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Clipping
Custo de despesas básicas sobe 30% acima da inflação e corrói orçamento

Fonte: O Estado de S. Paulo - 12/05/2021 às 10h05
Na casa do executivo Marcio Douglas Moura de Araújo, algumas mudanças tiveram de ser adotadas para equilibrar o orçamento com a escalada das despesas essenciais. O cardápio foi readaptado com produtos mais baratos. No lugar da carne, frango, fígado e, às vezes, peixe. Para reduzir o consumo de energia elétrica e gás, ele virou um verdadeiro fiscal. “Desligo o aquecedor de manhã e só ligo à noite. Apagamos todas as lâmpadas, tiramos os eletrodomésticos das tomadas e evitamos o uso do ar-condicionado em dias mais arejados”, diz ele. Mesmo assim, com quatro pessoas mais tempo dentro de casa, a conta de luz subiu 15%. No final do mês, diz ele, não sobra praticamente nada.
 
O aperto na renda de Araújo é uma realidade na vida da maioria dos brasileiros, que tem visto despesas essenciais, como alimentação, energia elétrica e combustível, corroerem boa parte do salário mensal. Isso tem ocorrido porque o preço de alguns desses gastos subiu acima da inflação, conforme levantamento feito pela Tendências Consultoria Integrada a pedido do Estadão.
 
No ano passado, a inflação média dos itens essenciais ficou 30% acima do IPCA, de 4,5%. Mas, em alguns casos, a diferença foi bem maior. A energia elétrica, por exemplo, subiu 9,12% e a alimentação em casa, 18,16%. Esse movimento continuou no início deste ano, com a explosão de 21,65% dos preços dos combustíveis (veículos e gás) até março. Os aumentos já foram suficientes para deixar a inflação das despesas essenciais 22% acima do IPCA neste ano - os números não consideram o índice de abril, anunciado nesta terça-feira, 11, de 0,31%.
 
Isso significa que boa parte da renda disponível está sendo comprometida com apenas algumas despesas, diz a economista da Tendências Consultoria Integrada, Isabela Tavares, responsável pelo levantamento. “Na prática, tem sobrado menos dinheiro para gastar com bens e serviços.” De janeiro de 2020 para cá, a renda disponível (depois do pagamento de despesas essenciais) para gastar com esses itens caiu de 42,11% para 41,33% - o menor patamar, pelo menos, desde 2009. Só no ano passado, essa queda representou R$ 45 bilhões a menos de consumo para o brasileiro.
 
O movimento, no entanto, não é recente. Em 2012, a renda disponível do brasileiro era de 45,47%. Nesse período, a escalada dos preços de despesas essenciais acima da inflação vem corroendo gradualmente a renda do brasileiro. “A pressão inflacionária aliada à deterioração do mercado de trabalho tem restringido cada vez mais o consumo de outros bens e serviços”, diz Isabela.
 
O problema é que essa escalada não deve parar por ai, afirmam especialistas. Na energia elétrica, por exemplo, é esperado para este ano novos e salgados aumentos na conta de luz do brasileiro. Rodrigo Moraes, especialista em Planejamento Energético da Go Energy, explica que, apesar de haver sobreoferta de energia, a expectativa é que preço continuará elevado durante todo este ano.
 
“Estamos enfrentando um período crítico de chuva, que afeta os reservatórios e obriga o acionamento de termoelétricas, mais caras. Neste ano, não teremos bandeira verde”, diz ele. No momento, a bandeira definida pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) é vermelha, que indica que haverá acréscimo no valor da energia a ser repassada ao consumidor final. “No meu orçamento, o que mais tem pesado são os preços de energia, gás e alimentação”, afirma o consumidor Marcio Douglas Moura de Araújo, que mora com a mulher e duas filhas.
 
Para ele, como não dá para cortar mais o consumo de energia, o jeito tem sido mudar a alimentação. Além da carne, que saiu do cardápio, a ida à feira tem sido restringida. “Também mudei o supermercado. Antes ia ao Pão de Açúcar. Hoje vou ao Dia.”
 
Na avaliação do economista Christiano Arrigoni, professor do Ibmec/RJ, a estratégia de Araújo está correta, mas nem tudo dá para ser substituído. É por isso que a renda cai, já que os salários não acompanham essa escalada de preços. Embora a inflação tenha ficado baixa no ano passado, o custo de vida para famílias mais pobres aumentou bastante, diz ele. “A inflação é um índice de preços de uma família típica, representa uma média. Para uma família mais pobre em que o grosso do orçamento vai para alimentos, energia e transporte, esses aumentos pesam muito.”
 
