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A meta é dar ‘match’: plataformas que administram fintechs conectam quem busca a quem oferece crédito
Fonte: O Globo - 17/05/2021 às 11h05
A procura por crédito de pequenas empresas na pandemia disparou e deu fôlego a um modelo de negócios ainda pouco conhecido no país: o de marketplaces de crédito. São plataformas administradas por fintechs que conectam quem precisa de financiamento a instituições financeiras dispostas a conceder.
A ideia é apresentar um cardápio variado de ofertas de empréstimos a uma parcela do empresariado acostumada a um menu mais enxuto na oferta de crédito nos grandes bancos. A vantagem seria consultar a um só tempo as condições, como juros e prazos, e selecionar as que cabem no bolso.
A crise levou a mudanças de hábitos e fez até quem não tinha afinidade com plataformas digitais rever planos. Foi o caso de G., dono de uma distribuidora de bebidas no interior de São Paulo, que pediu para não ser identificado.
O negócio enfrentava dificuldades desde 2019, mas o quadro se agravou na pandemia, com a falência de muitos clientes, como restaurantes:
— Tentei em bancos maiores, inclusive em alguns com quem tinha relacionamento há anos. Mesmo dando um imóvel de garantia, eles não conseguiam chegar ao valor que eu precisava para injetar em estoque e melhorias operacionais. Não acreditava muito em fintechs, mas me ouviram e ofereceram o valor que precisava a juros próximos dos que os bancos maiores cobrariam.
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O aumento na procura por crédito por empresas foi uma das bases de expansão da Finplace, fintech ligada ao grupo Credit Brasil. Na pandemia, a empresa registrou alta na demanda de 13.000%.
‘ifood do crédito’
Felipe Avelar, fundador e CEO da empresa, define o negócio como o “ifood do crédito”, com um menu variado de cerca de 300 financiadores. O interessado cadastra informações na plataforma, o seu “kit banco”, e em um prazo de três a quatro dias consulta ofertas disponíveis. Escolhida a opção, a liberação ocorre rapidamente.
A negociação leva em conta o que o empresário tem a oferecer, como a antecipação de recebíveis, dinheiro que entrará no caixa referente a vendas já efetuadas.
Com 2 mil clientes ativos, Avelar diz que a expansão poderia ter sido ainda maior caso o governo não tivesse demorado a liberar o Pronampe, programa de crédito a juro baixo criado na crise. O modelo foi revisto este ano, com taxa um pouco mais alta, e se tornará política permanente de governo após sanção presidencial.
— O atraso na gestão do dinheiro público atrasou o dinheiro privado — diz, citando que a empresa, assim como outras fintechs, fica de fora da intermediação do Pronampe, pois o governo exige experiência de cinco anos no mercado, parâmetro difícil de alcançar para esse tipo de negócio.
Com o ritmo acelerado de expansão, a empresa já mira novos nichos de mercado. Ela fechou uma parceria com a GT Foods, empresa de abate de aves no Sul do país, e fará a gestão da folha de pagamento. O serviço abre o caminho para a oferta de crédito consignado a dez mil funcionários.
Não é a única que verificou mudanças nos negócios durante a pandemia. O fundador do banco digital AAX, André Avellino, conta que antes da Covid-19, os clientes da fintech eram 70% pessoa física e 30% pessoa jurídica.
Hoje, essa proporção se inverteu e as empresas passaram a representar 70% da base. E histórias como a de G., o empresário de São Paulo, são frequentes:
— Os clientes chegam desorientados, devendo cheque especial, crédito pessoal, às vezes até agiota. Os bancos começaram a fechar a torneira, e essas pessoas, quase sempre com o score (histórico) muito baixo, não conseguem crédito.
Com uma base de mais de 50 bancos e 2 mil parceiros, Avellino brinca que o AAX é um misto entre iFood e Tinder do crédito.
