Área exclusiva de acesso do associado ANEPS. Para acessar a área restrita da CERTIFICAÇÃO, CLIQUE AQUI

Imprensa
"Temos que avançar nas reformas estruturais", afirma Nelson Barbosa


O discurso do novo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, pode não convencer o mercado financeiro, que o vê como ideólogo da desastrada "nova matriz macroeconômica", mas reúne alguns dos temas que a grande maioria dos economistas vem defendendo: reformas estruturais, limites para gastos públicos e mais responsabilidade fiscal. O ganho de credibilidade, diz, virá do resultado.


Neste ponto, o novo ministro sabe que corre contra o tempo: "Sabemos que temos de avançar rapidamente e apresentar medidas no primeiro trimestre de 2016", disse ele ao Valor. A seguir, os principais trechos da entrevista.


Valor: O governo vai cumprir a meta de superávit de 0,5% do PIB aprovada no Congresso?


Nelson Barbosa: Vamos tomar todas as ações necessárias para cumprir a meta de 0,5%. Fizemos uma proposta ao Congresso, que previa meta de 0,5% com algum espaço [para abatimento], caso fosse necessário. Em negociação com o Congresso, foi decidido aceitar a meta de 0,5%, mas sem esse espaço.


Valor: Qual a estratégia?


Barbosa: As ações já estão em curso. Há várias medidas necessárias para a meta ainda em tramitação no Congresso. A principal delas é a CPMF. Vamos continuar trabalhando para sua aprovação no primeiro semestre de 2016 para que já possa estar em vigor no segundo semestre. Há medidas administrativas de controle de despesas e, principalmente, medidas que possam gerar mais oportunidades de investimento para estabilizar o nível de atividade econômica e, depois, recuperá-lo.


Valor: Propostas, como a MP 694, deveriam ter sido aprovadas este ano por causa do princípio da anterioridade. O governo vai se empenhar na aprovação em 2016?


Barbosa: Vou avaliar isso junto com Receita Federal e ver as ações necessárias para compensa-las.


Valor: O sr. senhor vai apresentar alguma proposta legal de controle do gasto?


Barbosa: Estamos focados primeiro em tomar as últimas decisões de pagamentos do Orçamento de 2015. Obtivemos autorização do Congresso para pagar os passivos apontados pelo TCU e vamos proceder com esses pagamentos. Depois o foco é viabilizar o cumprimento da meta aprovada pelo Congresso. Naturalmente, ao longo do próximo ano, haverá continuação da gestão fiscal, na proposição de metas, programas para os próximos anos.


Hoje temos mais regras para colocar gasto ou vincular o gasto. Temos que evoluir para colocar limite de crescimento do gasto público. Agora, tem várias maneiras de fazer isso e pretendo discutir isso com especialistas, economistas e com o Congresso para construir proposta de consenso.


Valor: O sr. falou em pagar as "pedaladas" em 2015. Serão pagas todaseste ano ou a parte do FGTS será parcelada?


Barbosa: Estamos avaliando isso nas próximas 48 horas. Ontem já tive reunião com a equipe do Tesouro. Vamos ter reunião com equipe do BC, que é quem faz a contabilização desses passivos da dívida pública.


Valor: A sua preferência é resolver esse problema todo em 2015?


Barbosa: Essa é decisão técnica. Precisamos ver qual o impacto para os próximos anos. Quero ouvir as áreas técnicas envolvidas para apresentar a proposta de pagamento para a presidente.


Valor: São R$ 57 bilhões, sendo R$ 20 bi do FGTS e o restante dos bancos, é isso?


Barbosa: Acho que sim.


Valor: Como será possível resgatar a credibilidade do governo?


Barbosa: Olha, a credibilidade é função de resultado. Mais do que qualquer coisa, precisamos produzir mais e mais resultados que demonstrem os efeitos das ações do governo e que estamos caminhando na direção correta. É importante valorizar os resultados que já foram obtidos neste ano. É bom lembrar que fizemos um esforço fiscal que deve atingir R$ 134 bilhões entre redução de gastos e recuperação de receitas. A maior parte foi redução de gastos. Em 2015 foi feito o maior contingenciamento desde que existe contingenciamento: R$ 78 bilhões. Estamos adotando desde o inicio do ano forte controle de gasto de custeio. Em termos reais, o custeio deve fechar o ano praticamente igual a 2010.


Valor: Mas o déficit continua aí.


