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Imprensa
Selic pode estar abaixo do limite mínimo

O desarranjo que se vê no mercado de dívida mobiliária, fruto do expressivo aumento do risco fiscal no país, acende uma luz amarela sobre outra questão que já está no radar do Banco Central: se a queda da Selic foi longe demais. O fato de o Tesouro Nacional ter que pagar um prêmio ao mercado para vender seus títulos públicos, inclusive os pós-fixados, pode ser um indício de que, com um quadro fiscal frágil, o país não poderá permanecer com um juro básico tão reduzido, mesmo com um cenário de atividade extremamente fraca.

“A curva de juros ultrainclinada e a LFT com deságio são sinais de que, com o quadro fiscal atual, o juro está baixo demais”, diz Sergio Goldenstein, analista independente da Omninvest e ex-chefe do Departamento do Mercado Aberto (Demab) do BC. “Há evidências de que o ‘lower bound’ foi cruzado faz tempo.”
 
O desafio do Tesouro, neste momento, é enorme. A dívida pública deve chegar perto de 100% do PIB no fim deste ano. E até abril do ano que vem ele terá que encarar um vencimento de R$ 700 bilhões em títulos públicos. O mercado só aceita refinanciar essa dívida em troca de um prêmio cada vez mais alto. Afinal, o governo não se mostra disposto a tomar medidas impopulares para colocar as contas em ordem, implicando um riscos para o teto de gastos. É por isso que o Tesouro tem rolado uma parte importante de sua dívida com títulos curtos, para fugir desse prêmio alto.
 
“Isso tem um limite. Encurtar muito a dívida, deixaria o Tesouro refém do mercado e ser obrigado a pagar o que o mercado exigir”, explica Goldenstein. “Acho até que ele já encurtou demais. É por isso que a venda de LFT, títulos atrelados à Selic e que têm prazo de quatro ou cinco anos, é um instrumento necessário para evitar o encurtamento excessivo da dívida.”
 
A questão, explica Goldenstein, é que o mercado já vem dando demonstrações de pouco interesse pelas LFTs desde o ano passado, exatamente por causa do nível baixo do juro. Ainda assim, nos últimos meses, com necessidade de rolar uma dívida muito maior e pagando juros mais altos pelos prefixados, o Tesouro tem sido obrigado a elevar a oferta desse papel. São volumes muito pequenos diante do total das ofertas - segundo cálculos do economista, do total de papéis vendidos em setembro apenas 4% eram LFTs. Mesmo assim, sem apetite por parte do investidor, o Tesouro também tem que pagar um prêmio - chamado de deságio no caso do pós-fixado -, que já chegou a 0,30%, o que é considerado um sinal de alerta. No começo de setembro, essa taxa era muito menor, de 0,04%.
 
“Se temos conjuntura cada vez mais pressionada, pode-se questionar se esses 2% [de Selic] já não ultrapassaram esse limite [o lower bound]”, diz o economista-chefe do UBS BB, Tony Volpon. Para ele, que foi diretor de Relações Internacionais do BC, a própria autoridade monetária reconhece que esse patamar - para além do qual uma redução adicional da Selic resultaria no contrário do esperado, desestimulando a economia e afastando a inflação da meta - é variável.
 
Volpon diz, que em conversa recente que teve com o BC, o assunto foi abordado, mas sobre outro viés. A questão era se esse estresse do mercado de títulos poderia não estar criando condições para um programa de compras de títulos. O interlocutor do BC teria dito, no entanto, que o tema só preocuparia caso houvesse sinais mais graves no setor privado , como, por exemplo, a quebra de alguma gestora. “Isso faz sentido, porque um episódio do tipo rapidamente poderia gerar saída de capitais. Foi o que ocorreu em 2002”, diz.
 
O movimento das LFTs tem levantado preocupações justamente porque boa parte dos fundos DI tiveram quota negativa em setembro. Como o perfil do investidor nesse tipo de fundo é superconservador, o temor é que a rentabilidade negativa pode levar a uma onda de saques. Caso isso ocorra, os fundos teriam que vender os títulos que têm em carteira, desvalorizando ainda mais os preços, em uma espécie de espiral negativa.
 
