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Femtechs criam de tecnologia contra assédio a lubrificante
Fonte: Folha de S. Paulo - 19/05/2021 às 10h05
Nove em cada dez startups brasileiras foram criadas só por homens, segundo mapeamento da consultoria de inovação Distrito com a aceleradora B2Mamy e a ONG Endeavor. Na outra ponta, do lado de quem investe nessas companhias, a proporção é praticamente a mesma.
Além de desigual, o ambiente também pode ser hostil. Segundo a pesquisa do Distrito, 72,4% das fundadoras que passaram por processo de captação de investimento disseram ter sofrido assédio moral vinculado a questões de gênero. Mais de 60% ouviram questionamentos sobre sua capacidade de conduzir o negócio no processo e quase um terço se eram mães. Foram ouvidas 400 fundadoras.
Investidoras e empresárias começam a se mobilizar contra essa realidade em busca de condições iguais na captação de recursos e do desenvolvimento de um novo segmento de startups, as femtechs, companhias inovadoras que se dedicam a atender com mais qualidade a necessidades de mulheres.
Segundo dados ainda inéditos da associação Anjos do Brasil, que reúne investidores individuais, a proporção de investidoras entre quem aplica dinheiro em startups foi de 7% em 2019 para 13% em 2020. No período, mulheres que apoiam financeiramente empresas iniciantes foram de 575 para 904.
A investidora Rachel Horta, 47, que criou entre outros negócios a startup Hekima, de inteligência artificial, vendida para o iFood em 2020, diz que há uma grande oportunidade, ainda ignorada pelo mercado, para empresas que conectam saúde feminina e tecnologia.
Entre os investimentos de Horta está a Oya Care, startup da empresária Stephanie von Staa Toledo, 32. Lançada em novembro, a companhia oferece orientações para que mulheres façam testes hormonais, consultas sobre o tema online e conteúdo para que mulheres tenham mais controle sobre sua fertilidade e a decisão sobre o momento em que gostariam de engravidar.
A startup também prevê ampliar seu escopo de atuação para áreas como menopausa, contracepção e prazer sexual.
Toledo afirma que a ideia para a empresa veio de sua percepção, ao trabalhar no mercado financeiro, de que a falta de entendimento do corpo feminino era um dos desafios para que mulheres pudessem avançar na carreira.
Segundo a empresária, a falta de mulheres no mercado de startups trouxe dificuldades maiores do que ela esperava, principalmente para captar investimentos. "Por eu tratar de temas do universo feminino, quem está do outro lado não entende automaticamente do que estou falando."
A startup conseguiu cerca de R$ 800 mil, a maior parte vinda do fundo Canary, em que a principal interlocutora de Toledo era uma mulher. Também participaram 18 investidores individuais, 9 homens e 9 mulheres, diz.
Com sete aplicações em startups de mulheres realizadas desde o ano passado, a investidora Flávia Mello, 34, criou há dois meses, junto da também investidora Erica Friedman Stul, o grupo Sororité, formado por 30 mulheres interessadas em apoiar startups.
Mello conta que o grupo já se reuniu virtualmente para assistir apresentações de quatro empresas lideradas por mulheres. Após ouvirem as ideias, as participantes do grupo discutem o modelo de negócio das startups e o investimento é feito individualmente por quem se interessar.
Ela diz que a ideia para o grupo veio depois de ouvir de empreendedoras sobre o desejo delas de ter mais investidoras no quadro societário e a dificuldade que tinham para atingir esse objetivo.
Entre os investimentos de Mello, que foi executiva de empresas como Uber e Facebook, estão a Safespace, que usa tecnologia para evitar assédio no ambiente corporativo e a marca de chás The Feminist Tea.
Além de ver propósito em seus investimentos, Mello diz que suas escolhas são baseadas em potencial de retorno financeiro. "Existe uma oportunidade ao investir em algo negligenciado, que o investidor tradicional não entende", afirma.
Um debate sobre femtechs e sextechs (startups que lidam com sexualidade) durante uma temporada em São Francisco (EUA) para treinar inglês em 2018 foi o ponto de partida para que Marina Ratton, 35, decidisse criar um negócio nesses setores. "Entendi que inovações para mulheres não aconteciam no volume que deveriam porque na mesa do conselho das empresas são praticamente só homens brancos."
No ano passado, Ratton deixou seu emprego na área de marketing e entrou para a B2Mamy. Ali, contando com apoio de outras empresárias para entrevistas e testes de seus produtos, lançou a Feel, marca que produz um lubrificante íntimo a base de plantas e um creme pós-depilação com óleo de coco.
A empresa de Ratton está com uma captação de investimentos de R$ 500 mil aberta para interessados na plataforma Wishe, que em março deste ano passou a buscar recursos via investimento coletivo online para startups de mulheres. A startup também foi escolhida para programa de aceleração de startups do Grupo Boticário neste ano.
Rafaela Bassetti, 36, sócia da Wishe, diz que trazer mais investidoras e fundadoras é uma forma de mudar a partir da base estruturas que se reproduzem também nas empresas de capital aberto, a maioria comandadas por homens. "Precisamos colocar mais dinheiro nas startups de mulheres para que elas contem mais histórias de sucesso", afirma.
Atualmente são três startups que podem ser investidas pelo site da Wishe.
Outra das companhias listadas ali é a PHP Biotech, startup que trabalha no desenvolvimento de uma molécula para tratar do câncer de mama do tipo triplo negativo, mais agressivo.
Patrícia Heloise Bezerra, pesquisadora da empresa, diz que os testes in vitro indicaram que a molécula sintetizada pela startup consegue destruir grande volume de células tumorais, agredindo poucas saudáveis.
A companhia busca R$ 1 milhão para seguir com os testes, que também precisam passar por análise de toxidade em animais. Para Bezerra, o financiamento coletivo de mulheres é adequado porque trará investidoras que, além de retorno financeiro, estarão preocupadas com o impacto social do projeto.