Barbosa: Infelizmente, mesmo com todo o esforço, não foi possível atingir as metas inicialmente apresentadas para este ano porque houve grande desaceleração da atividade. O crescimento desacelerou muito mais rapidamente do que todos previam, não só o governo, basta ver a redução das expectativas de mercado de janeiro até hoje. Isso gerou uma frustração de arrecadação do governo que tornou necessária a revisão da meta fiscal. Mas é importante ressaltar que, mesmo nesse cenário, as ações continuam a ser tomadas. Foi feita redução de gastos discricionários, reformas iniciais em gastos obrigatórios e planejamos continuar avançando nessa direção.


Valor: O sr. vai propor a desvinculação do Orçamento?


Barbosa: Vamos propor agora, o principal item na agenda do gasto obrigatório é a discussão da Previdência, principalmente focada na questão da idade. Entre as principais economias do mundo, o Brasil tem idade média de aposentadoria das mais baixas. Já começamos a melhorar a previdência. Neste ano fizemos reforma das pensões por morte e, devido a uma decisão do Congresso, criamos a regra 85/95 móvel, que eleva gradualmente requisitos de idade e contribuição para atingir o acesso à aposentadoria. Cerca de 47% do gasto primário do governo é com previdência e assistência social. A presidente retomou o fórum de discussão para o governo ouvir as partes envolvidas e, a partir daí, construir a proposta para enviar ao Congresso no início do ano que vem.


Valor: A proposta do governo é estabelecer a idade mínima de 65 para homens e mulheres?


Barbosa: Há várias ideias sendo discutidas e o governo está formando sua posição. Todas as propostas têm o mesmo objetivo: adequar critérios de aposentadoria por idade à evolução demográfica. Uma das maneiras é estabelecer idade mínima, outra é a fórmula 85/95 e as duas podem chegar no mesmo lugar. Planejamos concluir esses trabalhos para enviar proposta ao Congresso no primeiro trimestre.


Valor: Além da Previdência, há compromisso com outras reformas?


Barbosa: Temos que avançar nas reformas estruturais, principalmente na questão do gasto público e tributaria. O ministro Levy deu prosseguimento ao ICMS e aprontou a primeira proposta do PIS/Cofins, que vou avaliar. Há, por parte do Congresso, iniciativas de aperfeiçoar o Supersimples. A reforma tributária continua crucial para melhorar a produtividade e funcionamento da economia. Só que no contexto atual, o foco da reforma tributária é simplificação e desburocratização, porque não estamos em momento que podemos abrir mão de receita. Na verdade, a carga tributária nos últimos anos caiu, assim como diminuiu o lucro de alguns setores e tem sido reduzido o crescimento de salários.


Valor: Como o sr. vai comprar tempo para implementar o ajuste fiscal de forma gradualista?


Barbosa: Não se trata de uma escolha pelo gradualismo. Avançamos o máximo que podíamos nos últimos 12 meses nos gastos discricionários. Agora temos que avançar nas despesas obrigatórias, o que vai exigir alteração legal e até constitucional. Isso impõe o gradualismo, a necessidade de enviar propostas legislativas, negociá-las e aprova-las no Congresso.


Valor: Algumas decisões poderiam ajudar a melhorar o curto prazo. Por exemplo, o BNDES devolver para a União os R$ 30 bilhões que sobraram do PSI. O sr. vai trabalhar para isso?


Barbosa: O exemplo que você deu é bom, porque no caso dos subsídios financeiros, temos implementado desde o ano passado ampla revisão. Houve revisão dos juros dos programas do BNDES, houve revisão do PSI [Programa de Sustentação do Investimento], que acaba este ano, das condições de financiamento do Plano Safra e do Fies [financiamento estudantil]. E revisão das condições a serem implementadas na terceira fase do MCMV [Minha Casa, Minha Vida]. Tem que mudar os programas para continuarem existindo.


Valor: Mas o PSI acabou.


Barbosa: Nesse caso, o CMN [Conselho Monetário Nacional] já tomou a decisão. Sobraram R$ 30 bilhões que, eventualmente, podem ser objeto de pagamento antecipado por parte do BNDES ao Tesouro, dependendo das cláusulas contratuais que o Tesouro tem com o BNDES.


Valor: Como assim?


Barbosa: São duas decisões ligadas do ponto de vista qualitativo, mas independentes jurídica e administrativamente. Uma é a decisão de reduzir o limite do PSI e com isso você tem a sobra de recursos no BNDES. Ao mesmo tempo há a decisão, que pode ser feita dentro dos contratos de empréstimo que o Tesouro tem com o BNDES, de um pré-pagamento, uma vez que esses recursos não são necessários ou usados pelo BNDES.


