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Imprensa
Por que a recuperação da economia não será tão rápida

São Paulo - Para Mansueto Almeida, especialista em contas públicas, o ajuste fiscal e a recuperação econômica passam por aumento de impostos no curto prazo e uma reforma da Previdência com impacto mais à frente.

 

A dúvida que não quer calar é se o Congresso vai aprovar as medidas de impacto necessárias se Dilma Rousseff cair e Michel Temer assumir.

 

"É equivocado isso de que o governo Temer teria a base dos 367 deputados que votaram pelo impeachment. Nesse sistema que eles estão acobertados, eu acredito que não haja consenso algum." 

 

Pesquisador licenciado do Instituto de Pesquisa Economia Aplicada (Ipea), Mansueto foi um dos autores, junto com Marcos Lisboa e Samuel Pessôa, do artigo "O Ajuste Inevitável", publicado em julho do ano passado.

 

Em entrevista para EXAME.com, ele destrinchou o problema fiscal e explicou porque acha que a recuperação da economia, quando vier, não será tão vigorosa como em outros episódios do passado. Veja os principais trechos:

 

EXAME.com - Qual é o desafio mais urgente para Temer se o impeachment for aprovado?

 

Mansueto Almeida - A questão fiscal. Não que ele vá necessariamente produzir algum equilíbrio no curto prazo, mas precisa sinalizar como será a recuperação do superávit primário de forma que se possa ver lá na frente a relação dívida/PIB do Brasil se estabilizando. Hoje, a gente só vê ela crescendo e isso não é sustentável.

 

EXAME.com - É possível o equilíbrio no curto prazo sem aumento de imposto?

 

Mansueto - Eu acho muito difícil algum superávit primário até 2018 sem aumento de carga tributária. 

 

No âmbito dos estados, haverá alguma negociação da dívida como já encaminhado pelo governo atual, e isso vai significar uma redução do serviço da dívida dos estados nos próximos 2 anos, que será transformado em despesa.

 

Então a tendência dos estados é o superávit virar déficit. E no governo federal, a tendência é do gasto continuar crescendo acima da receita, porque o que está se fortalecendo agora são as despesas obrigatórias.

 

Sem algum aumento de carga nos próximos 2 anos, é muito difícil reverter um déficit primário que está na casa dos R$ 120 bilhões e que tende a se ampliar.

 

EXAME.com - E no prazo mais longo, o que deve ser atacado?

 

Mansueto -  Reforma da Previdência. De acordo com os números do próprio governo, o gasto com Previdência vai saltar dos atuais 12% para 20% do PIB em 2050.

 

Embora os ganhos não sejam imediatos, é preciso estabelecer uma idade mínima para aposentadoria de forma gradual. Não tem como não fazer.

 

EXAME.com - Além da idade mínima, que outro aspecto essa reforma deveria mexer?

 

Mansueto - A vinculação do benefício da Previdência ao salário mínimo. A regra atual não será um problema em 2017 e 2018, quando não haverá crescimento real, pois o ganho é vinculado ao crescimento do PIB dos anos anteriores (2015 e 2016, de recessão). Mas a partir de 2019, pode complicar de novo o cenário.

 

O que a Constituição garante é a manutenção do poder de compra das aposentadorias, não aumento real. É muito importante deixar esses dilemas muito claros para a sociedade, porque no final quem vai decidir é o eleitor e o Congresso.

 

Se não quiser fazer reforma de Previdência e desvincular o benefício previdenciário do ajuste do salário mínimo, isso significa carga tributária crescente.

 

EXAME.com - Passada a crise, podemos voltar a crescer rápido?

 

Mansueto - O mercado está com um otimismo moderado. Ele vai dar para o novo governo o benefício da dúvida por uns 4, 5 meses, observar o que vai mandar para o Congresso e qual será a reação dos políticos.

 

Dois anos seguidos de queda de 4% do PIB é algo totalmente anormal, típico de países em crise bancária ou em guerra. Crescer 1% ao ano já é uma grande melhora, mas há uma série de problemas. 

 

De 2003 para 2004, por exemplo, a economia se recuperou muito rápido, mas agora não será assim por vários motivos. 

 

Primeiro: na época o Brasil vinha de um ciclo longo de reformas dos anos 90 que impactava positivamente a produtividade, e não havia choque de endividamento de empresas e famílias.

 

Agora é o contrário: a gente vem de uma desorganização econômica, com índices de conteúdo nacional muito alto, restrição de importações, créditos subsidiados e regimes tributários especiais, que causaram queda de produtividade. 

 

Segundo ponto: endividamento. As famílias hoje comprometem mais de 20% da sua renda no serviço da dívida, então mesmo com queda da taxa de juros, isso não se transforma imediatamente em aumento grande do crédito para consumo.

 

Do lado das empresas, a forte recessão piorou bastante os indicadores financeiros e os problemas de caixa. Quando a economia voltar a crescer, elas ainda vão precisar de um tempo de recomposição para eventualmente tomar crédito e investir.

 

A parte regulatória pode avançar, mas a recuperação será muito gradual e com a grande incógnita do ajuste. A gente vai ter que ver exatamente qual será a base política desse novo governo, o que vão encaminhar pro Congresso e a chance de aprovar essas medidas. 

 

É equivocado isso de que o governo Temer teria a base dos 367 deputados que votaram pelo impeachment. Nesse sistema que eles estão acobertados, eu acredito que não haja consenso algum. 

 

EXAME.com - Henrique Meirelles na Fazenda é um bom nome para esse processo?

 

Mansueto - Ele tem experiência bancária, o que é importante por causa dos problemas de crédito de bancos com empresas e de várias delas na margem da recuperação judicial. 

 

E você precisa desarmar essa expansão excessiva de créditos via bancos públicos que o governo fez nos últimos 6, 7 anos.

 

É um nome bom e vai montar uma equipe boa, mas o essencial será o presidente na negociação com o Congresso, porque todas as medidas dependem disso. 

 

EXAME.com - O que a possibilidade de renúncia e novas eleições muda no cenário?

 

Mansueto - Não sei se é positivo ou negativo, mas é mais um fator de dúvida. Do ponto de vista estritamente econômico, quanto mais adiar a solução, maior é o custo do ajuste.

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