Por isso, a sensação de que a inflação é maior do que aquela mostrada nos índices. “É nítido que a renda vem despencando. E isso é um drama, pois afeta toda a estrutura de consumo das famílias”, afirma o economista do Insper Otto Nogami. “E assim, o salário fica insuficiente para as necessidades do dia a dia.”
 
O orçamento das famílias, segundo a Tendências, só não está mais apertado porque houve um arrefecimento em alguns itens nos últimos meses, o que compensou parte do aumento da conta de luz, da gasolina, do gás de cozinha e dos alimentos. Com a pandemia, a educação teve uma queda com os descontos dados pelas escolas por causa das aulas online. O mesmo ocorreu com os alugueis.
 
Para a especialista em gestão empresarial Erika Pellini, o novo normal com a pandemia reduziu alguns gastos e elevou outros. Em home office, ela diminuiu o consumo de gasolina, mas elevou os gastos com alimentação e energia elétrica. “Tento ficar vigilante e evito deixar luzes e aparelhos ligados sem necessidade e, ainda assim, a despesa aumentou.” Ela conta que começou a fazer uma revisão do orçamento e pretende enxugar alguns gastos, como por exemplo, telefonia celular.
 
‘Cortei supérfluos e troquei algumas marcas’
 
Para a fisioterapeuta Andrea Chiara Ferreira Silva, de 50 anos, o aumento no preço da gasolina achatou consideravelmente sua renda mensal. Ela faz atendimento domiciliar e usa o carro diariamente. “Apesar disso, não consegui repassar o aumento para os clientes, já que muitos deles também estão passando por um aperto no orçamento”, diz ela.
 
Além do combustível, a fisioterapeuta também teve aumento no preço do plano de saúde, de R$ 800 para R$ 1,7 mil por causa da mudança de faixa etária. “Junta-se a isso o aumento do preço dos alimentos e dos itens para atendimento, como propé, álcool e máscara para manter a segurança no trabalho.”
 
Andrea afirma que a situação só não ficou pior porque conseguiu alguns clientes a mais devido à pandemia. “Muitas pessoas estão precisando fazer fisioterapia para recuperação pós-covid.” Mesmo assim, ela chega ao fim do mês com menos dinheiro do que há alguns meses. “Cortei supérfluos, como chocolates e vinhos, e troquei algumas marcas por outras mais baratas.”
 
‘Minha conta de água praticamente dobrou’
 
As idas da propagandista farmacêutica Andréa Fernanda dos Santos ao supermercado têm sido só para comprar o básico: sem carnes, leite nem guloseimas. “Em alguns períodos, comemos ovo a semana inteira”, diz ela, que há um mês perdeu o emprego.
 
Mas, antes disso, a situação já não estava boa. Andréa ganhava um salário fixo e um rendimento a mais por bater as metas. Com a pandemia, as vendas caíram e ficou mais complicado alcançar os índices estabelecidos. Só isso reduziu em R$ 3 mil a remuneração da representante comercial.
 
“Ao mesmo tempo, via o preço da comida, da água, do combustível e do gás só aumentar.” Além de mudar o cardápio, ela fez uma ação dentro de casa para tentar reduzir o desperdício de água e luz. Mas, no caso da água, houve um aumento de 20% no consumo e a conta praticamente dobrou, diz ela. “Também não consigo encher o tanque do carro. Coloco R$ 50 e ando bem menos de carro.”
 
‘Dinheiro não dá para fecha a conta do mês’
Para tentar reduzir os gastos, Valéria Cristina Ignácio decidiu trazer a mãe para morar durante a semana em sua casa. Assim, teriam uma despesa única. Mas a manobra não surtiu efeito, o consumo subiu e os gastos cresceram além do previsto. “Tudo aumentou: a luz, o gás e alimentação.”
 
Se antes conseguia pagar tudo no limite, hoje falta dinheiro para fechar a conta no mês. Assessora de imprensa, ela tinha dois clientes. Mas, com a pandemia, eles encerraram os contratos e a renda de Valéria despencou.
 
Hoje ela sobrevive da pensão do marido, que faleceu.“Cortamos todas as guloseimas da casa e só compramos o básico: arroz, feijão, pão e um tipo de fruta por vez."

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