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Imprensa
A legalidade da comissão de permanência

Glauber Moreno Talavera
13/06/2008
                                 

A comissão de permanência, consolidada pela dinâmica contratual bancária sedimentada nos contratos de mútuo, tem, como espécie de encargo que o é, suscitado debates ora científicos ora passionais que têm sido entrecortados por aqueles que, de um lado, defendem sua legalidade e os que a refutam. Contendores de toda magnitude têm participado dessa polêmica, alguns argutos e notáveis, tratando o tema com temperança e acuidade, e outros dispensando a ele mero simulacro de análise, enaltecendo números e cálculos que, se por um lado salientam o golpe baixo dos juros altos e denotam antipatia aos lucros demasiados, por outro mostram que a exatidão da pesquisa provavelmente fora entorpecida pela parcialidade patente em tal aversão à recompensa pelo risco que o investidor assumiu ao iniciar seu empreendimento em um mercado permeado pela insegurança gerada por sua forte volatilidade.

Ao analisar algo a partir de uma conclusão já assentada, o pesquisador passa a conceber premissas prêt-à-porter para fabricar o resultado preexistente, tentando, para utilizarmos linguagem figurada, tensionar arbitrariamente o peso para fazer com que a direção do fio de prumo aponte para sua preferência. Ao conduzir-se dessa forma, o estudioso passa a ser fâmulo de um propósito do qual já estava enamorado e dependente, quedando-se subalterno de sua própria cegueira. Como de há muito asseverou Sêneca, somente é livre quem deixou de ser escravo de si mesmo. Concebida com fundamento no inciso IX do artigo 4º da Lei nº 4.595, de 1964, a comissão de permanência foi originariamente arquitetada em 1966, nos termos do item XIV da Resolução nº 15 do Conselho Monetário Nacional (CMN), tendo sido, ato contínuo, objeto de tratamento normativo pelo item V da Circular CMN nº 77, de 1967 e, posteriormente, também pela Circular CMN nº 82, do mesmo ano, que deu nova redação ao item V da Circular CMN nº 77.

Transcorridas mais de duas décadas desde a edição da Resolução CMN nº 15, e a par de outras normativas emanadas do conselho e divulgadas pelo Banco Central nesse interregno, a Resolução CMN nº 1.129, de 1986, que está em vigor, corroborou a regularidade da cobrança da comissão de permanência, franqueando expressamente às instituições financeiras, no seu item I, a possibilidade de cobrança desse encargo, cujo cálculo deve ser parametrizado pelas mesmas taxas pactuadas no contrato original ou pela média da taxa de mercado praticada no dia do pagamento.

Todavia, malgrado exista disposição normativa amparando a cobrança da comissão de permanência nos contratos de mútuo bancário, celeumas várias, seja nos estudos acadêmicos ou na militância forense, têm erigido a referida comissão a tema que tem inspirado desde reflexões sobre os fundamentos macroeconômicos de sustentação do mercado até questões sobre a reinvenção da comutatividade contratual, todos perpassados por indagações sobre o papel das instituições financeiras e pontuados por um sem-número de argumentos jurídicos, econômicos, financeiros e sociais de toda sorte. A embrulhada é tamanha que nos traz à lembrança as ordens desconexas que, na obra narrativa "O Processo", do romancista austro-húngaro Franz Kafka, enredam o intérprete numa situação ilógica que o expõe a toda espécie de confusão.

Nesse mister, é importante ressaltar que a polêmica também fez morada nas várias instâncias, juízos e tribunais país afora, havendo julgamentos cujas posições são verdadeiramente antagônicas entre si, uns reconhecendo a validade e eficácia da cláusula contratual que estabelece a comissão de permanência nas operações de mútuo bancário e outros exteriorizando total repúdio ao encargo, vedando veementemente sua cobrança por entendê-la nefasta, independentemente de o banco ter se acautelado ou não mediante previsão em contrato.

De um e de outro lado existem argumentos de fôlego, amparados por juristas de nomeada que, subtraídos dos passes literários e malabarismos retóricos que apenas contribuem para a controvérsia, têm desenvolvido estudos de indiscutível profundidade para tentar levar a questão a bom termo.

É importante ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem entendido, sem nenhuma espécie de pragmatismo economicista, pela validade e eficácia da cláusula contratual que estabelece a possibilidade de cobrança da comissão de permanência nos mútuos bancários, vedando sua cumulação com a correção monetária nos termos do que dispõe sua Súmula nº 30.

Como contraponto, é importante salientar que o entendimento reiteradamente exarado pelo STJ tem sido relativizado por alguns estudiosos que vislumbram decorrer essa assertividade dos julgamentos da simples interpretação de que não são cabíveis recursos especiais para simples interpretação de cláusula contratual, conforme asseverado pela Súmula nº 5 do STJ.

Conquanto alguns juristas de escol compartilhem essa mesma interpretação, tal exegese não nos parece razoável, pois embora seja notório que o exame de provas e fatos esteja circunscrito às instâncias ordinárias, é também evidente que o enunciado da Súmula nº 5 utiliza-se do vocábulo "simples" para extremar a interpretação para a qual incabível recurso especial daquela que demanda interpretação jurídica qualificada, para a qual o recurso é, no nosso entendimento, admissível.

Sobre o tema, corroborando a legalidade de sua cobrança, o STJ também posicionou-se através da sua Súmula nº 294, afirmando que não é potestativa a cláusula contratual que prevê a comissão de permanência calculada pela taxa média de mercado apurada pelo Banco Central, desde que limitada à taxa do contrato e, também, por meio da Súmula nº 296, fixando que os juros remuneratórios, não cumuláveis com a comissão de permanência, são devidos no período de inadimplência, à taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central, limitada ao percentual contratado.
É de considerar-se, portanto, que a comissão de permanência é encargo lícito que, considerada a expectativa de credibilidade suscitada pela chancela do "investiment grade", pode e deve ser imputado ao inadimplente do mútuo bancário, pois, "mutatis mutandis", como asseverou Shakespeare, "nada encoraja tanto ao pecador como o perdão".

Glauber Moreno Talavera é advogado, mestre e doutor em direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo e professor da Escola Superior de Advocacia

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