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Imprensa
Quando os clientes pagam para emprestar ao banco

LONDRES - As famílias japonesas parecem, repentinamente, terem adquirido uma obsessão por cofres. A fabricante Eiko, sediada em Japão, dobrou suas vendas nos últimos meses. Na Alemanha, a seguradora Munich Re mantém cerca de € 10 milhões em seus próprios caixas-fortes.

 

Com as taxas de juros abaixo de zero, ficou mais vantajoso evitar os bancos e guardar o dinheiro, literalmente, debaixo do colchão — ou num cofre ou caixa-forte, que ao menos são mais seguros.

 

Bem-vindo ao mundo das finanças virado de ponta cabeça pela moderna política monetária dos países ricos. Nessa nova realidade, os poupadores são punidos e, quem tem dívida, é pago por isso. Quase 500 milhões de pessoas vivem hoje em países onde a taxa de juros está abaixo de zero. E são economias que respondem por nada menos do que um quarto do PIB global. Um cenário inimaginável antes da crise global de 2008. E que está longe de ficar para trás, já que tanto o Banco Central Europeu (BCE) como o Banco do Japão (BOJ, na sigla em inglês) estão indo cada vez mais fundo com seus juros negativos para tentar evitar a deflação.

 

Na zona do euro, a taxa de juros no overnight está negativa em 0,4% — significa que os bancos são punidos com esse percentual cada vez que deixam dinheiro parado nos cofres do BCE. No Japão, o juro básico da economia, que é referência para todos os contratos, está em -0,1%. Suécia, Suíça e Dinamarca também já adotam alguma taxa de juros negativa.

 

O objetivo principal dessa política é empurrar os bancos para emprestarem dinheiro e, assim, incentivar o consumo e os investimentos das empresas. Também há a esperança — sobretudo na Suíça, Suécia e Dinamarca — que as moedas locais se desvalorizem, já que não oferecem retorno aos investidores, incentivando assim as exportações.

Mas não é uma estratégia sem riscos. Os lucros dos bancos podem ir à lona. Os mercados podem ficar congelados e os consumidores podem simplesmente guardar o dinheiro no colchão para evitar pagar juros por deixar suas economias no banco. Todo o esforço pode ser em vão e a inflação ficar ainda menor — e, por isso, os BCs têm adotado uma estratégia tão cuidadosa.

 

— Eu sou cético a respeito da eficácia de juros negativos — afirma o economista Barry Eichengreen, professor da Universidade da Califórnia, em Berkeley. — Eles elevam o custo de fazer negócios para os bancos, que encontram dificuldades para repassar esses custos aos emprestadores, diante da fraca economia e da baixa demanda. Bancos com balanços frágeis não são o ponto de partida ideal para a retomada do crescimento.

 

Os mercados financeiros já estão sentindo os efeitos. Atualmente, cerca de US$ 8 bilhões em títulos são negociados por taxas abaixo de zero. Este ano, pela primeira vez, o governo japonês ofereceu a investidores juros negativos por seus bônus de dez anos. E, no mercado secundário, até mesmo empresas como Siemes e Shell viram seus títulos negociados abaixo de zero.

 

Por enquanto, a estratégia ainda não surtiu o resultado esperado. O presidente do UBS, Axel Weber, que é foi membro do conselho do BCE, afirma que não há demanda por empréstimos, não importa o quão barato esteja o financiamento. O crédito para consumidores e empresas não-financeiras da zona do euro, excluindo hipotecas, está estagnado em € 6,8 trilhões desde junho de 2014, segundo o BCE. Seguradoras e fundos de pensão se veem em dificuldades para garantir o retorno de longo prazo para os seus clientes, diante de juros tão baixos.

 

Há ainda uma preocupação de ordem existencial. Ao adotar políticas que antes hesitavam em abraçar, os BCs estão sinalizando que estão ficando sem munição para lidar com a crise. Na prática, estão reconhecendo que o fraco crescimento econômico dos últimos anos está fora de controle — e, talvez, pode se tornar uma situação perene.
 
 
 
 

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