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Crédito privado atrai recursos e renova alerta sobre liquidez
Os fundos de crédito privado continuam captando em velocidade acelerada, com os investidores atraídos pelo ciclo de alta da Selic. No entanto, a concentração dos recursos novamente em carteiras com liquidez diária já acende um sinal de atenção no segmento. Nas últimas semanas, inclusive, começaram a surgir casos de gestoras fechando fundos para captação - ou avaliando a medida.
No fim de 2019, essa indústria viveu um ajuste significativo por conta de resgates. Isso aconteceu porque produtos com liquidez diária captaram de forma acelerada e esse aumento de demanda acabou levando à compressão muito acentuada dos spreads das emissões de debêntures. Esses títulos, que predominam nessas carteiras, são de longo prazo e possuem liquidez ainda longe do ideal no mercado secundário. Esse descasamento entre ativo e passivo acentuou problemas da indústria com retiradas. Depois da primeira onda, no fim de 2019, por conta da falta de atratividade das operações, logo veio a segunda leva de resgates, mais aguda, no início da pandemia em 2020. A covid-19 também levou a Selic para as mínimas. Agora, o ciclo de alta da taxa básica de juros está voltando a atrair investidores para o produto.
Conforme levantamento feito pela Quantum Finance para o Valor, uma amostra de 521 fundos de gestoras independentes com no mínimo 50% do patrimônio líquido em ativos de crédito privado teve captação líquida de R$ 3,3 bilhões em maio, no segundo mês de resultado positivo após quase dois anos de resgates. A maior parte dos recursos, 85%, foi para produtos com liquidez em até 30 dias (até 22 dias úteis). Essas carteiras respondem por 82% do patrimônio líquido da indústria, de R$ 165 bilhões.
Dados iniciais para o mês de junho levantados pela Quantum indicam nova captação expressiva neste mês: até dia 18, ela estava em R$ 4,5 bilhões.
Vivian Lee, sócia responsável pela área de crédito da gestora Ibiuna, destaca três sinais fortes de aquecimento da indústria de crédito: maior presença de emissores “não frequentes”, alongamento de prazos das operações e a queda de spreads nas taxas-teto nas emissões primárias. Um exemplo recente foi a B3 que, em meados do ano passado, fez uma operação de debêntures de quatro anos a CDI + 1,75%. Agora, em maio, voltou a mercado e emitiu um papel de três anos a CDI + 1,25%. Os spreads, que no início da pandemia se aproximaram de 5%, agora estão perto de 1,8%, conforme dados do Idex, índice da gestora JGP. Apesar da queda, Vivian destaca que as taxas ainda estão atrativas, longe dos patamares muito baixos, ou inferiores a 1%, vistos no final de 2019.
“Não acho que veremos o mesmo movimento de queda acelerada dos spreads que em 2019. Inclusive porque já há fundos com liquidez imediata que cresceram de forma acelerada e estão fechando para a captação. Os gestores estão atentos para preservar os cotistas e a própria estratégia”, diz Vivian.
Eduardo Alhadeff, também sócio da área de crédito da Ibiúna, avalia que as notícias de fechamento de fundos mostram a diligência dos gestores. “Se essas carteiras voltarem a ficar muito grandes e houver volatilidade no mercado, ainda há o risco de uma corrida por resgates. Esse permanece como um risco a ser monitorado, mas não enxergo nenhum problema iminente", afirma.
Alhadeff avalia que os spreads fecharam muito, mas porque vieram níveis muito abertos. E, agora, ainda mantém prêmio considerável em relação ao fim de 2019. “Ainda há balanços fortes de empresas esperados para os próximos trimestres. Fica difícil achar que o mercado vai piorar, salvo alguma volatilidade ainda não mapeada”, afirma.
Até o momento, o Icatu Vanguarda Crédito Privado informou que o fundo será fechado a partir de 30 de julho ou quando o patrimônio líquido (PL) atingir R$ 1,7 bilhão. A Riza chegou a fechar seu fundo, mas reabriu dias depois.
Uma questão para essas carteiras é que costumam apresentar tanto captações quanto resgates significativos no dia a dia. O da Riza fechou com patrimônio de R$ 2,5 bilhões e em poucos dias acumulou perto de R$ 500 milhões em resgates. Depois da reabertura, já está voltando para R$ 2,5 bilhões.
