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Crédito vai reduzir crescimento, diz Goldfajn

16/09/2008 às 12h25

Vera Saavedra Durão
12/09/2008 - Valor Econômico

Ilan Goldfajn: governo precisa tomar cuidado na discussão do pré-sal

O ex-diretor do Banco Central Ilan Goldfajn, sócio da Ciano Investimentos, vê sinais de desaceleração na economia brasileira por conta da crise mundial de crédito, apesar de o Produto Interno Bruto (PIB) ter crescido 6% nos seis primeiros meses do ano. O Brasil não sairá ileso desse processo, pois começa a faltar dinheiro para bancos e empresas e a restrição de crédito acaba afetando a economia real, diz. Ele prevê a economia caminhando nos próximos seis meses em direção a taxas de crescimento menores, entre 3,5% a 4% em 2009, por conta da desaceleração mundial e do juro alto no Brasil

Para Goldfajn, as quedas recentes da Bovespa têm a ver com o recuo do preço das commodities afetadas pela crise dos mercados. Boa parte das companhias com ações negociadas no mercado de capitais brasileiro são produtoras de minério, petróleo e commodities agrícolas e metálicas, como é o caso da Vale e da Petrobras, lembra.

Ele não crê, porém, que o mundo esteja vivendo uma crise financeira de caráter estrutural e sem prazo para terminar e está sim diante de uma crise financeira sistêmica acoplada a uma desaceleração de médio prazo decorrente de mudança de ciclo econômico, que poderá durar até 2010. "Viemos de um ciclo muito positivo de crescimento e agora estamos vivendo o ciclo das vacas magras", alerta. No novo ciclo, os países desenvolvidos estão sendo mais afetados, mas a China também desacelera junto com outros Brics. E, a partir de 2010, haverá uma retomada econômica desses países, com o Brasil virando protagonista desse novo desenho da economia mundial, graças ao pré-sal

Valor: O PIB brasileiro cresceu 6% no primeiro semestre. Acha possível manter esse ritmo de atividade num mundo em crise?

Ilan Goldfajn: A divulgação do PIB mostra a economia no semestre crescendo em torno de 6% em ritmo forte, puxada por investimento, demanda interna e consumo. Mas acredito que ela vai acabar reduzindo seu ritmo, em direção a 3,5% e 4% em 2009. O consumo vai diminuir um pouco e o investimento vai desacelerar. Esse processo de desaceleração já começou, mas não é visível ainda nos principais indicadores macros, como o PIB. Mas o crédito está ficando caro. O custo de captação dos bancos já subiu, o próprio Tesouro está com dificuldade de emitir títulos a preços antigos e tem que pagar um pouco mais nas LTNs. Está faltando dinheiro. O capital de giro das empresas está mais caro e a captação lá fora mais restrita para quem capta. A restrição de crédito acaba afetando a economia real.

Valor: Isso acontece também com o crédito ao consumidor?

Goldfajn: O crédito a pessoa física ainda está crescendo a taxas elevadas. Quem está sentindo o aperto é gente que precisa tomar dinheiro grande, como bancos e empresas. O pequeno consumidor está comprando carro e imóvel e ainda não sentiu essa restrição, mas vai acabar sentindo ao longo dos próximos seis meses devido a combinação de juro alto aqui e crise de crédito lá fora.

Valor: Além da crise de crédito, que outros fatores externos estão influindo na economia brasileira?

Goldfajn: A economia mundial está desacelerando e derrubando os preços das commodities e em conseqüência reduzindo as exportações brasileiras, que em grande parte dependem da venda desses produtos, como o minério. O fato vai levar o Brasil a ter perdas nos seus termos de troca. Os ganhos obtidos no passado podem reverter em perdas a médio prazo e isso é ruim.

Valor: O que vem derrubando a bolsa de valores?

Goldfajn: A Bolsa (Bovespa) está caindo pelo efeito commodity. A crise está derrubando o preço das commodities, o que afeta o valor dos ativos financeiros e leva à depreciação do real. Não podemos esquecer que a as ações negociadas na Bolsa são de companhias que produzem commodities, como Vale, Petrobras e siderúrgicas. Essas empresas representam parte muito grande do Ibovespa. O lado bom desta história é que um menor preço para as commodities agrícolas e metálicas favorece a queda da inflação. Acho que a inflação está indo no caminho certo. O BC ainda deve subir um pouco o juro para ela voltar à meta.

Valor: Como você vê a crise financeira mundial?

Goldfajn: Para mim a crise tem um lado estrutural, porque vai mudar a forma como o sistema financeiro se organizava. Vamos ter mais regulação, mais cuidado com os empréstimos e um sistema financeiro mais enxuto. Mas não creio que vá influir nas tendências de crescimento e produtividade no mundo nos próximos dez anos. O que o mundo está vivendo não é uma crise estrutural sem prazo para acabar, mas sim uma crise do ciclo econômico que pode durar até 2010. Viemos de um ciclo muito positivo de crescimento desde 2001 (o Brasil, desde 2003). E agora estamos vivendo o ciclo das vacas magras. Há desaceleração da atividade principalmente nos países desenvolvidos. O PIB da Europa está negativo e o Japão não está bem. A economia dos EUA cresceu 3,3% no segundo trimestre, mas foi um exagero. Esse crescimento foi baseado numa antecipação de consumo e boa parte vem de fora, da conta corrente do balanço de pagamento. Os EUA exportaram mais por causa do dólar mais barato e importaram menos por causa da desaceleração econômica. Foi a contribuição do setor externo que impulsionou o PIB americano do trimestre. A economia dos EUA não está tão forte assim e não vai sustentar essas taxas altas.

Valor: E como ficam os países emergentes nesta crise. A teoria do descolamento não vê contaminação da recessão nestes países.

Goldfajn: Eles não ficarão à margem. A China está desacelerando de 12% para 9% e acho que vai desacelerar um pouco mais. Mas por enquanto ninguém sabe quanto. Temos de lembrar que este ciclo ruim pode durar dois anos. E a partir daí, os Brics vão continuar crescendo. A China e a Índia estão incorporando boa parte de sua população aos novos hábitos de consumo e o Brasil vai estar relativamente bem na próxima década. O importante é o governo brasileiro não fingir que nada está acontecendo no mundo. Não adianta fazer políticas expansionistas e puxar a corda além do que o ciclo vai desacelerar. No passado, tentaram alongar o ciclo e acabou dando em inflação.

Valor: O pré-sal pode ajudar o Brasil a se destacar no novo arcabouço mundial?

Goldfajn: O governo tem que tomar muito cuidado com essas discussões. O pré-sal é uma boa notícia, mas é frágil, pois tem que conseguir investimentos necessários para tirar o petróleo do mar e isso vai exigir muito dinheiro e novas tecnologias e isso traz algumas incertezas. Por exemplo, se o preço do petróleo será compatível com os mega investimentos. Se o petróleo baixar mais de US$ 70 vamos começar a ter dúvidas sobre a viabilidade de alguns projetos. A discussão do que fazer com o dinheiro do pré-sal é colocar a carroça na frente dos bois. Estou sentindo mais espírito de cigarra do que de formiga nessa discussão.

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