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Imprensa
O código civil e o "PJ"

Jornal "O Estado de São Paulo"  em 27 de novembro

O Código Civil de 1916 é considerado, à unanimidade, extraordinária manifestação da cultura jurídica nativa, quer pela distribuição das matérias e pela clareza do conteúdo como pela perfeição do texto lapidado e polido por Ruy Barbosa.

Resultado de projeto elaborado por Clóvis Bevilaqua, a pedido do ministro da Justiça Epitácio Pessoa, tramitou demoradamente pela Câmara e pelo Senado e, em 86 anos de vida, experimentou constantes mudanças, orientadas pela necessidade de mantê-lo em harmonia com a evolução dos costumes. Dele se dirá que acompanhou o passar do tempo com sabedoria, sem perder as qualidades que lhe foram proporcionadas pelos grandes jurisconsultos da época. Se em alguns aspectos a magistral obra envelheceu, a responsabilidade recai sobre a incompetência e a omissão do Poder Legislativo.

O Livro I da Lei Bevilaqua prescrevia que “as pessoas jurídicas são de direito público interno ou externo, e de direito privado”. Na esfera do direito público encontravam-se a União, os Estados e o Distrito Federal e os municípios. As pessoas jurídicas de direito privado, por sua vez, haviam sido classificadas como (I) sociedades civis, religiosas, pias, morais, científicas ou literárias, as associações de utilidade pública e as fundações, e (II) sociedades mercantis.

Em junho de 1975 o presidente Ernesto Geisel remeteu mensagem ao Congresso Nacional destinada à renovação do Código Civil. Transcorridos 27 anos a nova legislação foi sancionada, e entrou em vigor como Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. O novo Código distinguiu, no artigo 44, as pessoas jurídicas de direito privado em (I) associações, (II) sociedades e (III) fundações. A Lei nº 10.825/2003 acrescentou-lhes as organizações religiosas e os partidos políticos.

Do paralelo traçado entre as duas codificações se constata, porém, que os institutos fundamentais não passaram por radicais transformações e que, se avanços houve, poderiam ter sido atingidos independentemente da aprovação da Lei Reale.

Em alguns aspectos, porém, foram feitos progressos. É o que se observa no artigo 44, que diferencia as sociedades das associações, distinção não encontrada, com a precisão de hoje, no código anterior, e rejeitada pelos autores da velha Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Na definição do artigo 53, as associações resultam “da união de pessoas que se organizam para fins não econômicos”, como se dá nos clubes recreativos, nas academias científicas, nas entidades filantrópicas, nos grêmios artísticos e literários.

As sociedades, por sua vez, nascem, segundo o artigo 981, de contrato no qual as pessoas reciprocamente “se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados”. São as sociedades simples, limitadas ou por cotas, em nome coletivo, comandita simples, e as sociedades anônimas.

Em termos práticos, criam-se as associações com finalidades culturais e altruísticas. Algumas se consagram às artes e outras aos desportos, à cultura ou à benemerência.

Para as sociedades, todavia, a atividade fim é a realização do lucro. Correm riscos de perder dinheiro, sofrer prejuízos e, em situação-limite, ir à falência. Nada disso, contudo, fez parte dos objetivos visados pelos sócios, salvo na hipótese de serem arquitetadas com o propósito de servir de instrumento à fraude.

Ao se examinar o Livro II, que trata do Direito da Empresa, observa-se o reconhecimento legal “do empresário”, ou “PJ”, definido no artigo 966 como aquele cidadão que “exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens e serviços”. Para se legitimar como empresário é imperiosa a formulação de requerimento ao Registro Público de Empresas Mercantis, do qual constarão: (I) o nome, nacionalidade, domicílio, estado civil e, se casado, o regime de bens; (II) a firma, com a respectiva assinatura autógrafa; (III) o capital; (IV) o objeto e a sede da empresa (artigo 968).

Determina, ainda, a lei que gozam da prerrogativa do exercício de atividades empresariais aqueles estiverem em pleno exercício da capacidade civil e não sofrerem de impedimentos legais (artigo 972).

A Lei Orgânica da Sociedade Civil repudia qualquer dúvida acerca do “PJ” como empresa e pessoa jurídica de direito privado. Tal figura, por sinal, desde sempre existiu, embora destituída dos requisitos de formalização impostos pela Lei nº 10.406/2002.

Os problemas do “PJ” encontram-se no centro das discussões a respeito da terceirização, alimentadas por aqueles que apreciam polemizar sobre nebulosa e inconclusiva demarcação entre atividade-meio e atividade-fim, rejeitam a legitimidade dos contratos de prestação de serviços e não admitem que é possível a pessoa física assumir o perfil de empresário.

Para suprir uma das duas últimas lacunas constatadas no artigo 44 do novo código, o Legislativo está obrigado a lhe acrescentar o inciso VI e incluir, no rol das pessoas jurídicas de direito privado, a figura do empresário, prevista no artigo 966.

Finalmente o dispositivo recepcionará as associações participantes da estrutura sindical. Segundo o artigo 8º da Constituição federal, a organização sindical é livre e os interessados independem, para fundá-las, de permissão do Estado. Trata-se, inequivocamente, de pessoa jurídica de direito privado, como também o são os partidos políticos, com os quais, aliás, alguns sindicatos e centrais mantêm laços de família.

Almir Pazzianotto Pinto é ex-ministro do Trabalho e ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho

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