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Imprensa
Renegociação de dívida é estrategia do BB

O forte aumento das operações de renegociação de dívidas do Banco do Brasil (BB), que chamou a atenção dos analistas do mercado no balanço do segundo trimestre, é uma estratégia aberta da instituição para prevenir casos de inadimplência. O estoque de renegociação saltou de R$ 8,6 bilhões em junho do ano passado para R$ 13,6 bilhões.

"É uma estratégia muito voltada hoje para médias empresas. Apesar disso, o nosso índice de renegociação versus carteira de crédito é o menor do mercado", disse ao Valor o presidente do BB, Alexandre Abreu, na primeira entrevista desde que tomou posse. "É lógico que a gente tem que tomar cuidado e ser conservador, mas, se o banco parar de trabalhar porque está com medo, aí, sim, a inadimplência acontece."

Abreu contou que, mesmo em à crise atual, o BB vai continuar expandindo a oferta de crédito imobiliário e consignado, além do rural. São três segmentos, observou o executivo, onde a inadimplência é menor e há boas garantias.

A forte depreciação do real, segundo o presidente do BB, abre caminho para a expansão do crédito às exportações, uma área na qual o banco se especializou nas décadas de 70 e 80 do século passado. "Já temos 7.880 clientes exportadores com limite de crédito calculado, no valor de R$ 170 bilhões, e mais R$ 111 bilhões disponíveis", informou.

Funcionário de carreira do BB, onde ingressou como menor aprendiz, Alexandre Abreu revelou que, depois de comprar bancos dentro e fora do país, o maior banco do Brasil vai priorizar o investimento no mercado doméstico. A ideia é consolidar as estruturas adquiridas em busca de sinergias. "Não estamos pensando em fazer novas aquisições."

Valor: O BB cresceu nos últimos anos como banco comercial. Como pretende enfrentar a atual crise econômica?

Alexandre Abreu: Precisamos voltar um pouco no tempo porque algumas competências para fazer determinadas coisas hoje não surgiram do nada. Houve um aprendizado.

Valor: A que marco se refere?

Abreu: Até 1964, o banco era Banco do Brasil e Banco Central ao mesmo tempo. Cuidava da superintendência da moeda e do crédito. Quando houve a separação, o BB perdeu a função de regulador e passou a ser uma mistura de banco comercial e de desenvolvimento. Foi nessa época que desenvolveu habilidade muito grande em duas áreas: financiamento da agricultura e do comércio exterior. Com isso, preparou uma geração de funcionários e desenvolveu competências. Para financiar a agricultura, tem que ter experiência, técnica, estar presente no local. Essas informações precisam fluir dentro da organização e foi o que ocorreu. O banco se tornou presente nos rincões do país para levar crédito agrícola. A soja, por exemplo, foi inventada dentro do BB lá em Santa Rosa (RS), numa parceria com a Embrapa, que desenvolveu uma soja que se adapta às condições brasileiras. O banco começou a financiar e deu no que deu. A expansão da rede de agências guarda coerência com isso. Expansão no interior, crédito rural e presença internacional para financiar o comércio exterior. Agora, para fazer o que fazia o BB teve acesso, até 1986, a um expediente.

Valor: Qual?

Abreu: A conta-movimento [que o BB acessava no Banco Central sem limite orçamentário]. Ela fazia com que o banco não precisasse captar no mercado. Quando precisava de dinheiro, o BB sacava dessa conta e o governo controlava a expansão do crédito por meio dela. Ingressei no banco no ano do fim da conta-movimento. Naquele momento, tendo que financiar agricultura e comércio exterior, o BB não sabia bem o que fazer.

Valor: Foi obrigado a se reinventar?

Abreu: Sim. Sabia fazer comércio exterior e crédito rural, mas precisou aprender a fazer outras coisas sem perder as habilidades anteriores. Foi autorizado a captar poupança, fazer fundo de investimento, atuar com cartão de crédito, enfim, a concorrer no varejo bancário. Criou-se o financiamento rural com dinheiro da poupança e não mais da conta-movimento. Mas os juros eram mais altos, então, criou-se a equalização de taxa de juros.

Valor: De que forma?