Valor: O sr. ainda vai decidir sobre os R$ 30 bilhões, então?


Barbosa: É uma tendência, mas ainda está sendo formatada. Provavelmente acontecerá isso.


Valor: Outra questão relacionada ao gasto é com o MCMV. O FGTS emprestará cerca de R$ 8 bilhões ao FAR, o Fundo de Arrendamento Residencial, que vai pagar as obras do programa. O que o sr. acha disso?


Barbosa: O FGTS vai assumir agora uma parcela maior de subsídios na faixa 1, integralmente subsidiada pela União. Nós solicitamos, e o conselho curador do FGTS aprovou, que o FGTS também possa destinar parte maior do seu resultado para subsídios na faixa 1.


Valor: Mas é um gasto de R$ 8 bilhões, é isso?


Barbosa: Acho que para o ano que vem são R$ 4,8 bilhões e o deste ano, pouco mais de R$ 3 bilhões.


Valor: É despesa do governo. Outra medida recente foi tomada no âmbito da previdência complementar: os fundos de pensão ficaram desobrigados da cobertura de um buraco atuarial de R$ 7 bilhões. O sr. conhece essa medida?


Barbosa: Conheço. Estamos em período de volatilidade no mercado de ativos e isso tem gerado reavaliação de preços em diversos investimentos de longo prazo, no mercado de fundos de pensão. Então o Conselho Nacional de Previdência Complementar adotou medida alongando prazos de ajuste ou de medidas necessárias para corrigir desequilíbrios atuariais, compatibilizando o prazo do ajuste com o "duration" [maturidade do pagamento dos benefícios].


Valor: O sr. fala em estabilizar a economia para depois retomar o crescimento. Como?


Barbosa: Pelo lado da demanda, temos elevação do saldo comercial que deve fechar acima de US$ 16 bilhões, bem superior ao que se esperava no início do ano. Isso contribui para o crescimento da economia, mas não é suficiente. É crucial construir as condições para o aumento do investimento e isso passa pelo reequilíbrio fiscal, maior previsibilidade macroeconômica, redução do risco sistêmico da economia e por criar condições de investimento para o setor privado, atrair capital externo e doméstico para diversos programas de investimento. Passa, ainda, por estabilizar o investimento de dois agentes importantes na economia brasileira, União e Petrobras.


Valor: O rebaixamento do grau de investimento do país não prejudicou essa retomada?


Barbosa: A reavaliação da nota de crédito do Brasil sempre acaba prejudicando no curto prazo a avaliação de risco, aumentando o custo financeiro dos investimentos, mas tenho certeza que, tomando ações necessárias, essas avaliações podem ser revertidas com a melhora dos números fiscais e melhora do crescimento. O desafio fiscal, a obtenção da estabilidade fiscal, é ter uma dívida publica, líquida ou bruta, estável em relação ao tamanho do PIB. Esse esforço depende da taxa de juros, do crescimento e do resultado primário. A taxa de juros é dada pelo mercado. O governo controla a taxa de curto prazo e o BC tem autonomia para coloca-la no nível necessário para cumprir a meta de inflação. Então, cabe ao governo atuar diretamente na variável que temos mais controle, que é o resultado primário, e criar as condições para o crescimento da economia, nesse momento muito mais puxado para o investimento. Com essa ações, pretendemos promover o reequilíbrio fiscal mais rapidamente.


Valor: A queda de quase R$ 200 bilhões nas receitas da União decorre da recessão e da queda dos preços das commodities, que não vão subir tão cedo.


Barbosa: Nossa receita tributária é intensiva em renda de commodities. Estamos em nova fase, em que não podemos contar com o crescimento das rendas de commodities, como no passado. Temos que construir as bases do crescimento da economia mais em questões internas, no aumento da produtividade. Portanto, é preciso aumentar o volume de capital por trabalhador; aumentar o investimento em educação; e continuar com políticas de estímulo à inovação. Estamos trabalhando na revisão do marco geral das telecomunicações que vai ao Congresso no próximo ano. Tem, ainda, a simplificação tributária, melhora do ambiente de negócios, das relações trabalhistas. É nesse tipo de medida que temos que avançar mais.


Valor: E quanto à abertura da economia, qual sua visão?


