Desde o início deste mês, boa parte dos bancos reduziu em até 30% a oferta de crédito consignado, lançado com todas as pompas em 2004 pelo governo Lula para tornar os empréstimos mais acessíveis e baratos. Três fatores são apontados pelas instituições — principalmente as de menor porte, que têm no consignado a principal fonte de ganho — para justificar tal movimento.
O primeiro é o aumento da taxa básica de juros (Selic) iniciado em abril e que deve se estender até o final do ano. Os bancos passaram a pagar mais caro pelos recursos que captam no mercado e repassam à clientela. Mas como há limites na cobrança de taxas (o teto é de 2,5% ao mês) para o consignado concedido a servidores públicos e a aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), os principais tomadores dessa linha de crédito, a margem de ganho das instituições diminuiu.
O segundo motivo foi a decisão do Banco Central de proibir a cobrança da Taxa de Abertura de Crédito (TAC) desde o último 30 de abril. No geral, a TAC era de R$ 600. E como esse valor era embutido no financiamento, sobre ele acabava incidindo juros, tornando-se receita adicional para os bancos. O terceiro fator também decorre de decisão do BC. Para evitar o aumento indesejado na inadimplência, a instituição passou a exigir mais capital dos bancos para cobrir eventuais prejuízos.
Tal exigência afetou, sobretudo, os bancos menores, que vinham vendendo suas carteiras de consignado para instituições de maior porte como forma de abrir folga para novas operações. Como, porém, ficavam responsáveis por 50% do risco das carteiras, o BC determinou que, mesmo nesses casos, os bancos deveriam reforçar o capital. Ou seja, sobrou menos espaço para emprestar. “Pode não parecer, mas, juntas, essas três medidas tiraram a atratividade dos empréstimos consignados”, diz José Luiz Rodrigues, sócio da JL Rodrigues Consultores, que assessora quase 30 instituições financeiras.
Margem menor Mas não é só. Com margem menor de lucro, os bancos que operam por meio de promotores, os chamados “pastinhas”, cortaram pela metade a remuneração desses profissionais, que perderam o entusiasmo para correr atrás da clientela. Eles recebiam até 20% dos ganhos com as operações. Agora, o abono não passa de 10%. Além disso, o INSS reduziu de 30% para 20% o limite máximo dos benefícios pagos a aposentados e pensionistas que podem ser comprometidos com o consignado.
Quem acompanha os dados mensais do mercado de crédito divulgados pelo BC percebeu que, desde o início de 2007, o ritmo de crescimento das operações de consignado vem diminuindo. Nos 12 meses terminados em abril daquele ano, por exemplo, a taxa de expansão desses empréstimos estava acima de 44%. Em março último, havia caído para 30%. Esse movimento, segundo técnicos do BC, refletem, de um lado, a menor capacidade de endividamento de segurados do INSS e de servidores públicos , e, de outro, a oferta ainda pequena desse tipo de operação aos trabalhadores da iniciativa privada, que, ao contrário dos funcionários públicos, podem ser demitidos a qualquer momento — por isso, o risco de inadimplência é maior.
Na avaliação de Paulo Bonzanini, diretor de Varejo do Banco do Brasil, que detém 18,5% do mercado de consignado no país, apesar de todas as limitações, ainda há um espaço enorme para se expandir os empréstimos com desconto em folha. Ele conta que, nos primeiros três meses do ano, a carteira do BB cresceu 9% contra a média de 6,9% do mercado. Segundo Mário Neto, superintendente Nacional da Caixa Econômica Federal, certamente o crescimento do consignado será menor do que em 2007. E vários bancos estão revendo custos e refazendo os modelos de negócio. “Particularmente, a Caixa não tem do que reclamar. O crédito consignado entre janeiro e abril foi 13% maior do que o registrado no mesmo período do ano passado”, afirma.