Dada a situação frágil do mercado para LFTs, o mercado tem optado pelas operações compromissadas do Banco Central. Esse instrumento consiste na venda com compromisso de recompra de títulos públicos do Tesouro que ficam na carteira do BC. E, para alguns, acaba servindo de concorrência para os leilões do Tesouro.
 
O volume das operações compromissadas tem aumentado nos últimos meses como resultado da elevação do déficit público. Para esterilizar o impacto do aumento desse déficit sobre o sistema financeiro, o BC tem que retirar liquidez por meio desse instrumento, que tem impacto, portanto, sobre a dívida bruta. Para se ter uma ideia, em dezembro de 2019 o estoque das operações compromissadas estava em R$ 932 bilhões e, em agosto, já havia alcançado R$ 1,59 trilhão. “O volume é absurdo, mas reflete o déficit público mais alto”, diz Goldenstein.
 
Num momento em que o Tesouro enfrenta tanta dificuldade em rolar sua dívida, a compromissada é um elemento complicador adicional. Afinal, essas operações pagam de 100% a 100,5% do CDI. Para comprar as LFTs ou as LTNs, o mercado quer uma rentabilidade mais alta, um prêmio. “Os dois instrumentos [compromissadas e leilões do Tesouro] sempre coexistira, então não dá para dizer que a compromissada concorre com o Tesouro”, diz Goldenstein. “Mas hoje há um elemento novo, que gera desconforto com a LFT. O risco do BC hoje é menor do que o do Tesouro porque, no limite, o BC emite moeda”, explica.
 
Esse aumento das compromissadas, para Volpon, pode ser visto como um indício preocupante.
 
“As pessoas costumam acreditar que as crises acontecem sem aviso prévio. Isso é incorreto. A literatura mostra que existe tipicamente um encurtamento de prazo antes das crises financeiras. É claro que sempre existe um evento que funciona como um fósforo,mas antes disso, teve um processo de jogar gasolina no chão”, diz o ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC. “É isto que estamos fazendo. No mercado financeiro em sua totalidade, existem dois ativos sem risco, as compromissadas e o dólar. Em um evento do tipo, esses recursos que estão nas compromissadas podem rapidamente virar dólares em Nova York".

Nas contas do banco suíço, a duração média da dívida pública brasileira caiu de 45,95 meses em dezembro do ano passado para 44,48 meses em agosto. Quando são consideradas essas operações, a queda é mais intensa, passando de 36,86 meses para 32,44 meses, o menor patamar desde março de 2010.
 
A reversão desse movimento diz o ex-BC, só deve ocorrer quando o governo der alguma resposta crível sobre como pretende financiar o Renda Cidadã dentro do teto de gastos. E, em um ambiente já bastante pressionado, a demora em responder a esses questionamentos só piora a situação, alerta.
 
A ideia de que a Selic já tenha ultrapassado o lower bound, por outro lado, é refutada pelo economista-chefe do ASA Bank, Carlos Kawall. “O BC, nos termos das sinalizações que tem dado, encara isso [a situação do mercado de juros] de maneira binária. Existindo o teto de gastos, está mantida a sinalização da prescrição futura de que o juro ficará baixo por bastante tempo. No cenário de ruptura do teto, essa prescrição seria imediatamente retirada e, a partir daí, o BC analisaria o impacto dessa burla nas projeções de inflação, hiato do produto, juro neutro”, explica. Segundo o ex-secretário do Tesouro, essa ideia não corresponde à realidade porque o contexto é o de que o teto de gastos se mantém.
 
Isso não significa, por outro lado, que a situação já não esteja cobrando seu preço. Mesmo com o “forward guidance” do BC em vigor, o estresse desses mercados é tal que, se as condições financeiras permanecerem inalteradas, o crescimento do PIB contratado para 2021 seria de apenas 1,2%, contra 2,1% da projeção oficial do ASA Bank. “Se tivermos outra piora das condições financeiras equivalente ao que tivermos nas últimas três semanas, essa projeção cai para algo em torno de zero”, alerta.
 
 
 

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