Abreu: Antes, você usava o capital inteiro para financiar, ou seja, o Tesouro Nacional era onerado no valor integral daquilo que o BB financiava. Depois, o Tesouro passou a pagar somente a diferença. Aí, veio toda aquela fase complicada de planos econômicos. O banco chegou a 1994 [lançamento do Plano Real] descapitalizado, e o governo fez aquela famosa capitalização de R$ 8 bilhões, equivalente na época a US$ 8 bilhões. O banco tinha uma estrutura pesada para crédito rural e comércio exterior, ainda estava engatinhando no varejo. Em valores de hoje, em 1995 o BB tinha ativos no total de R$ 300 bilhões, cinco milhões de clientes e 120 mil funcionários. Com a queda da inflação, não é difícil imaginar que haveria problemas nos resultados.

Valor: E hoje?

Abreu: Hoje são 65 milhões de clientes, 114 mil funcionários e R$ 1,5 trilhão em ativos. Em 1996, portanto, o banco estava novamente numa encruzilhada. Não tinha mais o ganho inflacionário e precisava continuar fazendo agricultura, exportação, mas tinha que gerar receita para se manter. Já concorria com outros bancos na captação e, após a capitalização, começou a se recuperar e gerar bons resultados. Diminuiu o número de funcionários via PDV e conseguiu, rapidamente, se equilibrar financeiramente. O bom do BB é que sua cultura organizacional tem a capacidade de assimilar novas funções sem perder coisas boas que existiam. Chegamos aos anos 2000 e o banco fez outra grande mudança.

Valor: Qual?

Abreu: Uma mudança forte na governança: criou um mecanismo de segregação da atividade de negócio e de crédito.

Valor: O que isso significa?

Abreu: Basicamente, o seguinte: quem calcula no banco o limite de crédito das empresas não conversa diretamente com o cliente, não sofre a pressão do negócio. E o sujeito que faz o negócio tem que respeitar o limite de crédito.

Valor: Por que isso é importante?

Abreu: Porque dá mais segurança. Muitos dos problemas do passado ocorreram porque não existia essa separação. As pessoas que definiam até quanto você podia operar eram as mesmas que emprestavam. Além disso, existiam alçadas individuais. A partir da mudança, cortou-se a alçada individual e passamos a ter comitês. Não existe a menor possibilidade de se decidir nada no banco hoje que não seja via comitê. Eu, como presidente do banco, não tenho alçada individual para nada, nem para aumentar o cheque especial de alguém. A governança também permitiu que, quando fazemos um acordo com um devedor inadimplente, cuja garantia é de difícil execução, nós decidimos, no comitê, receber a dívida por um valor menor que o contratado. Tudo fica registrado no cadastro, então, o cliente fica liberado, sem nenhuma restrição no mercado, mas, no BB, ele não pode operar nunca mais, a não ser que pague a diferença. Foi instituída a diretoria de controles para verificar se tudo foi feito de acordo com a norma. Isso permitiu conceder crédito com mais segurança, menos inadimplência. No início dos anos 2000, houve outra mudança estratégica.

Valor: Qual?

Abreu: Separar a atuação em três pilares: varejo, que estava bem desenvolvido, atacado e governo. Isso fez com que os funcionários se especializassem nesses setores. As necessidades são diferentes, os clientes são diferentes. Isso fez com que o banco se recuperasse, do ponto de vista de resultado, de capital, e começasse a crescer. Em 2006, 2007, iniciou estratégia forte com a compra de bancos estaduais. Na crise de 2009, tomamos outra decisão estratégica.

Valor: Qual?

Abreu: Vimos aquela crise como uma oportunidade de ampliar nossa participação no mercado de crédito, que, apesar de estar bem estruturado, estava perdendo margem e "market share".

Valor: Qual foi o crescimento da carteira de crédito?

Abreu: Em 2008 estávamos com R$ 224,8 bilhões. Hoje são R$ 704,4 bilhões. A fatia no mercado de crédito saltou de 17% para 21%. O BB não cortou crédito porque havia uma crise. Percebemos que a economia poderia ter uma recuperação mais rápida e, aí, simplesmente continuamos trabalhando.

Valor: Não foi por causa de pressão do governo?

