Eduardo Augusto Silveira, Advogado especialista em direito do consumidor, tributário, civil e de empresa
Estado de Minas - MG
Atualmente, mais de 70 instituições financeiras em todo o país atuam com o chamado crédito consignado, modalidade de empréstimo cujas parcelas são descontadas automaticamente do salário de aposentados, pensionistas e funcionários públicos. Em 2010, apenas os contratos do Instituto Nacional de Previdência Social (INSS) movimentaram R$ 26,8 bilhões, um aumento de quase 18% em relação ao ano anterior. Entre os fatores que justificam essa expansão estão o crescimento da economia nacional e a facilidade de acesso ao crédito.
Mas, bem além das vantagens que as instituições que atuam com esse tipo de empréstimo afirmam oferecer para os contratantes, põe-se uma questão constitucional. A legislação brasileira, amparada pela Constituição, define como “abusivas” as ações que estimulam práticas de consumo não saudáveis, sem limites. E, a meu ver, não há nada mais abusivo que estimular pessoas já com idade avançada, com todas as consequências que isso representa para a saúde, moradia, locomoção e qualidade de vida, a tomar dinheiro emprestado a juros normalmente extorsivos. E mais abusivo ainda é o modo como esse incentivo é vinculado às propagandas divulgadas pelos bancos e financeiras. As imagens utilizadas remetem àquele clima dos comerciais televisivos de felicidade, equilíbrio e bem-estar. As mensagens prometem ao consumidor que tomar um empréstimo com essa ou aquela instituição vai acabar com seus problemas. Essas empresas se inspiram nos problemas dos consumidores para seduzi-los.
Da mesma forma, há outros indícios de que a prática do empréstimo consignado é ilegal e inconstitucional. O salário, conforme apresentado pela Constituição Federal, é definido como a remuneração devida ao trabalhador e capaz de satisfazer suas necessidades normais de alimentação, vestuário, habitação, higi ene e transporte. Por esse motivo, ele é protegido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e outras normas e se configura como uma garantia impenhorável exatamente por seu cunho eminentemente alimentar. Em outras palavras, não se pode descontar do salário nenhuma dívida de caráter civil. Contudo, é exatamente o que acontece com o crédito consignado. A lei que aprovou essa modalidade de crédito vai contra a Constituição ao autorizar o desconto do empréstimo civil na folha de pagamento do cidadão. Aliás, o que se faz é ainda pior que a penhora do salário: de fato, ele é retido por instituições privadas que não têm nenhum tipo de risco de prejuízo ao efetuar essas operações com pessoas cuja renda é fixa.
Hoje, a legislação brasileira dá extrema proteção às instituições financeiras e nenhuma ao consumidor devedor (especificamente nos casos de crédito consignado). Infelizmente, a única proteção que os aposentados e pensionistas têm contra essa modalidade de empréstimo é just amente não contraí-lo. Por isso, há a necessidade e a urgência em discutir o assunto e formatar propostas que alterem o Código de Defesa do Consumidor (CDC) para oferecer garantias e direitos ao cidadão que, preocupado com seus problemas, é encantado pelas possibilidades de dinheiro fácil. O auxílio contra as pessoas menos favorecidas não pode ser feito às custas da Constituição e dos direitos básicos de cada cidadão. E, principalmente, não pode ser feito às custas de sua dignidade. |