Pode não parecer, mas, juntas, essas três medidas tiraram a atratividade dos empréstimos consignados |
José Luiz Rodrigues, da JL Rodrigues Consultores
Ritmo menor
Empréstimos com desconto em folha começam a perder o fôlego
Evolução do saldo (Em % em 12 meses)
Abr/07 - 46,4 Jun/07 - 44,6 Jul/07 - 39,7 Ago/07 - 37,7 Set/07 - 36,3 Out/07 - 34,9 Nov/07 - 35,0 Dez/07 - 33,8 Jan/08 - 32,2 Fev/08 - 31,1 Mar/08 - 30,9
O que vai acelerar a retração
Fim da cobrança da Taxa de Abertura de Crédito (TAC) — Desde o início de maio, os bancos não podem cobrar mais tal tarifa. Em alguns casos, ela chegava aos R$ 600, valor sobre o qual ainda incidia juros, já que era incorporado ao financiamento;
Aumento da taxa básica de juros (Selic) — A decisão do BC de elevar os juros para conter a inflação encareceu a captação de recursos que os bancos fazem no mercado para repassar à clientela. E como há limite para as taxas cobradas de aposentados e servidores, os maiores tomadores, a margem de lucro diminuiu bastante;
Exigência maior de capital para operar com crédito — Temendo uma onda de inadimplência, o BC passou a exigir mais patrimônio dos bancos para operar com crédito. Mesmo quando uma instituição vende sua carteira para outro banco, deve ter o capital correspondente aos empréstimos para cobrir eventuais prejuízos.
Fonte: Banco Central e bancos |
Foco em linhas com taxa maior
Paulo H. Carvalho/CB/D.A Press - 28/3/07 |
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Altamir Lopes, do BC: “Lógico que veremos uma acomodação” |
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Com os ganhos menores no crédito consignado, cujos riscos são praticamente nulos quando os empréstimos são feitos a servidores públicos, os bancos estão mudando o foco de atuação e ampliando os financiamentos que garantam rentabilidade maior. É o caso do Banco Pine, cujos lucros cresceram 92% no primeiro trimestre deste ano ante o mesmo período de 2007.
A instituição passou a privilegiar o atendimento a empresas de médio porte, que já representam 70% de sua carteira de crédito. O consignado, que chegou a responder por 50% dos negócios do Pine, agora não passa de 30%. E a estratégia deu certo. Entre janeiro e março deste ano, os financiamentos a empresas, que vêm tirando proveito do forte crescimento da economia, avançaram 13% frente ao último trimestre de 2007. Na mesma comparação, os empréstimos com desconto em folha aumentaram 6,9%.
Os bancos também estão tirando proveito da demanda maior pelas linhas de crédito do cheque especial e do uso crescente do cartão de crédito, justamente as operações que cobram os juros mais elevados do mercado — superiores a 150% ao ano. Nos três primeiros meses do ano, o uso do especial aumentou 6% e o do cartão de crédito, 9,2%. No caso do primeiro, particularmente, as pessoas estão demandando mais porque já estão atoladas em outras modalidades de financiamento.
Crescimento saudável Para o chefe do Departamento Econômico do Banco Central, Altamir Lopes, a demanda por crédito está crescendo a um ritmo bastante saudável, com a inadimplência sob controle. Segundo ele, mesmo em desaceleração, a procura por consignado continua forte. “Crescer a um ritmo de 30% em 12 meses ainda é muito bom. Mas é lógico que veremos uma acomodação”, afirmou. Pelas contas do BC, até março deste ano, o saldo dos empréstimos com desconto em folha era de R$ 69,167 bilhões, dos quais R$ 59,892 bilhões liberados para servidores públicos e aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e R$ 9,276 bilhões, para trabalhadores da iniciativa privada.
O consignado representa 56,4% da carteira total do crédito pessoal concedido pelos bancos. Em março, as taxas de juros dos empréstimos com desconto em folha atingiram o menor nível desde que tal modalidade foi criada, há quatro anos: 27% ao ano, devido à decisão do INSS e do Ministério do Planejamento de reduzirem para 2,5% ao mês a taxa máxima cobrada de aposentados e do funcionalismo. No crédito pessoal tradicional, os juros estão em 67,4% ao ano. (VN - colaborou Edna Simão)
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