Barbosa: A abertura da economia vai acontecer naturalmente, porque vivemos os últimos dois ou três anos um realinhamento do câmbio, tanto por motivos internacionais, como a queda no preço das commodities, quanto por motivos domésticos. A depreciação do real tem efeitos negativos de curto prazo na inflação e na atividade, mas acaba melhorando a competitividade de vários setores e nos permite revisar varias iniciativas feitas no passado, quando o real estava muito valorizado.


Valor: O governo vai rever medidas protecionistas?


Barbosa: Com a moeda realinhada podemos ter a discussão de maior integração comercial e, ao mesmo tempo, rever algumas das nossas proteções.


Valor: O sr. disse que o ganho de credibilidade virá do resultado. O que vem pela frente?


Barbosa: Sabemos que situação da economia requer ações imediatas, sinalizações imediatas e estamos trabalhando nisso. Sabemos que temos de avançar rapidamente e apresentar medidas no primeiro trimestre. Obviamente, isso envolve vários ministérios e atores sociais, mas tenho confiança que vamos conseguir apresentar propostas já no primeiro trimestre.


Valor: Vai ser possível contar com o Congresso?


Barbosa: Apesar das turbulências no Congresso, cabe ao Executivo e à equipe econômica fazer propostas, porque elas vão viabilizar recuperação mais rápida da economia e a normalização política. Hoje, mais do que qualquer coisa, as pessoas querem discutir futuro.


Valor: Na última entrevista do ministro Joaquim Levy, ele disse que parece que o governo não gosta de reformas, porque ele tentou tocar essa agenda e não conseguiu. O que mudou?


Barbosa: Nossa agenda de reformas tem sido tocada, é importante valorizar o que foi feito neste ano. Conseguimos fazer as reformas do seguro-desemprego, abono salarial, pensão por morte. Criamos o PPE [Programa de Preservação do Emprego], que preservou mais de 40 mil empregos. Nesta semana, a presidente apresentou aperfeiçoamento do programa de leniência. Isso são reformas estruturais..


Valor: Não foi pouco, mas foi insuficiente.


Barbosa: Infelizmente não foi suficiente para o cumprimento das metas fiscais inicialmente estabelecidas, mas ainda assim houve um ajuste substancial. Teve um grande realinhamento de preços, da taxa de câmbio, revisão de subsídios financeiros. A direção está dada, os resultados vão aparecer, estão demorando mais porque houve retração maior do esperado no início do ano. Avançar agora é construir base para melhora no investimento, puxado pelo setor privado, no qual governo tem papel grande de coordenar as expectativas os grandes projetos de concessão precisam de regulação do governo e, principalmente, reduzir a incerteza sistêmica, macroeconômica. Isso dá segurança a todo investimento.


Valor: Há risco de populismo econômico?


Barbosa: As ações tomadas até agora, mais do que qualquer discurso, mostram que não há risco de populismo. Muito pelo contrário. Foram tomadas medidas impopulares no curto prazo, mas necessárias para retomada da estabilidade econômica. Nosso desafio é construir as bases para novo ciclo de crescimento sustentável.


Valor: Olhando para trás, o envio do Orçamento deficitário talvez tenha sido o maior erro deste ano. O sr. concorda?


Barbosa: É importante não confundir causa com consequência. Revisamos nossas metas fiscais ao longo do ano, enviamos Orçamento com déficit e, imediatamente, adotamos medidas para transformar o déficit em superávit. Agora, o Orçamento foi aprovado com superávit de 0,5%. Isso tudo foi feito devido à retração do nível de atividade, que foi maior do que se esperava e se traduziu numa frustração de receita em 2015 e em previsão menor de receita para 2016. Quando falo em causa e consequência, não acho que a revisão de metas é que causou queda do resultado, é o contrário. Houve redução de atividade, o que levou à redução da receita deste ano, que ficou muito abaixo do esperado, e também da receita esperada para 2016. Naquele momento, o Orçamento foi elaborado com parâmetros macroeconômicos e estrutura legislativa que refletiam a previsão de resultado para 2016. Ninguém estava confortável com o resultado.


Valor: Ele foi responsável pelo downgrade?


Barbosa: Isso tem que perguntar para as agências. Não sou a pessoa adequada para responder.



RECEBA NOSSAS NOVIDADES

Este site usa cookies para fornecer a melhor experiência de navegação para você. Para saber mais, basta visitar nossa Política de Privacidade.
Aceitar cookies Rejeitar cookies