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Imprensa
'O fantasma do baixo investimento vai nos assombrar', diz economista-chefe do Bradesco

A reforma da previdência tem seguido seu curso, com alguns trancos e barrancos, perdas e concessões além do razoável, mas num patamar suficiente para convencer muita gente de que é o possível por agora. A aprovação no Congresso Nacional é hoje o maior obstáculo à retomada do crescimento e também à solvência das contas públicas – ou do país como um todo. Mas não é o maior obstáculo a ser superado para que o Brasil ‘dê certo’ por muitos anos a fio.
 
“O fantasma do baixo investimento em algum momento vai nos assombrar”, disse o economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato, em entrevista exclusiva ao Blog.

 

Segundo ele, a baixa taxa de investimento na economia brasileira, de cerca de 16% do PIB, compromete o potencial de crescimento do país. “(Isso)  não nos autoriza dizer que o juro vai ser baixo para sempre”, disse.
 
Honorato conta com a aprovação da previdência, que considera uma “boa reforma”, mas alerta para a necessidade de continuidade da agenda de reformas que deem ao Brasil a capacidade e a competência para nos tirar da ‘armadilha da renda média’, ou seja, da prisão de ser uma economia ‘mediana’ e mais pobre do que seus pares no mundo.
 
“Somos diferentes, mais pobres, por isso é tão urgente que o país volte a crescer sem perder a estabilidade das políticas econômicas ao longo do tempo”, afirma o economista do Bradesco.
 
Leia a seguir os principais trechos da entrevista. As fotos são de Celso Tavares.
 
Estamos pendurados na reforma da previdência, mas ao mesmo tempo vemos melhoras nos fundamentos da economia brasileira. Agora que o tsunami foi embora, e ficamos com seus estragos, como vamos nos reorganizar depois da recessão? 
 
É verdade que estamos pendurados na previdência, mas o que eu tenho dito é que a política econômica está sendo reorganizada há quase um ano e há várias frentes que que confirmam isso. A primeira delas, obviamente, é o teto dos gastos públicos que foi instituído. Temos reorganizações de forma mais ampla no ambiente de negócios como na gestão da Petrobras, a nova lei das estatais, os leiloes de concessões mais bem sucedidos, ou seja, uma reorganização mais ampla da política econômica. 
 
O principal elemento desta nova política econômica é que ela está permitindo que o dano causado na economia nos últimos anos, esteja se traduzindo em queda forte da inflação. A renda começa a melhorar gradualmente e o BC pode cortar taxa de juros. Este é um primeiro sinal importante para a retomada do crescimento.
 
Quanto tempo vai levar para isso realmente se transformar em um PIB maior?
 
É correto dizer que a economia já se estabilizou. O crescimento vai demorar um pouco mais, virá mais a partir do segundo semestre, mas o primeiro passo é estabilizar. Uma coisa que chama muito a nossa atenção é que desde a crise de 2008 vários países no mundo passaram por processos semelhantes de endividamento, crise de crédito e a recuperação foi lenta. E o Brasil não tem sido exceção para recuperação gradual, porque foi lento no mundo todo. 
Isso ajuda a olhar para cá com um ângulo de que processos de recuperação pós crise severa são lentos. Mas a política econômica sendo acertada vai produzir resultados.

 

Sim, somos diferentes, mais pobres, por isso é tão urgente que o país volte a crescer. Mas esta urgência tem que vir na sequência de um arranjo econômico que faça sentido, que é o que estamos vendo acontecer agora.  O Brasil tem um tema de crescimento de longo prazo, mas nossa renda per capita é mais baixa, sem sombra de dúvida.
 
Então para a gente é indispensável crescer rápido ou acima da média do mundo para diminuir essa diferença. Mas não vamos conseguir isso se não formos capazes de reorganizar a política econômica. Talvez ela não seja suficiente. Para o país crescer ele depende de boas instituições, de segurança jurídica, abertura da economia, de quão próximo estamos da fronteira tecnológica, de como você investe melhores os recursos em educação.
 
Já está na nora de o Brasil ter juros de país civilizado?
 
