Publicado em 15/12/2010 | Ciro Expedito Scheraiber -
Gazeta do Povo - PR
O Cadastro Positivo cria uma casta de excluídos: os que são bons pagadores, mas que não utilizam o sistema financeiro de créditos. Esses não terão privilégios
Quem nunca se irritou com as dezenas de ligações de telemarketing de bancos e instituições financeiras oferecendo serviços o tempo todo, por telefone? Com a aprovação do chamado Cadastro Positivo, o incômodo tende a aumentar.
É sabido que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) já prevê o cadastro de inadimplência, costumeiramente chamado de cadastro de maus pagadores. São os temidos Serviços de Proteção ao Crédito – SPCs ou Seprocs – os Cadins – Cadastro de Inadimplentes, entre outros. As associações comerciais, em geral, administram esses bancos de dados e controlam a situação de inadimplência nas relações comerciais.
A pretensão agora é criar o chamado Cadastro Positivo de Dados, que terá a incumbência de guardar dados de consumidores considerados bons pagadores. Ou seja, aqueles que necessitam ou preferem utilizar créditos e pagam as dívidas em dia. A promessa é a de que esses consumidores terão privilégios na hora de conseguir novos empréstimos, seja pela facilitação de exigências pessoais, seja pelas taxas diferenciadas de juros.
No entanto, o projeto de lei, que já foi aprovado pelo Senado Federal e que aguarda a sanção do presidente de República, ofende o princípio constitucional da igualdade, já que desconsidera o consumidor que paga suas contas à vista. Dessa forma, o Cadastro Positivo cria uma casta de excluídos: os que são bons pagadores, mas que não utilizam o sistema financeiro de créditos. Esses não terão privilégios!
Outra justificativa dos adeptos ao Cadastro Positivo seria a de que esse sistema ajudaria a baixar os juros dos empréstimos bancários. No entanto, estudos jurídicos e econômicos não confirmam isso. Exemplo é o SRC (Serviço de Registro de Créditos) do Banco Central, que tem função semelhante à que se pretende o Cadastro Positivo: armazenar informações dos “bons pagadores”. Ou seja, a criação de mais um banco de dados, agora inserido no Código de Defesa do Consumidor, certamente não proporcionará a baixa dos juros.
Na verdade, o Cadastro Positivo irá favorecer não os consumidores, e sim os bancos, uma vez que, historicamente, a concessão de crédito está ligada aos lucros bancários, os chamados spreads. Para se ter uma ideia, o spread bancário brasileiro é um dos mais altos do mundo, supera o do Chile em 12 vezes. Segundo especialistas econômicos, os brasileiros pagam juntos cerca de R$ 261 bilhões de juros bancários ao ano.
Diferentemente do cadastro negativo, o Positivo não exige um comunicado prévio, informando que o consumidor terá os dados registrados. O argumento é que, se o cadastro é positivo, o comunicado seria dispensável. Porém os consumidores não terão a opção de não fornece r informações ao cadastro, o que poderá trazer diversos prejuízos. Por exemplo, no caso de empresas consumidoras, que poderão ter seus dados revelados à concorrência.
O acesso a esses dados fere o princípio constitucional da privacidade. Afinal, os fornecedores poderão exercer com mais intensidade a oferta de créditos, porque detêm um precioso rol de bons pagadores, potenciais clientes para novas operações bancárias. Outro aspecto sensível ao controle desses dados é a prática da comercialização, de forma lucrativa, dos dados cadastrais dos consumidores aos comerciantes, que utilizam as informações para fazer propaganda de seus produtos e serviços. Ainda que o crédito seja necessário para o incremento do comércio, o superendividamento tende a aumentar!
E como prêmio, os “bons pagadores” do sistema financeiro de crédito receberão mais uma centena de ligações de telemarketings querendo vender seus serviços! E não vai adiantar mudar o número do celular, pois os seus d ados serão descobertos!
Ciro Expedito Scheraiber, procurador de Justiça, é coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor do Paraná.
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