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Análise: Banco Central esvazia argumentos para juros em 6,5%
Fonte: Valor Econômico - 17/05/2021 às 10h05
Dirigentes do Banco Central (BC) esvaziaram, em dois eventos separados na sexta-feira, alguns dos principais argumentos que circulam no mercado financeiro em defesa de uma alta mais forte de juros neste ano, levando a taxa Selic a 6,5% anuais.
O diretor de política monetária do BC, Bruno Serra Fernandes, reforçou o cenário central de ajuste parcial dos juros e rejeitou um comportamento assimétrico para mirar uma projeção de inflação abaixo do centro da meta de 2022.
Serra e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, também negaram que, atualmente, a chamada taxa de juros neutra esteja mais alta, como alguns analistas econômicos vêm argumentando, em virtude das maiores incertezas fiscais.
Eles mantiveram, de um lado, a estratégia de assegurar flexibilidade para reagir a eventuais mudanças de cenário que exijam mais juros. De outro lado, não abriram mão de indicar que, pelas informações atualmente disponíveis, a melhor trajetória para os juros inclui uma pausa no ciclo de aperto mais para o fim do ano.
Setores do mercado reclamaram nos últimos dias de um certo ziguezague nas sinalizações de política monetária. Para eles, na semana passada o comunicado do Comitê de Política Monetária (Copom) deu a entender que o colegiado estava migrando do ajuste parcial dos juros para o ajuste total.
Chamou a atenção de alguns participantes do mercado o BC ter feito uma certa ressalva na indicação de ajuste parcial, com o suposto intuito de abandoná-la, ao dizer que ela valia para “este momento”. Já na ata do Copom, divulgada na terça-feira, a autoridade monetária voltou a subscrever a indicação de ajuste parcial, ressaltando que, se for além disso, a inflação projetada cai além da meta.
Os dirigentes do BC falaram na sexta-feira pela primeira vez em público depois do fim do período de silêncio do Copom, por isso havia alguma expectativa de que explicassem a suposta divergência entre o tom mais conservador do comunicado e tom mais moderado da ata.
O recado é que não há, necessariamente, divergência entre as duas sinalizações. A comunicação de ajuste parcial segue válida, mas ela é condicional à evolução dos dados. Se for necessário ajuste total dos juros ou mais do que isso, disse Serra, o BC muda de ideia.
Mas ele defendeu a iniciativa de o Copom dar uma sinalização explícita para os juros, que ele considera que amplia a transparência na comunicação de política monetária. Serra lembrou que, tradicionalmente, as projeções do Copom já indicavam o cenário mais provável dos juros.
Desde dezembro, o mercado sabe muito mais da visão do BC porque os modelos de projeção de inflação passaram a ser divulgados de forma completa, incluindo os parâmetros e elasticidades. Quem sabe interpretar modelos e fazer contas entende a sinalização para o juro do Banco Central.
Serra não entrou em detalhes, mas poderia ter dito que, hoje, a projeção central do Copom prevê uma inflação de 3,4% no ano que vem, abaixo da meta de 3,5%, se os juros terminarem o ano em 5,5%. O modelo de projeção publicado pelo BC mostra que uma alta de 1 ponto percentual dos juros leva a uma inflação 0,26 ponto percentual menor. Portanto, com juros a 6,5% ao ano, a inflação projetada cairia a perto de 3,1%, muito abaixo da meta.
Serra e Campos Neto também procuraram afastar a hipótese, que já começava a circular no mercado, de que o BC teria que subir mais a taxa básica porque os juros neutros teriam aumentado. Pelo último número divulgado pelo Banco Central, em março, a taxa neutra estava em 3% ao ano em termos reais, o que equivale a cerca de 6,5% em termos nominais.
Mas alguns analistas do mercado estão revendo essa taxa neutra para cima, para percentuais como 4% ao ano reais, devido ao risco fiscal. Se for assim, o juro neutro nominal estaria mais perto de 7,5%. Nesse mundo hipotético, o Banco Central poderia elevar os juros, digamos, a 6,5% ao ano e ainda assim fazer um ajuste monetário parcial.
Os rumores sobre uma possível alta dos juros neutros aumentaram um pouco nesta semana, quando a ata do Copom informou que essa é uma variável sujeita a ajuste ao longo do tempo, da mesma forma como o cálculo do nível de ociosidade da economia ou a sinalização de ajuste parcial dos juros.
Campos e Serra disseram que, em tese, o juro neutro pode subir se o cenário fiscal ficar mais incerto, com um aumento continuado do nível de gastos. Mas ponderaram que hoje isso não está acontecendo. Ou seja, a estimativa de juro neutro nominal de 6,5% ao ano continua valendo, a menos que haja uma surpresa negativa na política fiscal.
Por fim, Serra rejeitou a sugestão de que, para lidar com um risco assimetricamente alto de uma aceleração da inflação acima do centro da meta em 2022 o Banco Central deveria ter uma postura mais dura na política monetária, para que a projeção de inflação caia mais abaixo do centro da meta — acumulando uma gordura para absorver algo de ruim que porventura venha a acontecer.
O diretor do Banco Central disse que o Copom é “xiita” com buscar o centro da meta. E lembrou que a atuação do BC tem sido mais firme justamente porque o balanço de riscos para a inflação pende para o lado negativo, o que significa que são maiores os riscos de a inflação surpreender para cima do que para baixo.