Abreu: Foi uma oportunidade porque todos sabíamos que os fundamentos da economia eram sólidos. Com essa estratégia, ganhamos mercado e a inadimplência ficou controlada. Essa participação de mercado vem se mantendo há mais ou menos dois anos. Vejo a máquina do BB extremamente bem posicionada.

Valor: Por quê?

Abreu: O banco apostou na agricultura e veja o que aconteceu. Desde 1990, a área plantada saltou de 38 para 58 milhões de hectares e a produção, de 58 para 206 milhões de toneladas. Caso fosse mantida a produtividade da safra 90/91, seriam necessários 135 milhões de hectares para produzir, hoje, 206 milhões de toneladas. Em 25 anos, economizou-se em área plantada o equivalente a 25% da Floresta Amazônica. Hoje, financiamos 65% do plano safra. Abre-se agora uma janela de oportunidade muito forte.

Valor: Qual?

Abreu: Exportação.

Valor: Por quê?

Abreu: Por causa da desvalorização do real. Hoje, menos empresas participam da exportação. Isso pode ser ampliado e o BB pode ajudar; 77% da exportação brasileira é feita por 283 empresas.

Valor: Como mudar isso?

Abreu: O banco tem limite de crédito disponível para empresas exportadoras em volume suficiente para alavancar uma grande quantidade de negócios.

Valor: As empresas não estão usando esses limites?

Abreu: Não porque o câmbio passado não estava favorável. Agora, com a mudança do câmbio, as empresas que exportavam vão exportar mais e aquelas que deixaram de exportar vão voltar.

Valor: O sr. teria um exemplo?

Abreu: O setor calçadista. Exportação, neste momento, é uma boa forma de minimizar os efeitos do ajuste que a gente está passando.

Valor: Por que não se interessaram pela compra do HSBC?

Abreu: O banco cresceu bastante nos últimos anos com a aquisição do Banco da Patagônia na Argentina, o Eurobank na Flórida e a Nossa Caixa e metade do Banco Votorantim no Brasil. Então, não faz muito sentido ter um crescimento inorgânico neste momento. Nem aqui, nem lá fora. O nosso objetivo é investir no Brasil, ter um crescimento orgânico porque as estruturas adquiridas ainda estão sendo consolidadas e obtendo ganhos de sinergia.

Valor: O investimento no Votorantim demorou para dar retorno.

Abreu: O Votorantim foi adquirido por ter sinergia na área de financiamento de veículo feito em lojas, que nós não tínhamos. Recentemente, abrimos uma promotora de vendas em conjunto com o Votorantim para fazer um apoio na venda de empréstimo consignado fora das agências. É fato que passamos, ao longo de 2011 e 2012, um período em que a inadimplência lá aumentou muito, mas, junto com os acionistas, traçamos uma estratégia e o banco se recuperou e entrou no azul desde o quarto trimestre de 2013.

Valor: Como está o plano de usar o Votorantim para expandir a atuação como banco de investimento?

Abreu: É uma coisa que ainda está em estudo. O nosso banco de investimento vem mostrando capacidade interessante. A operação do IPO da BB Seguridade, que foi um sucesso, foi desenhada dentro do nosso banco de investimento. Tivemos 'advisers' (consultores), parceiros importantes, mas a concepção foi desenhada aqui.

Valor: A construção civil é um dos setores mais afetados pela crise. Nos últimos anos, o BB elevou a oferta de crédito nessa área. Como vai atuar agora?

Abreu: Juntando pessoa jurídica e física, ainda cresce 20% ao ano. Mesmo agora. Além disso, nós não colocamos nenhuma restrição. Outros bancos colocaram restrições.

Valor: Não é prudente segurar neste momento?

Abreu: Estou operando normalmente.

Valor: Por quê?

Abreu: Primeiro porque eu tenho uma demanda absurda na minha base de clientes. Há alguns anos percebemos que o nosso cliente precisa desse produto, então, há uma demanda natural. Desenvolvemos esteiras de análise com rapidez, de desligamento. É o que mencionei: você cria uma competência no banco e não perde outras. Tudo isso foi criado no crédito imobiliário nos últimos três anos. A inadimplência está razoavelmente controlada e a área segue dando bons resultados.

Valor: Mas o funding não está bastante limitado graças à queda de captação de poupança?