Isso porque o cliente pode acessar os serviços na plataforma e escolher o que deseja, como em um marketplace, mas também pode informar o que precisa e receber as propostas que se enquadram nessas necessidades, até “dar match”, como no aplicativo de relacionamentos
Mais competição
O aumento da demanda por crédito também fez com que a Afinz — antiga Sorocred — passasse a funcionar, desde o fim do ano passado, como “plataforma aberta”. Este mês, a empresa recebeu autorização do Banco Central para atuar como banco múltiplo.
A ideia, segundo Claudio Yamaguti, presidente do Grupo Afinz, é distribuir um portfólio de soluções para atender às demandas do microempreendedor, muitas vezes desbancarizado, ou que não encontra serviços adequados ao seu perfil nos bancos tradicionais.
— Estamos construindo um marketplace focado na realidade do Brasil, onde 98% dos negócios são PMEs (pequenas e médias empresas), que empregam 50% da força de trabalho e representam 27% do PIB — destaca.
O modelo do marketplace passa a fazer mais sentido com a chegada do Open Banking. O sistema financeiro aberto começou a ser implementado este ano, com a abertura de dados das instituições financeiras.
Até 17 de julho, será finalizada a segunda fase, com o compartilhamento de dados de consumidores com as empresas, se assim desejarem.
Coordenador do MBA de Finanças do Ibmec, Filipe Pires afirma que antes desse sistema, os grandes bancos costumavam deter as informações dos clientes, monopolizando a oferta de produtos.
Apesar do modelo de marketplace financeiro ter sido regulamentado em 2018 pelo Banco Central, havia dificuldade para identificar “quem queria tomar crédito e quem queria ser credor”.
— Um dos papéis dos bancos de fomento seria criar linhas para esse nicho, mas as que existem só funcionam para quem está com o score alto. É muito difícil para a maioria cumprir os requisitos.
Analista do Sebrae Rio, Guilherme Reche diz que o sistema de análise de risco dos grandes bancos penaliza o empresário que enfrenta desafios.
— Com mais competitividade, a expectativa é que isso mude no futuro — diz.
Para pessoas físicas, a diversidade de serviços
Nos segmentos voltados para pessoas físicas, há uma grande variedade de produtos oferecidos pelos marketplaces financeiros. As ofertas vão de empréstimos e financiamentos a seguros e até mesmo aplicações.
Fundado em 2014, e funcionando também como marketplace desde 2017, o Guiabolso, por exemplo, faz uma espécie de curadoria de produtos financeiros, como investimentos, de acordo com o perfil detalhado do usuário.
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Além disso, criou o Guiabolso Connect, um serviço de inteligência de dados que conecta pessoas a empresas de crédito.
As facilidades são exclusivas para pessoas físicas, que são incentivadas a usar o aplicativo da fintech para organizar suas finanças pessoais.
Segundo Thiago Álvarez, sócio da empresa, como os clientes incluem na plataforma todos os seus dados bancários e financeiros, isso já permitia ao Guiabolso fazer uma análise de crédito mais precisa, mesmo antes de o Open Banking começar a ser implementado:
— Com base nisso, nossos parceiros topam conceder taxa de juros mais baratas do que o cliente teria no mercado, já que o risco é reduzido.
‘Taxas personalizadas’
A empresa de dados financeiros Olivia AI, Inc. e a companhia de tecnologia ZFlow, de varejo digital automotivo, firmaram uma parceria este mês para criar uma espécie de marketplace de financiamento de veículos.
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A iniciativa permitirá que o cliente tenha seu comportamento financeiro analisado para ter crédito com “taxas de juros personalizadas”, anunciaram as marcas.
A Afinz tem uma plataforma aberta de serviços financeiros, não-financeiros e de saúde para pessoas físicas, com foco principalmente nas classes C, D e E. A maior parte do público-alvo é de cidades do interior e não tem vínculo bancário algum, afirma Claudio Yamaguti, sócio e presidente do grupo. A ideia é oferecer serviços customizados.
Filipe Pires, coordenador do MBA de Finanças do Ibmec, acredita que há uma tendência “natural” de o mercado de marketplaces financeiros se expandirem para o segmento de seguros.
— Com o Open Banking, empresas com grande volume de dados começam a construir uma série de produtos e serviços para que possam usufruir dessas informações.