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Copom endurece tom e deixa espaço para alta mais rápida dos juros, dizem analistas
Em tom mais duro, o Comitê de Política Monetária (Copom) prepara o cenário para elevações mais rápidas da taxa básica de juros do país no ano. Essa é a avaliação de economista consultados pelo G1 sobre a elevação da taxa Selic de 3,5% para 4,25% ao ano, anunciada nesta quarta-feira (16).
O novo valor é o maior nível para os juros desde o final de 2019. De acordo com o boletim Focus, a previsão é de que a Selic termine 2021 em 6,25% ao ano, o que representará, se confirmado, uma forte puxada em relação aos 2% ao ano registrados no começo de 2021.
A alta tem como plano de fundo a disparada dos índices de inflação. Em maio, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulou alta de 8,06% em 12 meses, muito acima da meta que vai de 2,25% a 5,25% em 2021. Em comunicado divulgado pelo Banco Central (BC), o Copom deixa claro que as preocupações se voltaram para a inflação de 2022.
O texto ressalta que os riscos para a recuperação econômica brasileira reduziram-se "significativamente", mas há possíveis choques inflacionários de curto prazo – como uma alta de preços de energia com intensificação de uma possível crise hídrica e reação do setor de serviços pós-vacinação – que continuam no radar.
A elevação de juros, contudo, leva em conta uma "persistência da pressão inflacionária", que "revela-se maior que o esperado, sobretudo entre os bens industriais". O Comitê dá recado de que questionamentos sobre "a continuidade das reformas e alterações de caráter permanente no processo de ajuste das contas públicas" podem elevar mais rápido a taxa de juros da economia.
"Para a próxima reunião, o Comitê antevê a continuação do processo de normalização monetária com outro ajuste da mesma magnitude. Contudo, uma deterioração das expectativas de inflação para o horizonte relevante pode exigir uma redução mais tempestiva dos estímulos monetários", diz o comunicado.
Gustavo Loyola, ex-presidente do BC
Para o economista e sócio da Tendências Consultoria, a comunicação do BC deixa claro que as preocupações deixaram de ser a atividade econômica e o foco está no controle da inflação.
Segundo Loyola, a carta parece mais "confiante" na recuperação da economia, mas mostra, em vários momentos, que são vários os riscos de inflação no radar – desde a crise hídrica, da persistência de câmbio mais depreciado até o retorno do apelo por reformas econômicas no Congresso Nacional.
"Um aumento de 1 ponto percentual na Selic neste momento seria algo fora do cenário previsto. Na próxima reunião, não seria", afirma Loyola.
O ex-presidente do BC, contudo, espera novo ajuste de 0,75 pontos, salvo uma grande novidade fora da prevista no horizonte.
Carlos Kawall, ex-secretário do Tesouro
O diretor da Asa Investments afirma que um dos pontos de atenção na nota do Copom foi a retirada da indicação de "normalização parcial" dos juros, que norteavam os reajustes em reuniões anteriores.
Com a nota deixando claro que o Copom busca um nível "neutro" de juros reais, há mais clareza e transparência de que patamar o BC quer chegar com a Selic, diz o analista.
"O BC tem deixado claro que enxerga como juro neutro uma taxa real de 3% ao ano. Considerando a meta de inflação do ano que vem, pode-se supor que vá a cerca de 6,5% ao ano", diz Kawall.
Colocar essa espécie de teto em perspectiva também prepara o mercado financeiro para aumentos mais velozes da Selic. Ainda que o BC tenha indicado que a intenção é repetir 0,75 ponto percentual de aumento na próxima reunião do Copom, o estabelecimento do juro neutro dá a entender que ele não será elevado demais, tornando a política monetária mais contracionista.
"Houve uma preocupação muito forte com a ancoragem das expectativas. Deixa claro que pode subir o juro por um problema, que é a inflação, mas também por um bom motivo, que é a recuperação melhor que a esperada", diz o economista.
André Perfeito, economista-chefe da corretora Necton
Na avaliação de André Perfeito, economista-chefe da corretora Necton, o Copom deve elevar a taxa de juros até 6,5% ao ano até o fim de 2021, uma vez que os preços das commodities ainda estão altos e o reajuste da energia elétrica deve pressionar ainda mais a inflação.
“Vamos estourar o teto da meta este ano. O BC tem que tentar coordenar as expectativas mais rapidamente. É preferível que ele suba mais a taxa de juros agora e menos depois para baixar os juros longos de forma indireta”, disse.
Segundo o economista, o risco de uma “lentidão” é os Estados Unidos elevarem os juros também, o que deve gerar “um ruído enorme ao país”, afirmou.
“As condições externas não vão ficar favoráveis para sempre. Se a economia norte-americana estiver bombando e a inflação subir [ainda mais], os juros vão subir também”, analisou.
Nesta quarta-feira (16), o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) decidiu manter inalteradas suas taxas de juros, apesar da elevação da inflação no país. A taxa básica foi mantida no piso entre zero e 0,25%. A projeção de alta, no entanto, foi antecipada para 2023.
Virginia Prestes, professora de finanças da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP)
Para Virginia Prestes, professora de finanças da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), o aumento da Selic desta quarta deve ter continuidade para que a inflação termine o ano no centro da meta, de 3,75%.
“A alta do dólar no ano passado impactou o IPCA em 12 meses. A moeda ter caído dá uma aliviada no índice, mas há novos fatores que influenciam, como o próprio avanço do PIB. O país crescer mais do que o previsto pode resultar em mais inflação”, destacou.
A especialista acrescenta também que a crise hídrica pode criar um novo risco para o país, uma vez que deve gerar custos elevados tanto para a indústria quanto para o consumidor final.