégia será o cliente, e não o meio em que ele compra. Vamos olhar o lifetime value, ou seja, o ciclo de vida deste cliente, quanto em média ele investe nos produtos ou serviços no período em que se relaciona com a empresa.
 
Além da capilaridade, nosso grande diferencial é crédito. O consumidor quer relacionamento, não uma venda online fria. Se ele está na loja e faz o login na nossa rede wifi, posso chamá-lo pelo nome. E ao mesmo tempo ter na mão o seu histórico de compras, saber o que ele já adquiriu e pode precisar.
 
A Via recebeu autorização do Banco Central para começar a oferecer crédito pessoal. A empresa já tem tradição em vender para a baixa renda. Mas não teme uma inadimplência maior neste momento de crise? Já começamos a fazer empréstimo pessoal desatrelado da compra de produtos. É empréstimo puro, mesmo, coisa que a gente não fazia.
 
Está sendo um sucesso. A gente já tem uma longa relação financeira construída com os consumidores de baixa renda, temos uma grande massa de informações que está sendo trabalhada pelos nossos motores de crédito.
 
Ainda não podemos abrir números, mas estamos muito felizes com o desempenho da concessão de empréstimo pessoal. Muito felizes com letra maiúscula. A inadimplência é comparável ao que a gente tem na operação de carnê digital, abaixo de 5%. Se o consumidor tem cinco contas na frente para pagar, a nossa tem privilégio. É a empresa que lhe dá acesso ao que ele precisa. É uma relação diferenciada, humanizada.
 
Qual a taxa de juros cobrada? A taxa é por CPF, personalizamos de acordo com o histórico do cliente ou o seu score [pontuação que indica se é bom ou mau pagador]. A chance de ele ter seu crédito aprovado conosco é muito mais assertiva do que em outras plataformas. Identificamos que 45% dos consumidores que compram pelo carnê digital declaram que não têm outra forma de comprar financiado se não for por meio dessa plataforma.
 
Apesar de todas as fintechs? Hoje existe um monte de fintech, mas quem dá crédito? Cerca de 40% dos brasileiros não têm conta financeira, não têm histórico de relação financeira, não têm cartão de crédito. Uma grande massa de brasileiros não tem emprego fixo. Está no nosso DNA dar crédito para esse público. Não é simples. Quem tentou, andou tendo problemas sérios de inadimplência. Mas nós temos mais de 60 anos de experiência embarcados em modelos de crédito para a baixa renda. Não é algo que vira de um dia para o outro.
 
Esta companhia se relacionava com os avós, com os pais e agora com os filhos de uma mesma família. São três gerações, eu fico até arrepiado ao pensar nisso. Vemos gente comemorando agora as oportunidades de acesso a bens que os pais e os avós tiveram. Temos uma baita ferramenta de inclusão nas mãos, poderosíssima, que a gente trata com todo o cuidado, todo o carinho, para que ela cumpra uma função social importante.
 
A disputa entre os sellers tem aumentado muito entre Via, Magazine Luiza, AliExpress, Mercado Livre e Americanas.com. Por quê? O seller é um lojista e o marketplace é um grande shopping digital. O seller quer estar em um bom shopping, com um bom nível de serviço e um bom fluxo de clientes. Por mais que ele queira estar em todos os marketplaces, não é interessante negociar a entrega com todos, porque isso envolve mais capital de giro, é mais estoque que ele tem que comprar, para colocar em mais frentes de venda.
 
Vamos oferecer ao seller o modelo fullfilmet: ele poderá colocar o seu estoque dentro dos nossos CDs. Nós gerenciamos esse estoque e fazemos toda a logística, mesmo de uma venda que seja da concorrência. Isso porque eu tenho custo bastante competitivo de logística, opero no Brasil inteiro. Só vou colocar mais caixas para movimentar, o que vai diluir o meu custo.
 
Da mesma forma, se o consumidor não gostou do que comprou com este seller e quiser devolver, não precisa ir até uma agência dos Correios para a logística reversa. Vai a qualquer loja da Via e faz a devolução. Pode inclusive trocar por outro item ali mesmo. É a ominicanalidade ao extremo.
 
E qual o diferencial financeiro da Via para o seller? Até o começo de 2022, o BanQi vai oferecer crédito como serviço, disponível para os nossos sellers. Em vez de passar o cartão de crédito do seu cliente, o seller poderá fazer a venda usando nosso modelo de financiamento. Para o lojista é muito bom, ele fica sem os custos de MDR [taxa de processamento de pagamentos no cartão]. É bom para nós, porque adicionamos novos clientes ao nosso ecossistema. Temos a vantagem logística, a do serviço financeiro, e de um grupo de 23 mil vendedores trabalhando para ele.
 
O "Me Chama no Zap" já representou, ao final do segundo trimestre, 18% do GMV do nosso marketplace. Não por acaso, este é o ano do marketplace na Via. Começamos 2021 com 10 mil sellers e atingimos 100 mil em setembro.
 
A Via mudou de sede [está no Eldorado Business Tower, em Pinheiros, zona oeste de São Paulo], deixando para trás o velho prédio em São Caetano do Sul, onde nasceu a Casas Bahia – símbolo de um passado de conquistas, mas também de escândalos envolvendo parte da família fundadora, os Klein. O quanto os conceitos ESG são relevantes na nova trajetória da Via? Tenho 97 milhões de clientes. Como posso me relacionar com a diversidade brasileira, se ela não estiver representada na minha força de trabalho? Hoje somos 46 mil funcionários, mais da metade da equipe é formada por mulheres. Nossa meta é colocar 42% de mulheres na liderança até 2025 –hoje, são 25%. Somos signatários no Movimento pela Equidade Racial e, dentro de quatro anos, vamos ter 45% de pessoas negras em cargos de gerência. Também queremos talentos de diferentes idades. Recebemos trainees de 50 anos no programa que abrimos no ano passado.
 
Agora, vamos implementar o maior programa de logística reversa do Brasil. Mais de 400 lojas já começam a recolher eletrodomésticos usados, que são enviados a um serviço de descarte adequado. O varejo tem uma grande responsabilidade na economia circular. Não quero saber de sofá boiando em enchente.

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