O fechamento mais recente foi feito pela gestora ARX, há dez dias, depois que seu fundo com liquidez imediata atingiu PL de R$ 3,5 bilhões - nem antes da pandemia ele havia ficado deste tamanho.
Pierre Jadoul, gestor de crédito privado da ARX, conta que a gestora entrou na pandemia com perto de R$ 6 bilhões sob administração e rapidamente desceu para R$ 4 bilhões, com os resgates. Mas as captações já voltaram a partir de junho do ano passado, focadas em fundos de previdência e de debêntures de infraestrutura. Nos últimos três meses, a atração de recursos voltou a se concentrar nos fundo líquidos de crédito privado. “No mês passado atingimos R$ 10 bilhões sob gestão e estamos caminhando para R$ 11 bilhões. Estávamos captando, em média, R$ 1 bilhão por mês”, diz. Agora, sem o produto que permite saque diário, a expectativa é que essa captação caia para perto de R$ 300 milhões.
Com a enxurrada de recursos, a ARX optou pelo fechamento porque avaliou que não há uma janela de emissões no mercado primário grande ou numerosa o suficiente nem com níveis justos de spread para alocação adequada desse capital. “Teríamos de comprar papéis já com taxas não muito coerentes. Decidimos preservar a qualidade para o cotista”, afirma Jadoul. “Esse foi o produto que mais apanhou na crise, todo mundo falou mal. Mas é comum em outros mercados e vai continuar existindo também aqui. Não vai deixar de existir porque teve rentabilidade ruim por alguns meses. Os preços se ajustam.”
Conforme um gestor, o mercado é assim mesmo: “São o ciclos de tomada e correção de riscos, às vezes na ponta do passivo, às vezes na ponta do ativo”, diz.
Jadoul acrescenta que ter esse produto com liquidez imediata nunca foio foco da ARX. “Preferimos trabalhar os produtos com passivos menos nervosos. Os ativos que tenho nos outros fundos de crédito, com resgates mais longos, ou previdência, são muito similares”, afirma. Segundo ele, o momento da indústria, em particular para os papéis “high grade” (de baixo risco) é muito favorável: “Prejudicou esses fundos a Selic ter ido para a casa de 2%, o que minou o apetite pelo produto”.
Do lado dos emissores, entre as empresas pouco frequentes nesse mercado que fizeram operações está a varejista de roupas C&A, que captou R$ 500 milhões em papéis de quatro anos a CDI + 2,5 % ao ano. Na oferta, coordenada por Itaú BBA, BTG Pactual e Safra, 23 fundos de investimentos concentraram 85% da emissão. Também houve operação da Centauro, de comércio de artigos esportivos, que levantou R$ 300 milhões. A emissão foi liderada por BTG e Bradesco BBI, que encarteiraram um terço da oferta. Esses papéis têm prazo de quatro anos e saíram a CDI + 2,31% ao ano.
Em prazos mais longos, Vamos e Rumo estão colocando papéis para 15 anos. “Esse é um prazo que, no passado recente, era mais visto em empresas de transmissão de energia, apenas. Empresas captando com vencimentos mais longos são sinal de mais apetite por tomada de risco”, diz Vivian, da Ibiuna.
A maioria das operações continua sendo para reperfilar dívidas. “Algumas empresas tiveram que captar no meio do furacão no ano passado, em operações mais caras, de curto prazo, e agora estão trocando por dívidas mais baratas”, afirma. A própria Centauro emitiu em junho passado debêntures de três anos a CDI +3,40% ao ano.
A Ibiuna iniciou o braço de crédito privado em 2020, na crise, com capital semente dos sócios de R$ 25 milhões.
Semana passada, o fundo alcançou R$ 205 milhões - dobrou de tamanho desde fevereiro. Além de papéis “high grade”, o fundo também investe em bônus offshore e crédito estruturado.
O levantamento da Quantum mostra ainda que fundos com resgate acima de 30 dias também atraíram quantidade relevante de recursos, R$ 484 milhões. Pela primeira vez desde abril de 2020, retomaram PL de R$ 30 bilhões.