Abreu: A nossa poupança, apesar de o mercado ter decaído, conseguiu segurar bem o nosso saldo. Tem a LCI (Letra de Crédito Imobiliário) também, um instrumento que ajudamos a criar.

Valor: Mas esse mercado está muito ruim, com empresas quebrando, excesso de distratos, imóveis vazios. Isso não afeta o BB?

Abreu: Não. Onde entramos financiando a obra, fazemos desligamento, que é quando construtora se financia com um banco e depois transfere o saldo para uma pessoa física. Não temos notícia de problemas nessa área. Você mede o sucesso dessa estratégia pelo comportamento da inadimplência, que teve ligeira alta em março e agora voltou ao patamar de dezembro. Mesmo neste momento, de mais dificuldade, ela vem se mantendo estável. O aumento da carteira gerou elevação da margem financeira bruta. O BB continua aumentando a oferta de crédito em linhas mais seguras.

Valor: Quais?

Abreu: Consignado e imobiliário. Em 90 dias, você toma o imóvel do inadimplente. O agronegócio puxa a nossa inadimplência para baixo. A gente focou bastante a rede no sentido de fazer renegociações preventivas. Lançamos inclusive um portal de renegociação de dívidas. Só no portal foram renegociadas mais de R$ 1 bilhão.

Valor: Isso não é pouco?

Abreu: O estoque de renegociação está em R$ 13,68 bilhões. Em junho de 2014 estava em R$ 8,6 bilhões. Houve um crescimento do estoque por causa da estratégia de renegociação precoce. É uma estratégia muito voltada hoje para médias empresas.

Valor: Em 2013, o BB lançou o programa "Bom para Todos", com a promessa de operar com os juros mais baixos do mercado. Hoje, porém, cobra taxas mais altas em segmentos como aquisição de veículos e consignado para servidor público.

Abreu: Naquela época, a taxa Selic estava em 7,25% ao ano. Não havia, então, nenhuma perspectiva de retomada da Selic ao nível em que está hoje [14,25%]. O BB se posicionou como um banco que trabalhava com taxas menores. Há uma ou outra exceção, mas de maneira geral nossas taxas são menores que as do mercado. Naquela época, oferecemos as menores taxas em três ou quatro linhas de crédito onde tínhamos saldo baixo de operações para verificar o impacto na liberação de crédito.

Valor: Qual foi o resultado?

Abreu: Quando baixamos a taxa, a sensibilidade foi alta. Diante disso, fizemos uma revisão mais ampla das taxas e começamos a trabalhar com percentuais mais baixos, na expectativa de que o volume adicional compensasse a queda de spread. Isso deu certo durante um bom período. Em financiamento de veículo, por exemplo, saímos de um para 10 milhões de operações. Com inadimplência baixa e financiamento só na agência, o crescimento foi muito rápido. Só que depois a Selic cresceu porque a condição macroeconômica mudou e, aí, tivemos que reajustar. O custo de captação subiu.

Valor: O retorno sobre patrimônio do BB estava próximo de 15% no primeiro trimestre, enquanto o do Bradesco e Itaú era superior a 20%. Por que essa diferença?

Abreu: Bem, 15% já é uma belíssima rentabilidade. Na verdade, está 14,2%. Se pegar o contábil, está 20% porque o resultado foi extraordinário no primeiro trimestre.

Valor: O 14,2% é o recorrente?

Abreu: Sim. O que o nosso resultado mostra é uma recuperação forte da margem financeira bruta, acima do "guidance". Agora, o que atrapalhou um pouco nos últimos três trimestres foi a provisão para crédito e também para contingências, principalmente, para perdas de planos econômicos. Agora, o que se vê ao longo do tempo é que o nosso índice de eficiência vem melhorando. Houve um fator que não justifica, mas explica: o BB teve um aumento de patrimônio líquido por causa da incorporação de um IHCD (instrumento híbrido de capital e dívida) em 2014.

Valor: Como foi isso?

Abreu: Foi feita uma emissão junto com o Tesouro Nacional de IHCD. A captação por esse instrumento foi incorporada ao patrimônio líquido do BB. Então, a rentabilidade do patrimônio líquido sofre um pouco num primeiro momento. É bom porque você fica mais parrudo em capital, em termos de necessidade de capital.


 



     


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