Temos que separar essa discussão em dois momentos. No primeiro, que vai de hoje aos próximos 24 meses, eu entendo que não há grandes restrições na economia. Mesmo que apareça consumo, dificilmente vai aparecer inflação. No horizonte mais longo, de dois anos para frente, o fato da nossa taxa de investimento ser 16% do PIB, esse fantasma em algum momento vai nos assombrar.
 
Eu entendo que o futuro não está garantido com esta taxa de investimento muito baixa, que compromete o potencial de crescimento lá na frente e hoje não nos autoriza dizer que o juro vai ser baixo para sempre.  Mas insistindo nessa nova política econômica, a chance de o investimento crescer e termos mais flexibilidade na economia é muito grande.
 
 
Uma das marcas surpreendentes do quadro atual é que a moeda brasileira sobreviveu à maior crise da história. O Real, apesar de ser ‘jovem’, está fortalecido e a queda acentuada da inflação corrobora isso. Essa conquista está blindada? 
 
Há dois conjuntos de vetores por atrás da moeda, além da taxa de juros. A taxa ajuda a não ter fuga de capitais, mas ela só funciona se esses dois outros principais vetores estiverem legais. Um relacionado às contas externas e outros às contas públicas. A moeda de um país é confiança, ela só vai sobreviver se houver confiança no país.
 
Os indicadores externos do Brasil são muito sólidos. Isso é importante porque, se não há expectativa de que o país vai quebrar, ou não há fuga de capitais, esse quadro dá uma blindagem para moeda. O bloco externo protegeu a gente desde maio do ano passado quando a expectativa de solvência mudou.
 
E quando falamos de solvência, temos que falar das contas públicas. Aqui, que é o outro vetor por trás da moeda, o que foi decisivo foi fazer uma promessa de futuro, associada à trajetória da dívida pública. O teto dos gastos nada mais é do que uma promessa de equilibro de longo prazo das contas públicas. Se não houvesse um compromisso tão explícito com a solvência fiscal, a moeda não teria sobrevivido.

 

Não tinha pensado nesse paralelo, mas me faz pensar agora. Mesmo na época da inflação, o brasileiro não estava habituado a conviver com ambiente sem inflação. A gente nem sabia quais instituições funcionavam, o que a gente precisava fazer nesta nova configuração. Fazendo paralelo com as contas públicas, o que aconteceu no Brasil desde 1988 foi uma sequência de expansão do gasto público e, em momento algum paramos para pensar como o país deveria se organizar para o dia que não pudéssemos mais gastar, quando chegasse a limitação.
 
O tema do teto de gasto traz oportunidade única, ainda que seja simples, vai demandar muito capital político nos próximos anos para discutir de fato um orçamento como política pública. De 1988 a 2016, a gente colocava todas as demandas no orçamento e, para atende-las, aumentava-se a carga tributária. Com a crise, entendemos que esse modelo não é mais viável para um país pobre – a escolha de como a sociedade quer financiar o futuro faz a diferença.
 
A gente poderia escolher financiar a reforma da previdência com mais imposto? Sim! Mas a gente já é um país pobre e, se aumentarmos o imposto, dificilmente a economia cresce. Talvez a oportunidade seja propor um debate sério de prioridades, que foi o que não aconteceu nos últimos anos.
 
Do que você tem medo? 
 
Não passar a reforma da previdência certamente é um tema que a gente deveria se preocupar. Meu principal medo é o senso de oportunidade perdida. Quando a gente olha as comparações de renda per capita do Brasil com resto do mundo, vemos que além de sermos pobres, precisamos crescer muito nos próximos anos para tirar essa diferença. Temos a oportunidade de implementar uma série de reformas, algumas já estão em estágio mais avançado, e se não passar a previdência, temos um senso total de perda de oportunidade de mudar o patamar de juro real, de inflação e contas públicas em ordem.
 
Acertando nesta rota, o Brasil pode dar certo?
 
É preciso perguntar o que é dar certo! Dar certo é crescer 2%, com a solvência fiscal garantida, mas um país preso na armadilha da renda média?  Seríamos um país de certa forma mediano. Se a gente não conseguir escapar desta armadilha, daqui 20 anos ainda vamos estar discutindo problemas de pobreza. Seremos um país que paga suas contas, não um país que cresce e prospera de forma pujante. 

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